quinta-feira, dezembro 29, 2005

Ogro

[Texto escrito no calor da conquista do título do Occy em 99.
Releio e me acho ingênuo toda vida - sincero e ingênuo, dois grandes defeitos, duas pequenas virtudes.]

Sábado 16 de Outubro, 1999.
Fiz questão de escrever a data acima para frizar bem onde estamos, em que estágio o surfe se encontra no Brasil e, de lambuja, no mundo.
Ondas mínimas permeiam a penúltima etapa do circuito WCT no Rio de Janeiro, o evento que já havia sido adiado ontem, sexta-feira-os portugueses conhecem como ninguem essa lenga-lenga-deixando o cronograma apertado para realizarem-se todas baterias restantes, masculino e feminino, em dois dias.
O trabalho forçado que me submeto agora não me permite sequer assistir Occy sagrar-se campeão mundial.Isso mesmo: O velho Touro finalmente foi coroado, tarda mas não falha, mas por obra do acaso, grande injusticeiro, não pude testemunhar “in loco” a conquista do australiano no quintal da minha casa. Perdi a escovada que a família Padaratz deu nos dois candidatos ao título, Neco em Lowe e Teco atropelando Campbell.
Nunca o surfe deveu tanto a família Padaratz.
Depois de tudo que ambos já fizeram e que ainda irão fazer, os irmãos Padaratz deram a nossa comunidade algo que há muito não conhecíamos: justiça.
Justiça ao mais talentoso surfista de todos os tempos, mais arredio,mais largado, mais sorridente, mais irritado, mais entusiasmado, mais auto-destrutivo, mais gente-boa, mais antipático, mais pesado e tambem o mais leve. Mais rápido e o mais lento; mais sentimental, mais temperamental.
Senhoras e senhores, o surfista mais humano e por isso o mais surfista de todos: Mark Occhilupo.
O texto poderia acabar tranquilamente na sentença supracitada mas não, continua, porque domingo tem mais....

- Quarta-feira, dia 21 de outubro, 1999
Passou a irritação.
Vitinho perdeu roubado na semi-final. Parece dejá-vu.
E é.
O americano da Flórida (é,ou não é flórida ?) Shea Lopes, com seu surfizinho McDonald’s, enganou quase todo mundo e ganhou, mas não ganhou muito, de Victor Ribas na semi-final.
Fosse na outra América, a do norte, uma bateria apertada entre o atleta local e um estrangeiro, o nativo começava com dois pontos de vantagem.
Aqui em Pindorama, índio começa com dois a menos.
É o nosso provedencial complexo de inferioridade e o medo atroz de cometer injustiças, coisa de povo colonizado. Nenhum país da Europa jamais temeu errar, nem os Estados Unidos, que erram sem medo e sem parar.
Desde os tempos da juizada brasileira na tour com Xandi Fontes e Renato Hickel que os nossos surfistas são prejudicados pelo excesso de zelo que temos com a justiça. Nunca foi má vontade, de jeito nenhum, ambos são corretíssimos, posso garantir. Mas um cuidado extremado em julgar as ondas dos nossos algozes sempre com olhos mais abertos e mais misericordioso afetou e ainda continua interferindo nos resultados.
Prometo não falar mais sobre isso (mentira, cruzei os dedos...).

Quartas de final: Taj Burrow X Neco Padaratz.

Não me lembro de ter assistido outra bateria desse nível em 99. Nem em 98... Pau comia solto nas esquerdas certinhas e armadinhas de 2, 3 pés. Taj se viu obrigado a mostrar um nível acima do que vem apresentando nesse ano. Em ondas com meio metro a mais seria impossível parar Neco.
Melhor surfe de alta performance do circuito.
A molecada que assistia na beira, aos gritos,delirava com a prova final de que nossas ondas, ali mesmo no quintal de casa, poderiam ser destruídas daquela maneira. É isso que empurra o nosso esporte/religião.
Essa devoção em qualquer lugar, a qualquer momento e não essa estupidez deslumbrada de circuito mundial somente em ondas perfeitas, locações de díficil acesso, etc...
Nossos surfistas/pregadores e devotos precisam do calor do acontecimento cara-a-cara (podem usar face to face, se preferirem) para empolgar o garoto na praia, o pai do garoto e todos amigos do garoto.
Esse pivete já foi o Mark Richards,o Tom Carrol,o Tom Curren, o Kelly Slater e o Vitinho, Neco, Peterson, Fabinho.
Hoje em dia esse sistema de filhos da puta impede a real evolução do surfe. Um surfista de 15, 16 anos precisa de,no mínimo, 2 ou 3 anos para alcançar o “senado”. Isso se for um virtuoso e, muito, bem patrocinado.
Falo disso outra hora.
Prometo.

sábado, dezembro 24, 2005

Foo


Último drope de Foo em foto do Mike Peralta


Dia 23 de Dezembro de 1994, Mark Foo paga o preço final pela emoção definitiva- como ele mesmo previu.

Na sessão de perguntas e respostas do saite Surfline um leitor curioso e atento indaga:


'I was reading Warshaw's Maverick's and it suddenly occurred to me what might've happened to Mark Foo. Something jumped out at me based on personal experience. This thing happened to me twice in my surfing life: in North Africa in 1971 and at Pavones, CR in 1998. Both times I had minor wipeouts that could've resulted in drowning. (Not that Foo's wipeout was "minor," but bear with me.) Both times I fell off and hit the water fairly flat, a semi belly flop, but with some movement across the water also. Both times I was in such pain that had I not been in shallow enough water to stand up in, I might've drowned.

What happens is that when you hit just so, the water "grabs" your skin and pulls two ribs apart very briefly and just a little, then they come back together. (It has a name I've forgotten, a something syndrome.) I can't describe how excruciating the pain is. You are immediately breathless and all but incapacitated.

What rang a bell in reading Warshaw's account was that Foo's fists were clenched when they found him. It occurred to me that in a hold down, at the point of unconsciousness the surfer would be scratching for the surface, or trying to free himself from his leash; in both cases his hands would open, not clenched. Also, I've read that you tend to relax as the blackness and inevitability of what's coming sets in. But had he been in the kind of pain associated with what happened to me those two times, it would have accounted for his fists being clenched. Although the 1971 incident is hazy in my memory, the one at Pavones is still clear -- my fists were clenched for like an hour after the wipeout.

I looked at the sequential shots of Foo's wipeout -- and yes, he hit the water in precisely the manner I describe. And a wetsuit is no help in preventing this injury; the water would grab the suit, which would grab your skin. No question, Foo would've drowned had this happened. Guy like Foo, something like this must've occurred. He shouldn't've drowned on that
asked by Allen


Maverick's regular and respected MD Mark "Doc" Renneker responds:

Swell.com asked me to reply to your letter, in which you raise the possibility of Mark Foo, on his final ride, having wiped out and suffered a chest wall injury causing extraordinary pain. And that his clenched fists as Matt Warshaw described them in his book, Maverick's, would be consistent with this having happened. I don't think so.

To begin with, in his death repose, Mark Foo did not have clenched fists. Matt Warshaw did not see his body (double-checked this with him this week). He was basing his comment on a photo he remembered seeing at Surfer, a photo that more than likely I had taken. I had examined (and photographed parts of) the body when it was still in the back of the boat that had found it, after the resuscitation attempts, and before it was taken away by the coroner. I was trying to deduce what had killed him, and the coroner was interested in my examination since I am a physician who understands surfing, and Maverick's, and because of my experience in surf medicine. Mark Foo's fists were not clenched.

I double-checked this by going back and examining the photos I'd shot. His hands were actually in a relaxed state, partially open, as if cupped to hold water. His knuckles and tendons appeared normal to me for any person who is thin and is a swimmer or surfer. A resuscitation attempt had already taken place (including attempting to start IV's), so that if his fists had been clenched, a resuscitator may have grabbed onto the hands and pulled them straight out (to gain better access to the veins), so the hands would have been opened.

In my hospital work, I see a lot of dead bodies, and have a pretty good sense of whether their last moments were agonizing. I did not see this in Mark Foo's body. His body, and, in particular his facial expression, was one of equipoise -- not life-rattling pain, as you suggest.

Finally, the syndrome you describe is not one that I am familiar with, and, again, one of my areas of professional interest is water sports injuries. Not in surfers, divers, or water-skiers am I aware of such a condition, other than the garden-variety chest (thoracic) wall injuries such as a rib or cartilage separation (and these can separate or sub-luxate and then re-establish in a moment). Yes, those can be extremely painful, but not, I would say, instantly debilitating, as you suggest, and certainly not in big surf, where surfers with major injuries often are able to override astronomical pain to rescue themselves (often they are so charged with adrenaline, they don't discover the extent of their injuries until later).

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Resenha da semana

A revista Surfing, traz semanalmente um apanhado dos acontecimentos no North Shore, algo como uma coluna de fofocas com pitadas de informações interessantes.
Cabe dizer que a Surfing impressa vai ladeira abaixo desde o surgimento da Transworld na disputa pelo mercado infanto-juvenil.
Com esporádicas exceções, como os artigos assinados por Nick Carroll, a Surfing descamba pro bobo-alegrismo, uma coisa meio Zona de Impacto, jornalismo de estágiarios pouco preparados, ainda em laboratório para ver no que é que vai dar.
Nathan Myers ou Hagan Kelley são dois exemplos do que existe de pior no jornalismo especializado.
Na terceira parte do 'North Shore Week In Review' a rasgação de seda abusa da nossa paciência.
Divido um pedacinho do texto que me fez subir pelas paredes pela subserviência e hipocrisia:

'...Now beat it. Haole means hello and goodbye. So pack your trash, thank your hosts and beat it. (All joking aside, a huge thanks to the entire North Shore community – you give so much love each year, opening your homes, your hearts and your waves to all these wayward surf-orphans of the world, we are humbled by your boundless aloha. Forgive us our trespasses. And lead us straight into temptation. We thank you from the bottom of our hearts.) So that’s it. For all the locals, you can have your waves back, thanks for sharing. For all the visitors, there a warm shower and clean clothes just an airplane ride away: Vegimite for the Aussies, better g-strings for the Brazilians and traffic jams for the yanks.'

Por algum motivo que não sou capaz de recordar (ainda taco um processo na Ambev pela minha perda de memória galopante), me veio na cabeça uma entrevista com Kala Alexander em idioma pátrio - qualquer coincidência é mera semelhança.


'Hey Kaiborg, como é o nome daquele loirinho que comemos ontem ?'

Troca de favores

Vejam, afinal não é sempre ruim essa troca de favores.
Leiam, por favor, o blogue Ondas e percebam que a vida inteligente resiste melhor surfando na grande rede.

Bonner ou Homer ?

Revista Carta Capital numero 373

'Depois de um simpático “bom-dia”, Bonner informa sobre uma pesquisa realizada pela Globo que identificou o perfil do telespectador médio do Jornal Nacional. Constatou-se que ele tem muita dificuldade para entender notícias complexas e pouca familiaridade com siglas como BNDES, por exemplo. Na redação, foi apelidado de Homer Simpson. Trata-se do simpático mas obtuso personagem dos Simpsons, uma das séries estadunidenses de maior sucesso na televisão em todo o mundo. Pai da família Simpson, Homer adora ficar no sofá, comendo rosquinhas e bebendo cerveja. É preguiçoso e tem o raciocínio lento. '



Leia o resto no saite da revista aqui

terça-feira, dezembro 20, 2005

Nilton Barbosa

[Entrevista com o fundador da Revista Visual Esportivo, Nílton Barbosa para Revista Venice, Fevereiro de 2003.
Nílton vivia numa casa ainda não terminada em Búzios, nem luz tinha quando fui conversar com ele num dia insuportavelmente quente no verão fluminense.
Seu arquivo deve valer uma bolada, mas aqui ninguem dá bola.
Nos Istêites valeria um livro do Surfers Journal.
No Salvelindo é provável que os cromos virem comida de traças e ajude de vez a enterrar toda história que a imprensa paulista faz questão de esquecer.
Amado e odiado, Nílton padeceu ao gosto amargo do esquecimento, falecendo sem um centavo e com todos sonhos do mundo.
Gostaria de ter uma foto dele no dia da entrevista mas era muito pouco importante para enviarem um fotógrafo até o remoto estado do Rio.
Nunca esquecerei os olhos dele quando proferiu a última frase como um herói de guerra - trágico e decidido.]


O Pôster mais vendido da revista Surfer na temporada 82/83 trazia um brasileiro, Anônio Martins, o Ianzinho, vacando numa onda linda, de um azul irretocável. A posição era incômoda: Iazinho tinha a cabeça indo, como dizem em inglês, de cabeça primeiro ao fundo de coral de Pipeline.
A foto representava a atitude dos brasileiros à época.
Loucura, ímpeto, largação, completo desrespeito, afirmação, cativante ‘Go-for-it’ como se escrevia.
O autor da foto que rodou o mundo inteiro vinha de Copacabana, Nílton Barbosa, o homem mais poderoso do surfe brasileiro nos anos 80.
Início da década de 80, Av Nossa Senhora de Copacabana, 195, sala 612, Rio de Janeiro, Jaques Nery, decide a pauta junto de Nílton, na dúvida entre Saquarema e Ubatuba, Austrália ou Europa ?
O surfe tinha perdido sua maior representação- e mais autêntica delas até os dias de hoje: a revista Brasil Surf-, mas ganhava uma publicação inspirada no jeito de levar a vida dos cariocas envolvidos com surfe, nascia a Visual Esportivo, assim, sem muita pretensão, como quem não queria nada, trazendo tudo que rodeava o surfe e a praia naqueles tempos atribulados de final de festa da ditadura.
O conceito da revista, absolutamente por acaso, antecipou o mercado, que ainda nem existia, em quase 30 anos, misturando Surfe, Skate, Vôo livre, Wind-surfe e som, tudo da melhor qualidade, apesar da ingenuidade editorial, reunindo o que conhecemos como Board-riding numa iniciativa sem par no resto do mundo.
Nílton Barbosa, garotão de Copa, colaborador eventual da extinta Brasil Surf, arrisca seus primeiros passos com a fotografia:

N – Sou cria de Copacabana, berço do negócio, nascido e criado ali na Miguel Lemos, onde começou tudo.
Sou de 55, fiz 47 esse ano.
A minha entrada no negócio de fotografia foi meio acidental.
Antes do aterro, a Xavier da Silveira era um pico pros dois lados, então eu cheguei a ver o Joãozinho, irmão do Cauli, o João Luís, o J. Calmo e Tranquilo, essa galera surfava de maderite no outside do Baixio. Ali que eu comecei a ver.
Cheguei a pegar onda, sempre dizem que eu nunca peguei onda, essas coisas, existe até uma foto minha, que está até em Ubatuba, eu surfava com uma Planonda, com capa de pano. Isso em Copa, antes do aterro, que era uma onda perfeita, perfeita.
E fui assim conhecendo o surfe através dos meus amigos de praia, a mesma turma do vôlei de praia, que já começavam a fazer incursões ao Pier, Arpoador, e ir para esses lugares com uma prancha de maderite era um suplício. Uma verdadeira caminhada no deserto, era ir e voltar suado com o peso das pranchas e o calor.

Comecei a fotografar de hobbie.
O pai da minha primeira mulher era fotógrafo, veio parar um equipamento muito amador na minha mão, praticamente sem lente, eu tinha 16 para 17 anos. Namorei e casei, fiquei com ela 7 anos e foi através do pai dela que eu entrei na fotografia. Usando até o equipamento dela – dele, no caso, né.
E a partir daí, por um acidente, uma foto minha foi publicada na Brasil Surf:
Porque eu tinha fotos na casa de um amigo meu, na Rua Miguel Lemos, que fazia constantemente umas projeções, só pra rapaziada. O Flávio Dias, que era da Brasil Surf, esteve numa dessas sessões de Slides, gostou das fotos e levou umas fotos desse meu amigo, que tambem era fotógrafo, seu nome era Eduardo Machado, apelido Ratinho. No numero #3 da Brasil Surf veio a ser publicada uma foto minha, a primeira foto: um pôr de Sol no Arpoador, com surfistas no primeiro plano, mas com o nome desse amigo meu
E assim foi o meu contato inicial com a Brasil Surf e daí em diante, embalou.
Quando a Brasil Surf acabou, das últimas 7 edições, as 7 capas eram com fotos minhas.

Com o fim da Brasil Surf, Nílton ficou sem lugar para publicar as fotos, que produzia com maior intensidade e mais avidez do que qualquer outro fotógrafo. Essa compulsão acabaria por leva-lo ao Havaí pela primeira vez na temporada de 77/78, o que, indiretamente pode, ou não, ter causado a morte da BS.

N- Minha primeira ida pro Havaí foi assim:
A editora da Brasil Surf me devia uma grana, então o que foi feito ? Transformou-se esse montante em duplicatas de serviço, em sete ou oito vencimentos, para conseguir viabilizar que a revista me pagasse e eu finalmente pudesse ir ao Havaí. Isso em 77/78.

Como eu não tinha grana, peguei essas duplicatas e, duro e precisando do dinheiro, troquei com o pai da minha namorada, o fotógrafo, que tinha sido advogado do Banco do Brasil por 25 anos. E o que aconteceu ?
O Flávio não as cumpriu, e o camarada – os caras achando que estavam lidando com um advgadozinho qualquer- , um advogado casca grossa, mandou executar as duplicatas e passou o rodo na editora e eu não pude fazer nada.
O que eu poderia ter feito ? falar para ele não cobrar ? eu não tinha esse poder…
Então, quando eu voltei do Havaí, não tinha mais lugar pra publicar minhas fotos.
Esse episódio alterou até a minha história de vida. Logo depois disso me separei da minha mulher, o cara fez uma devassa na Brasil Surf e decretou a falência da editora.

O nome Visual, inclusive, era exatamente o mesmo da sessão de fotografia na BS. O pessoal dizia que Barbosa tinha aproveitado o ensejo e colocado o nome para mais fácil assimilação. Ele diz que não foi bem assim.

N- Conicidência! O nome Visual, na realidade, na época que começou a revista Realce, em formato tablóide, com o Bocão, foi dado por um senhor que trabalhava na gráfica do pai do Anônio Ricardo, a Unigraf, que chamava-se Jesus. Quando explicamos qual era a idéia da revista que queríamos fazer, mais calcada em cima das fotos e etc… , esse senhor, o Jesus, nos sugeriu o nome Visual, nada a ver com a sessão de fotos da Brasil Surf, que coincidentemente chamava-se Visual.

A liberdade chegava devagarzinho, com uma abertura aqui e outra ali, tudo muito sútil, a rapaziada não “’tava nem aí”…
Mas tinha gente que alimentava a ilusão (podem chamar de sonho) de viver do surfe, ou trabalhando com o surfe.
Alguns desses aventureiros começaram na Visual, mas a qualidade editorial, o tempo e uma boa dose de sorte reservariam um espaço maior na imprensa ‘jovem’nacional. Caso do carioca Tom Leão, que deu seus primeiros passos como colunista musical na Visual e hoje está há mais de 10 anos com uma sessão num dos 3 maiores jornais do País, O Globo, chamada Rio Fanzine – em parceria com Carlos Albuquerque, outro que saiu das páginas de um veículo especializado em surfe, o Staff.



Tom Leão – Rio Fanzine (Jornal O Globo)
a primeirísisma coisa que escrevi, ainda como frila, foi a coluna "na cidade"para uma revista musical de curta duração, a Pipoca Moderna. Em seguida, procurei o Nilton, recomendado pelo fotografo Ernesto Baldan, que era meu vizinho, e vendi a idéia de continuar a coluna lá. Ele topou e eu escrevi praticamente até o fim da visual, se não me engano. De certa forma, foi ali que me desenvolvi, enquanto ia fazendo outros frilas pra Bizz, ate que surgiu a proposta de ir pro O Globo, onde a coluna está até hoje
dentro da seção Rio Fanzine. essa ligação surfe-praia faz parte da vida de quase todo carioca desde cedo, natural.
Como a revista era de circulação nacional, eu dava toque geral de coisas que aconteciam em Poa, SP, Nordeste. O gosto era muito variado: de rock brasil da epoca (Ultraje, Ira, bandas de Brasilia etc) ate o hadcore americano e a surf music australiana (e até Dire Straits, era época de Fluminense FM). O gosto da galera do surfe sempre foi muito variado, entao não tinha um só estilo. Mas lembre-se, que, na época, bandas como Hoodoo Gurus e Divynils, por exemplo, eram totalmente alternativas pro Brasil. O legal é que, como faço até hoje, a pauta era minha. eu só chegava lá e entregava pro Nilton, que confiava nas minhas dicas, e levava um lero com o wanderley, que fazia a diagramação e agitava as fotos. Como eu era vizinho do Ernesto, ele costumava me levar em campeonatos de surfe (já fui muito a Ubachuva)entao eu sentia de perto o gosto da galera. eu tabem colaborei com os programas realce e vibração(Cesinha, Bocão, Antonio Ricardo), ate porque, eu era um skatista de street. Quando ia em SP ficava ate na casa do Gyrão...




A coisa andava em velocidade alucinante, mas e o mais importante para a rodar girar e lubrificar, a grana ?
Cadê o mercado, esse animal indomável ?

Bem no começo da Visual, eu não conseguia ganhar um centavo.
Então qual foi a minha idéia ? primeiro eu tinha que criar um mercado para depois poder ganhar dinheiro. Eu já tinha essa consciência.
Eu nunca cobrei o preço de tabela por um anúncio na Visual.
Primeiro de tudo porque os anunciantes eram todos meus amigos de praia – negociar com amigo é a pior coisa que tem.
A revista funcionava assim: a gente tinha que vender umas 20 páginas de anúncios para faturar um “x” e o resto tem que vir da venda em banca.
O vacilo era que eu não tentava tirar tudo que eu deveria nas vendas dos anúncios.

Então o que aconteceu ? quando o mercado cresceu, vieram os outros, fortes, com grana e me engoliram..eu sou oriundo da classe média, se não ficasse esperto, não comia no mês seguinte. Não tinha como eu brigar com o maior parque gráfico da América do Sul, que era o grupo Abril.

No início, eu tive que criar o mercado, quando aquele mercado se solidificou e eu poderia começar a ganhar dinheiro, aí arrastaram tudo.
Tipo: a Abril qiando entrou na parada levou todo mundo que trabalhava pra mim, até Office boy recebeu oferta.

Cheguei a ter tres veículos: Visual Surf, Visual esportivo e Visual Body Boarder.

Quando comecei a usar a gráfica da Abril, a Fluir já tinha dois anos.
Pra segurar a onda das tres revistas aqui no Rio, tivemos que ir para um parque gráfico maior.

Então o que aconteceu ? Rodamos uma tiragem lá de 70.000…uma de 90.000 exemplares…quando rodamos uma tiragem de 134.000 e o maior distribuidor do Brasil, Fernando Chinaglia, através do Seu Ari, garantiu a eles um venda de 100.000 pra Abril, naquela época pra rodar tanta revista voce precisava de uma carta com a garantia de venda e uma carta de fiança.
Essa edição foi a numero 7 , com o Sérgio Noronha na capa.
Nós rodamos 134.000 exemplares e vendemos 127.000
Zeramos várias praças pelo Brasil.
Isso foi o auge do meu sucesso e o princípo do eu fracasso.


Pausa para explicar o que significa vender 127.000 revistas.
A mais vendida, todos sabem, Fluir, roda hoje em média, segundo seu editor, Alex Guaraná, 50.000 exemplares.
Repito: imprimem-se 50.000.
A venda gira em torno de 40% - quando vendem mais de 50% tem festa na editora!
A distância é essa, anos luz.
E depois dizem que o surfe é hoje muito mais popular do que antes.
Tenho minhas dúvidas.
Não satisfeito em mandar e desmandar no rumo dos surfistas brasileiros através das páginas de sua revista (quem tinha patrocínio devia tudo às páginas da Visual), Nilton resolveu, junto do sempre megalômano Rico de Souza, fazer uma equipe que seria considerada, e ainda é, a mlehor reunião de surfistas jamais igualada no Brasil.
Formava assim: Cauli Rodrigues, o mais vertical e voraz surfista do final dos 70 e início dos 80, Valdir Vargas, rei dos tubos, um autêntico havaiano com alma brasileira, ou vice versa, Fred D’Orey, o mais veloz e mais moderno, Roberto Valério, raça pura, aguerrido competidor e Big-rider por vocação, fechando a fatura, o fenômeno, vindo das areias imundas de Santos, com sua porradas tão fortes que dava pra escutar da praia, o futuro do surfe em pessoa, estilo, força e radicalidade, Picuruta Salazar.
Folheando a Visual, recheada com fotos dos maiores ídolos, ficava a certeza que Nílton Barbosa tinha tudo: a maior revista, a melhor equipe e as melhores fotos.


Um fotógrafo aspirante, Agobar Junior, apareceu para mudar pelo menos o topo da lista de melhor fotógrafo, ele nos conta como Nílton o recebeu:
Agobar de Oliveira Jr – Fotógrafo de surfe (o mais talentoso de sua geração)

NILTON BARBOSA, dinosauro brasileiro da fotografia de surfe!, seu nome tem que estar escrito em maiúscula!!! Dizer que ele é uma lenda viva da fotografia de surf no Brasil talvez seja redundante, mas contando com a fraca memória do nosso povo brasileiro, acho nescessário repetir.
Um dos precursores da fotografia em sua área, Nilton não era, ele é um apaixonado pela sua arte, mesmo depois de 30 anos de profissão. Fotógrafo da época que realmente tinha que se saber fotografar, Nilton tinha técnica e feeling. Obturador, diafragma, foco era tudo manual, não bastava apenas
enquadrar que a máquina fazia tudo como hoje. Não tinha essa de "foco automático"! Vamos dizer que era na raça!
Pessoa simples de coração enorme, o que ele mais amava era estar na praia fotografando surf. Falo no passado pois relato minha experiência daquela
época.
Entrei na Visual (Esportivo e Surf) através de um amigo, que eu ensinara a fotografar, mas de contra partida foi ele quem me botou a pilha para fotografar profissionalmente.
A Visual começou muito antes da Fluir, e era líder num mercado sem concorrentes. Um "mercado" que naõ tinha Billabong, Quiksilver, ou Rip Curl (no Brasil). Fabricantes de pranchas, surfe shops pioneiras na venda de artigos para o meio e alguns poucos que se arriscavam a confeccionar calções, eram os apoiadores do sonho de Nilton.
Como todo fotógrafo tem em si um editor(será?!), Nilton foi o melhor editor de fotos por qual passei ate hoje, e já fazem 17 anos. Até porque, nenhuma das revistas especializadas que existe hoje no mercado tem um editor de foto que seja fotógrafo ou tenha feito algum curso na área. Quando aparecia uma
seqüência de fotos na mesa de luz da Visual, ele sempre escolheu realmente a melhor para ser publicada em destaque, com paciência e dedicação. O prossesso de montagem de uma revista era uma coisa muito mais artesanal do que hoje (industrial). A coisa toda era muito mais lisérgica. O Hawaii
parecia um sonho, que Nilton e a Visual todo ano mostravam. Viamos na Visual os nossos surfistas, da nossa terra, se jogando do jeito que fosse, mas se jogavam e Nilton sempre estava lá. A sua revista não mostrava só os top mas sim a realidade Brasil Nut do jeito que acontecia. Tinha muito mais brasileiros nas paginas da Visual do que gringos e o North Shore de Oahu era para ele o paraíso na terra. A Visual foi a primeira revista especializada em surf que abriu as portas para o meu trabalho. Cheguei lá com o melhor equipamento do mundo na época, com algumas fotos do Arpex que fiz para testar o equipo, e Nilton segurou na hora. Isso incomodou alguns, mas o que voce faria?!
Lógico que a ferramenta certa ajuda no trabalho, mas ele sabia que isso não era tudo, e dividiu comigo todo o seu conhecimento(acho), o que foi fundamental para o crescimento do meu trabalho. Meu deu dicas que são sagradas ate hoje. Depois da Visual as portas se abriram para mim.Vida e morte, paraíso e inferno, confiança e traição, Nilton passou por tudo isso, e quando a Fluir surgiu com o poder da locomotiva paulista, ele procurou um parceiro para crescer e continuar o seu negócio na concorrência, mas o parceiro carneiro, era na real um lobo faminto.
A visual agonizou ate os últimos dias.
Quando se esta por cima, todos são amigos e camaradas, mas hoje tenho certeza que vários talvês falem mal, natural do ser humano. Difícil, talvez seja ser humilde e reconhecer o passado.
Com o Nilton e a Visual, vários viram que era possível se fazer revista no Brasil.
No final, de uma forma ou de outra, acho que todos os fotógrafos de surf do Brasil devem algum tipo de reverência ao mestre Nilton.



A situação do país, com as diretas e a misteriosa morte de Tancredo Neves, Sarney assumindo, era de pós coronelismo, representado pelo presidente. O povo vivia entre a satisfação de finalmente poder respirar uma suposta liberdade e a dúvida do que vinha pela frente.
Nesse clima, a Visual começou a afundar.

Por que as revistas vendiam tanto naquela época ?
Hoje, nenhuma vai conseguir repetir.
Plano Cruzado, bigodes do Sarney.
Uma revista estava congelada em 17 Cruzados, acessível pra qualquer um… hoje em dia, com esse preço, ninguem compra.

A capa era uma foto do Gordinho, o Paul Cohen, a maior edição da Visual não tinha uma foto minha na capa….e isso foi um dos motivos que afundou a revista, fora a queda financeira, foi que eu tinha virado editor.
Tinha edição que tinha pouco foto minha.
E eu tinha criado a Visual pra dar saída ao meu trabalho, e de repente eu estava pagando um monte de gente e não sobrava um centavo pra mim…

O que me quebrou foi o seguinte:
Os anúncios congelados, os limites para espaço comercial era pequeno.
Mas a tiragem aumentava e o comercial não pagava a edição.

E tinha gente que não pagava!
A gente trocava por roupa, trocava por anúncio em rádio…

Quando descongelaram os preços, eu finalmente poderia aumentar o preço de capa, mas os caras que me vendiam papel – eu usava o melhor papel - , inventavam aumentos exorbitantes.
Logo quando a coisa clareou, eu tinha acabado de vender 127.000 revistas!
E ia colocar uma nova edição nas bancas.
Quantas rodar ?
O distribuidor, Chinaglia, me recomendou rodar 70.000, eu rodei 100.000 me dei mal.
Se tivesse escutado o cara, tinha vendido quase tudo, mas só vendi 60.000… 60% é uma ótima vendagem, mas o problema eram os compromissos e o tamanho do encalhe: sobraram 40.000 revistas…
Era um negócio de custo de papel e gráfica absurdo.
As minhas descidas de tiragem tambem foram menos radicais do que deveriam ter sido, eu supus que conseguiria segurar um pouco mais a minha venda- e errei.
Aí nisso a editora esvaziou.

Visual São Paulo: eu tive que criar uma sessão chamada Visual São Paulo para colocar os paulistas, que na época, tirando o Picuruta, eram muito inferiores aos do Rio, e ainda por cima tinham o dinheiro.
Mas na hora de editar a revista não dava pra comparar a qualidade do material do Rio com o de São Paulo, o do Rio era sempre infinitamente melhor, dada a superioridade dos nossos surfistas.
Então eu criei a Visual São Paulo, a Visual Sul e Visual Nordeste, pra poder colocar sempre uma fotinho do pessoal que achava que era injustiçado.
Colocava então, o Felipe Dantas, o Kadinho, o Jamil do Paraná…



Eu tive um escritório em São Paulo, na Alameda Ribeirão Preto, funcionando com 11 pessoas, onde eu pagava cada folha de Xerox, que vinha no final do mês e onde pisei só para fechar o escritório.

Eu nunca quis ser dono de nada. A visual era o Ralph Canetti, Jaques Nery e meu irmão, Nílson. Eu queria era fazer fotos, não queria ficar entrevado com burocracias.


Durante a descida, a mesma foto do Ianzinho, aquela lá do início do texto, foi eleita para ser a foto que representaria os 50 anos da revista mais prestigiada da Alemanha, Stern, no poster gigante comemorativo junto da foto do Neil Armstrong, pisando na Lua pela primeira vez no dia 20 de Julho de 1969.
Não é pouca coisa.
Nílton fez mais 1000 Dólares com aquela foto.
Mas o dinheiro foi escasseando, sem revista e perdendo espaço editorial para os novos fotógrafos, com filho pra criar e despesas, Nílton Barbosa recusava-se a sair de cena.
Por descuido, foi preso em flagrante e julgado culpado, mas pela sua defesa conseguiu um benefício sem precedentes: cumpriu pena em liberdade por tráfico.
A revista Hardcore foi a primeira a resgatar a história do surfe registrada por Nílton Barbosa. Zé Roberto Aníbal, editor, pautou e publicou novamente as fotos que o cativaram quando moleque.
Vida que segue, parceiro.
Quando foi perguntado se pretende um dia retomar o espaço que teve certa vez no meio do surfe, Nílton me olha sério, convicto, respira fundo, talvez com um pingo de saudosismo, talvez com rancor, provável com esperança, e diz, olho no olho:

Pretendo, não. Eu VOU recuperar meu espaço.
Pode vim com auto-focus e tudo!
Com o meu talento, meu arquivo e minha disposição ninguem pode.
Pode escrever aí: eu estou voltando.

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Pipe Podcast

Bomba sugere o Podcast do Pipe Masters feito pela Rip Curl.



O futuro é ontem.

Brunin

Pela primeira vez em muitos anos, o Brasileiro torce hoje para que o Mar suba em Pipe.
Depois de passar pela triagem mais difícil do mundo novamente, duas vezes seguidas!, Bruno Santos encarna o espírito do nosso saudoso Pepê Lopes e Bocão, ambos surfistas que desconhecem a palavra medo, justo como o niteroiense.
Nos anos 80 acreditamos no Russinho e Taiu em Sunset, Valdir em Pipe e nos alegrávamos com as fotos insanas do Renan 'Da Crab' Pitanguy em Pipe e Waimea.
Burle, Eraldo e Resende tiveram desmpenhos discretos nos eventos havaianos enquanto, silenciosamente, iam quebrando barreira atrás de barreira nas sessões isoladas de free-surf.
Peterson apareceu como grande promessa, teve atuações excelentes em Sunset, pelo menos uma bateria épica em Pipe, quando perdeu roubado pro Rob Machado, mas logo se encheu do stress do Havaí.
Bruno Santos ignora as pressões e transforma em vantagem a sua desvantagem.
Dropa de onde quer em Pipeline e deu uma aula - ainda não aprendida- na triagem mais casca grossa que um surfista pode competir, faço questão de repetir.
O havaiano quando compete em casa é desleal, xinga, segura cordinha, ameaça, joga água na cara e nem é com Brunin, que aproveita o descaso e bota pra baixo, estilo Carrol contra Ho, na bateria semi-final.
Com o resto da turma, a gente até torce por um Mar bom, mas com Bruno a torcida é outra: quanto maior melhor.



Pepê, Mobral (pela vaca histórica), Ratão, Da Crab, Valdir e agora Bruno - mas ainda tem o Fun, Danilo Couto, Pato e Pig.
Será que Brunin vai trazer esse caneco pro Salvelindo ?

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Free ride

[Texto da SP de Novembro - complemento ao artigo sobre Tubos do Valente]



Aquela melodia insistia em repetir-se. Desde a primeira vez que ele vira e escutara Shaun Tomson a passear-se à frente da lente de Dan Merkel, nunca mais se conseguira livrar do pianinho suave dos Pablo Cruise.
Aliás, começara tudo muito antes: uma revista sem capa, a sequência de fotos de Shaun e MR dentro do mesmo tubo em Off-the-Wall como aperitivo, o leitor de cassetes tocando uma fita mal gravada de “El Verano”, apertada entre “Song of the Wind” do álbum Caravanserai, um dos mais sublimes momentos de Santana, e uma canção qualquer do Neil Young – mesmo que se vinda de Young nenhuma canção seja uma canção qualquer. Tinha de tudo naquela gravação rasca: Gallagher & Lyle e Joan Armatrading, Santana e Robin Trower… era o que se chamava de surf music no mais puro e verdadeiro sentido. Não aquela da definição das enciclopédias de música pop mas as músicas que de facto ouvíamos antes de irmos para dentro de água.

Túnel do Tempo 1: Final dos anos 70. Um surfista mediano, chamado Larry Blair, vence todos campeonatos disputados em ondas tubulares. Blair surfa o que dizem ser o mais longo tubo da história da ASP (9 segundos) contra Wayne Lynch na final do Coke de 1978. No mesmo ano, surpreende o mundo vencendo o Pipe Masters e ainda repete a dose em 79, provando que não era um acaso dos canudos.

Quando viu a plaquinha caindo lá de cima e escorrendo na sua frente – “O vidro veio envergando com um derrame afiado e pontudo”, escreve Pepê Cezar – quando a onda fechou e deixou o dia escuro, ele ouviu novamente o danado do pianinho e viu o contorno da mão do Shaun Tomson a passar perto do seu rosto.
A turma dos mais velhos, do alto daqueles anos bem vividos que separam um moleque de 15 do homem de 18, pregava que o “Free Ride” tinha uma banda sonora que parecia ter sido feita sob encomenda. Outra teoria, esta da responsabilidade dos caras de 22, dizia que os californianos de São Francisco, Pablo Cruise, tinham assistido o filme já editado e composto tudo na hora. Uma versão de bermudas e pele bronzeada da lendária jam session de Miles Davis para “Ascensor para o Cadafalso”, filme de Louis Malle de 1958 cuja banda sonora, segundo testemunhas, foi toda improvisada em apenas quatro horas de exibição da cópia.
O pianinho vinha em horas totalmente inusitadas: um alarme interno, um vício, uma doença, três acordes que eram suficientes para o delírio absoluto.

Túnel do Tempo 2 – G-Land, WCT, 1995. Surfista aposentado, Jim Banks dropa a mais ridícula onda de toda temporada e percorre-a por tanto tempo quanto possível, sempre dentro da caverna. Slater afirma que é o melhor tubo que alguma vez já viu. Banksy sai da longa galeria aquática com os dois pés a menos de 30 cm do bico da prancha, numa fenomenal demonstração de equilíbrio e balanceamento. Hippie por vocação, Jim inscrevera seu nome na história da ilha de Bali ao conquistar, em 1981, a sua única vitória na ASP, no primeiro campeonato profissional realizado em Uluwatu. E foi amante quase exclusivo de Desert Point por quase dez anos sem que ninguém desconfiasse de onde lhe vinha o olhar esgazeado.

Ele leu Timothy Leary e descobriu que as pessoas que tinham experimentado LSD passaram por situações muito semelhantes à sua. Baptizaram o fenómeno de “flashback”, uma experiência quase extra-sensorial onde a loucura induzida pela droga regressava subitamente por fracções de segundo dias, semanas, até meses depois da “viagem”, sem aviso prévio, sem rastro. O pianinho…
Seus ouvidos transformaram-se numa antena cósmica de comunicação com um pedaço do tempo que ficara registado num filme de surfe (quem escreveu isso ?). Entrava no mar e quando avistava a primeira onda rodando, lá estava o pianinho, como que a atrai-lo para dentro dela, subtilmente dizendo: “bota p’ra dentro, bota p’ra dentro…” Como se o próprio mar fosse a sereia e o ruído do lip contra a base o seu canto hipnótico. Queria crer que um dia o pianinho sumiria.
Assistia o Curren nos filmes e vinha o pianinho. Slater, Occy, Andy, Carroll, Machado, Dorian e sempre o pianinho, permeando cada momento dos tubos. Diga-se de passagem, o pianinho só surgia quando a atmosfera era de tubo. Podia ser uma árvore com galhos caídos, uma tubulação em construção na calçada, um retrovisor de automóvel, um canto de tapete enrolado…

Túnel do tempo 3 – Nunca houve surfista como Valdir Vargas. Durante quase uma década, aqui no Brasil existia apenas uma pessoa que rimava com tubos. Valdir foi competir em Pipeline, Brian Buckley marcou-o com toda desonestidade possível depois dos jornais havaianos apontarem o jovem brasileiro como favorito ao troféu do Pipe Masters. Alguns anos depois, Vargas recebeu uma carta do seu amigo, Dane Kealoha. Dizia: “Caro amigo, hoje vinguei a tua bateria em Pipe. Fechei o filho-da-puta do Brian Buckley. Ele ficou fodido! Trocámos socos. Eu ganhei, ele perdeu.”

Incrível como uma música pode grudar de tal forma na vida dum sujeito.
Ele nunca mais foi o mesmo…

Referências

Pablo Cruise: Banda de rock californiana dos anos 70 com um som à base de longos solos de guitarra e piano, que teve três canções na banda sonora de Free Ride: “Ocean Breeze”, “Zero to Sixty in Five” e “El Verano”. Hoje em dia é relativamente fácil encontrar a colectânea “20th Century Masters - The Millennium Collection: The Best Of Pablo Cruise (Interscope – 2001)

Free Ride: Filme de Bill Delaney que marcou um dos períodos mais importantes da história do surf, os Invernos de 75/76 e 76/77 no Hawaii, mostrando a ascensão de nomes como Wayne Bartholomew, Shaun Tomson, Mark Richards e outros no cenário internacional. A fotografia então revolucionária de Dan Markel permitiu mostrar o interior dos tubos como nunca se tinha visto antes. A banda sonora é ainda considerada por muita gente como a melhor de sempre na história dos filmes de surf. Aguarda-se a edição em dvd mas procurando bem ainda se encontram cópias.

Timothy Leary: Psiquiatra americano que nos anos 60 defendeu a utilização do alucinogéneo LSD para fins terapêuticos que visavam a expansão da mente para além dos rígidos códigos da realidade aparente. Leary via o surfista como estando um degrau acima na escala da evolução humana em virtude de desenvolver uma consciência profunda do aqui-e-agora no momento em que se encontra dentro do tubo.



Por que diabos o saite Uêivis insiste em dizer que Brian Buckley é Rory Russell (se bem que na revista, edição de aniversário, Janeiro de 1979, diz que é Jeff Crawford, mas pela prancha, eu duvido) ? Onde estava essa turma quando Jackie Dunn e Brian Buckley dominavam Pipe durante o outono do Lopez e Russell no final dos anos 70 ?
Tantas perguntas e tão poucas respostas...

Biblioteca fundamental

A Revista (sim senhores, com R maiúsculo) Surf Portugal lança o livro com uma coletânea dos textos do Gonçalo Cadilhe.
Quando falei ao Cadilhe que era boa idéia reunir suas crônicas num livro ele pareceu genuinamente surpreso com o interesse mas agradeceu da seguinte forma:
'Tudo que faço ou não faço
outros fizeram assim
Eis daí este meu cansaço
de sentir que quanto faço
não foi feito só por mim'
O poema é do Joaquim Pessoa, Gonçalo teve o cuidado de escrever e me entregar mais tarde, não lembrava o verso todo na hora.
Recomendou tambem, na mesma página, o disco 'Encontro' da Amália com Don Byas, que continha a canção 'Cansaço'.
Esse livro enriquece, e muito!, o que chamamos de cultura no surfe, ou cultura surfe.
Aqui no Salvelindo inexiste essa possibilidade por completo desinteresse da imprensa nos assuntos menos superficiais, ou qualquer formato que se distancie dos press realeases ou 'reportagens' de viagens com fotos coloridas.
Clicando no título, Biblioteca fundamental, voce é direcionado para o saite da editora e pode (deve!) comprar seu pedacinho de Mar.
O meu, não empresto.

terça-feira, dezembro 06, 2005

Boa ação



'Saturday night at Waimea Falls, the North Shore Community Land Trust held a benefit party to help in their quest to purchase 1,129 acres from the Obayashi Corp. from Japan. The land was originally slated for housing development, but community resistance thwarted that. Now, the community is trying to buy the pristine land.

Pancho Sullivan, Kelly Slater, Rochelle Ballard, Jack Johnson, and Mark Cunningham are the co-chairs and all have made a big commitment to the preservation of the area. Kelly donated $10,000 and then made a pledge to donate his entire winnings from the Pipe Masters to the cause. Andy Irons threw down $7,500 for a Smirnoff trophy Shaun Tomson won, and Jack Johnson jammed with John Cruz to top off the night.'

Notícia do saite Transworld

Palavras na rede

'O Brasil tem muitos escritores. Já teve um poeta em cada esquina, mas agora são os prosadores que tomam conta do país. Em geral, não são bons. Quando muito, são medíocres. Vendem pouco ou nada, geralmente nada. As estantes das livrarias estão abarrotadas de títulos que não dizem nada a ninguém. Mesmo os publicados pelas grandes casas editoriais são passíveis de severas críticas. Por uma peneira mais fina, quase ninguém passa.

Confesso que me tornei um neófobo. Durante muito tempo procurei no imenso palheiro da literatura brasileira um único bom escritor novo. Ligava para as editoras fazendo o que poucos jornalistas fazem, isto é, pedindo lançamentos de escritores novatos. Naquela época, eu acreditava que era possível encontrar vários gênios à margem do self-marketing. Como resultado dessa peregrinação, retornei aos clássicos.'

Paulo Polzonoff Jr.
(retirado do blog do Digestivo cultural)

O fim da espuma ?

A notícia mais explosiva que o surfe oferece em décadas.


Clica aqui e leia artigo no Surfline.



mais aqui na Surfer



e outra na Surfing

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Rema mais um

Mais um surfista na rede clica aqui

Vagabundos

Pedro Poeta escreveu que 'Nem todo vagabundo é surfista, mas todo surfista é ocupado de águas', nesse raciocínio fundamenta-se o Vagabondsurf de Nels Norene.
Vai aqui um aperitivo:
'It is my theory that the passing of Dora from natural causes marks surfings passage from being a youthful sport into at least adulthood; it is no longer a young sport. Loss may happen in a variety of ways, but what loss usually brings is perspective.'

domingo, dezembro 04, 2005

Da Bull

Hoje, dia 4 de Dezembro, é o dia do bombeiro Greg Noll.
Em 1969, na maior ondulação que atingiu as ilhas havaianas em quase um século, Noll dropou A bomba em Makaha que faz parte do imaginário coletivo dos surfistas.
Testemunhas dizem que nada se compara com a coragem do Noll enfrentando aquela besta.
O tamanho da onda está em segundo plano- decisão e ímpeto contam mais.
Esqueçam Laird e seus amiguinhos motorizados, Greg Noll é um dos nossos poucos imortais.
Depois da morra, Noll foi para o Alaska conviver com os ursos, bem mais dóceis e previsíveis do que o Oceano Pacífico.



Promoção: Compre o livro do Noll e vire Homem

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Texto do Nominimo

'Maya estava cansada, quase de noite. Eram quatro dias longe do mar, só queria uma onda. Deitou na prancha e remou, as águas tranqüilas para o típico de Asu, na Indonésia. Marola. Ela se pôs de pé, tentou inclinar o corpo – aí a prancha não estava mais lá, corpo à água; quando a prancha voltou, a borda esbofeteou-lhe o olho, novo caldo e de novo a prancha, quilha contra a cabeça. "Ai!", ela gritou, o corte profundo, sangue, muito sangue...'

clica aqui e leia o resto do texto escrito pelo Pedro Dória (exemplo do que se pode fazer com a parte interna da cuca quando estimulada pela curiosidade, vulgo jornalismo) sobre Maya.

A Palavra

O melhor de escrever é ser lido - e o pior tambem.
Leitor interpreta o texto do jeito que quiser, depois de escrito o texto é dele, leitor.
Quando digo que acho nossa imprensa infantil, não ataco pessoalmente ninguem, por respeito e, em poucos casos, por amizade.
Existe um abismo enorme entre o autor e a obra.
García Márquez odiava Borges mas 'carregaria um livro seu no bolso por toda a vida'.
Isso porque Borges, escritor genial como Márquez, tinha posições políticas difíceis de engolir - como aceitar condecoração do Pinochet em plena primavera da ditadura chilena, ou apoiar o governo americano na guerra do Vietnã.
Aqui o caso é inverso, na maioria das vezes tenho afeição ao camarada e desdenho a obra.
Adrian Kojin é para mim, se isso importa, surfista de verdade, desses com perfil no Surfer's Journal e tudo, mas tem tarefa ingrata em dirigir a mais vendida e agradar as exigências do todo poderoso Mercado; que insiste em apontar para baixo, sempre.
Tenho admiração pelo desprendimento que o cara tem com a vida, a última dele, mudando de mala e cuia pra Ilha Bela.
O Malandro viveu pro surfe como poucos aqui no Bananão - vive ainda.
Num comentário abaixo, o Yankee-santista Fabinho desce a lenha no Peterson Rosa e seu estilo.
Ora bolas, Fabinho, Peterson merece estátua no canal um, dois, tres e quatro.
Em vinte anos, ele, Vitinho, Teco e cia ltda serão lembrados pelo que fizeram e fazem, não pelo Brasil, mas por eles mesmos e que muito nos honra.
Peterson tem o arrebatamento que todo surfista, brasileiro ou não, precisa para ser alguma coisa, qualquer coisa.
Por muito menos, voce decora a parede do quarto com fotos de santos do pau oco.
Até nos excessos Peterson dá de dez nos seus ídolos.
E tem mais, como todas limitações, Peterson tem sido nos últimos 5, 6 anos o melhor brasileiro no Tour e um dos poucos que melhora a cada ano que passa nas condições mais aterradoras - apesar de confessar, franco como é, que sente medo como todos nós.
A Palavra é cruel, permite tudo ao leitor.
Elogio Raoni e rezo para que o Mineirinho consiga o volume do surfe que o local de Itaúna desenha na onda.
Com a idade que tem, Mineirinho tem tudo, mas falta acupar mais espaço em ondas de mais área, isso ele vai alcançar seguindo o WCT e aprendendo com a turma que lá está a mais tempo.
Melhor de tudo, é que ele quer aprender e sabe que tem muito chão pela frente, como fica claro na entrevista que Valente fez em G.Land com nosso campeão mundial do WQS.
Desejo de instruir-se na universidade da ASP dará ao Mineirinho, em dois ou tres anos, munição para sonhar com os 5 primeiros do WCT.
Torço por ele como pelo meu Flamengo e me comovi quando ganhou na Bahia, ao vivo na TV.
Quem duvida, leia aqui esse texto