sexta-feira, abril 30, 2004

Eu fiz uma viagem



Quanto mais viajo, mais acho que essa conversa de excesso de pessoas na água é pura balela.
Pois, acreditem, a experiência da completa solidão, da praia deserta com ondas que desenhávamos nos cadernos enquanto distraídos durante a aula de geografia – logo a de geografia ?! -, se revela logo adiante.
Naughton e Peterson já tinham nos alertado para a costa centro-americana nas inestimáveis reportagens da Surfer nos anos 70 e, depois de quase 30 anos, a barraca permanece lá, com seus surfistas, suas ondas vazias.
Os 15 dias sem atualização tem um motivo que quem frequenta, entende.
Na quarta feira, de volta ao Rio, sol brilhando forte apesar da manhã um tanto fria para um mal acostumado carioca, Ipanema e Leblon sem um filadaputa dentro d’água.
Caymmi completa Hoje 90 anos e todo Brasil comemora o homem que cantou o mar como ninguem, com sua voz profunda, grave, pausada…
“Andei por andar, andei
E todo caminho deu no mar“
Canta Caymmi, cantamos nós.
"Aprenda tudo com ele", dizia João Glberto à Caetano


Na foto, Caymmi, Tom Jobim e Nélson Pereira dos Santos

quinta-feira, abril 29, 2004

Millor dispara (leia a entrevista - clica aqui)

senhor acha que falta humor ao acadêmico brasileiro?

O humor seria o máximo, o fim do caminho. Falta o mínimo de inteligência. Não há coisa mais burra do que a meia-cultura, da pessoa que lê meia dúzia de livros, sabe meia dúzia de coisas, passou pela escola e fez um cursinho superior, até um doutorado. A pessoa já vem com a tese feita, pré-fabricada. Não tem um pensamento... Se você contesta dialeticamente o que a pessoa diz, a pessoa se perde. Pode botar como símbolo do acadêmico brasileiro o doutor Fernando Henrique, o PhD barroco.

sábado, abril 10, 2004

Quem é do mar




O mar que brinca na areia
Está sempre a chamar
Agora eu sei que não posso faltar


As praias desertas (1958)
Antonio Carlos Jobim

sexta-feira, abril 09, 2004

Atropelamento e fuga


Será Raoni capaz de bater Occy na terceira fase ? Lembram do WCT no Rio em 99 ?

Agora fiquei curioso pra saber como ficou a cara da turma que assistia o Bell’s quando Victor Ribas meteu até o talo no Brucey e Raoni passeou pelo Kalani.
Queria ver a latinha do Sunny, por exemplo. Ou do Pete Frieden, o mais entusiamado e preconceituoso dos fotógrafos estrangeiros.
Liguei pro Ricardo logo cedo- ele que faz az armas dos dois, Vitinho e Raoni- para dar parabéns pelas vitórias.
De Búzios, acabara de sair d’água, ele relembra: “Voce percebeu que ninguem tocou no assunto quando o Andy Irons, com a prioridade, foi pra cima do Luke Munro marcá-lo na iminência de perder. O Munro vinha numa onda excelente e o Irons tava embaixo. Quando A.I. viu que o wild card poderia virar a bateria, remou e entrou na onda, provocando quase uma interferência e obrigando o garoto a abandonar o que seria a onda vencedora.”
Não tinha visto…
Fosse um brasileiro, tinha sido publicado em tudo quanto é lugar o quanto somos ‘desleais'. Mesmo para os nossos próprios compatriotas, a marcação é inconcebível – temos que ganhar sempre no surfe e somente no surfe.
Vindo do bi-campeão mundial é profissionalismo.
Ué, mas não era ele que alardeava a um par de anos atrás que o surfe tinha que prevalecer sempre ?


O melhor brasileiro no WCT, Vitinho parece ter fôlego pra mais.


Vitinho, com 32 primaveras e um apetite fora do normal para baterias, sofreu o pão que o demo pisava para convencer a imprensa paulista que era capaz de surfar ondas grandes.
Não adiantou.
Por mais que fizesse bonito em Teahupoo, como fez em 2002, tirando Joel Parkinson e Sunny Garcia, ou Pipe 1999, enfileirando Damien H., Taylor Knox, Conan Hayes e perdendo apenas para Slater- rumo ao seu quinto título do Pipe Masters - nas quartas, por mais que fizesse e acontecesse, o povo finge que nem é com ele.
Em 2004, o 'Gambázinho' está irresistível: Deu no Joel em Kirra, no Taj e perdeu muito esquisito pro Knox...
Tenho um prazer inenarrável em acompanhar Raoni, o mais jovem surfista do circuito!, no seu primeiro ano de WCT chegar na terceira fase nos dois primeiros eventos, único a vencer Lowe em Kirra e agora batendo no Kalani – isso sem contar a extraordinária campanha em Margareth Rivers.
Por outro lado, a grande promessa, Bruce Irons, até o fim da perna australiana, nada fez.
Nem disputando o WQS ele está, tão certo do seu futuro brilhante no WCT e manutenção de seu lugar entre os 45.
Exatamente como fez seu irmão quando entrou no WCT em 98, ejaculado em 99, retornando para clamar o trono dois anos depois.
Raoni tem 3 anos a menos do Bruce, venceu apenas um evento do WQS, no Japão (6 estrelas!) ano passado, enquanto Bruce tem 3 vitórias, todas em casa, Pipe e Sunset (uma e duas estrelas…).


Brucey precisa cumprir o que prometeram por ele

Vem por aí Tahiti e Fiji, duas etapas onde os Irons são o pesadelo do resto da tour. Bruce pode vencer fácil qualquer uma das duas, ou ambas, se tudo conspirar para o seu lado, mas não esqueçam que ele sempre foi convidado para as disputas de escolha dos wild cards no Tahiti desde 99, venceu a triagem em 2001 e avançou até o nono lugar, apesar de não ter conseguido entrar nem em 2002 nem 2003 no evento principal, sempre parado pelos locais, osso duro de roer em ondas como Teahupoo, Vetea, sempre ele…
The Brucey tem tantos anos no circuito quanto patrocínios, 9 no primeiro e dez no segundo, o caldeirão ferve.
Não há comparação, o que existe são resultados.
Façam suas apostas.

terça-feira, abril 06, 2004

Link direto pro Bell's (clica aqui)

Útil (clica aqui para conhecer)

Camarão tinha muito tempo sobrando e resolveu fazer uns produtinhos que nos serve, cambada inquieta que vive na praia, muito bem.
Rede, barraca e essas coisas que dão uma preguiça...

Goiabada azul líquida saborosa (clica aqui e compra logo!!)

[tentando estimular essa turma a escutar alguma coisa diferente do que as merdas que publicam como surf music, escrevi essa resenha para a mini-revistinha Venice, de Sampa. Nem lembro se publicaram... dou mais uma chance, né ? O CD é de 2002]






Superágua é o primeiro fruto legítimo da fusão surfe e paisagens sonoras, melhor que isso: é a cisão do som líquido, salgado e pegajoso com os deleites tecnológicos dos crepúsculos Ipanemenses.
Deu para entender ?
Explico: Começou assim, meio completamente despretensioso, dois camaradas juntando a larica e vontade de comer um doce desses cheios de bossa.
Jonas Rocha, surfista e baterista de uma bandinha de música jamaicana, cismou com esse negócio de fazer som eletrônico, um belo dia acordou DJ e produtor: ele e o Mac.
Chamou Ulisses Capeletti, guitarrista do Squaws, uma turma que seguia os passos do Hip-hop misturado com Punk e mais um monte de elementos que crítico gosta de citar pra simular erudição.
Era mais ou menos assim, Jonas compunha uma base, mostrava pro Ulisses que prontamente solava uns barulhinhos que não atrapalhasse muito a viagem do parceiro e criava outra viagem - uma dentro da outra.
E o surfe com isso ?
Calma que já chego lá...
Catalisador dessa história toda, o video-poeta Pepê Cezar, em plena confecção da sua obra, "A onda é um caminho sem volta", reuniu os doidos numa tarde de verão e encomendou a trilha do filme.
Nasceu assim, no seio do Jardim Botânico, na zona-sul do Rio de janeiro, cerveja vai, cerveja vem (repararam o trocadilho ?) o Superágua.
Isso era 2000, lá pelo início do sélico, como diria Matildes Maria dos Santos, que trabalhava na casa de Dona Aninha, mas essa é uma outra conversa....
Demoraram dois anos pra terminar o disco ( me perdoem se chamo de disco, é a idade...), arrumar um selo, criaram o próprio, Zoo Records, elogio a torto e a direita de Beltrano e Fulano.
Jonas e Ulisses reconhecem a influência dos Air, João Donato, Kruder e seu sócio, Dorfmeister, Mingus (esse pelo menos no nome de uma das faixas...), Samba, Bossa-nova, Bossa-velha, o Dub do Lee Perry e, ufa!, House, seria deep House ? Confesso que nem faço idéia.
Aliás, nas referências acima, onde desfilo meu conhecimento copy/paste, a maioria dos citados são pura fantasia minha.
De certo nessa conversa, é o lançamento do Superágua, antes de sairem em disco própio em duas coletâneas de musica eletrônica aqui no Brasil e uma em Portugal.
Uma remistura feita sem encomenda por um DJ Britânico e um bafafá de estrelas rasgando seda antes sequer dos meninos apertarem alguma coisa, senão os teclados.
O disco tem a suavidade da maré cheia. Nos empresta a sensação gostosa que é pisar na areia da praia depois de passar o dia inteiro calçado de meia e sapato.
Logo na primeira faixa, a voz feminina declama versinhos do "Puizía", primeiro livro do Pepê, de cabeça : "Mar salgado Lar...", isso numa atmosfera de colchão de água.
O som vai profundo, narcótico, insistente, sem martelos, apenas almofadas, milhares de almofadas caindo feito chuva, resvalando na gente, sem nunca atingir-nos. Ás vezes garoa, outras, enxurrada.
Não esperem escuta-lo em rádios.
Se quiserem mesmo, á vera, curtir esse suco, esprema bem espremido, despeje num copo grande, gelo, guarda-chuvinha pra decorar, uma rede, pode ser no amanhecer ou no entardecer, em Sampa, no Rio ou Itapoã...

O Homem é um animal que se justifica (a frase é emprestada do Millor...)

Mais uma vez assisto o estigma do brasileiro pobrezinho se eternizar.
No sítio da Transworld surfing, o neo-reporter informa ao leitor que Neco Padaratz veio de um lar modesto, onde as dificuldades o fizeram lutar por tudo com mais empenho e paixão do que o resto do mundo.



Tostines: Neco é pobre porque nasceu brasileiro ou é brasileiro porque nasceu pobre ?

Todos brasileiros são miseráveis que, não fosse o surfe para salvá-los da penúria, estariam passando por uma dureza de amargar, com seis filhos pendurados, vivendo numa favela, quem sabe roubando para sobreviver.
Pois, vamos pegar o exemplo do Fábinho Gouvêia, que até a nossa própria imprensa especializada estimula ao imortalizar o esteriótipo de nordestino indigente e ignorante.



Fia escreve melhor que muito jornalista - dentro e fora d'água


A mãe do Fabinho é professora de literatura e o pai é engenheiro agrónomo, tanto ele quanto Guga, seu irmão, estudaram no Colégio Marista, uma das melhores instituições particulares de ensino de João Pessoa. “A minha família é aquela típica família de classe média brasileira, que está sempre a poupar mas que vive dignamente.” Disse Guga numa entevista concedida à Surf Portugal.
Provavelmente, viveram mais confortavelmente do que a Família do que a larga maioria dos campeões mundiais da ASP, como se isso tivesse importância.
Kelly Slater, 6X, tinha um pai com problemas de alcolismo e passou o pão que o diabo amassou até começar a faturar com surfista sensação dos circuitos amadores. Por que não lemos sobre isso ?



Carlos Leite ganha aos tubos. Nem sempre foi assim...


Dean Morrison, um dos tres degraus australianos junto do Parko e Fanning, foi tirado das ruas pelo Rabbit Bartholomeu que, por sua vez, tambem cometia pequenos furtos quando garoto nas ruas de Coolangata.
A esmagadora maioria dos surfistas brasileiros que arriscam o WQS tem um belo suporte financeiro familiar, de outra maneira seria impossível sair pelo mundo jogando dinheiro pela janela.
O surfe salvou um Jojó, um Fábio Silva, uma Tita, dum destino mais cruel, mas a verdade nua e dura é que desde os primórdios, sempre foram rapazes bem nascidos que nos representaram.
A geração do Paulo Proença, Bocão, Betão, Maraca e cia, que começaram a competir no Havaí e Perú, foi toda criada nas areias de Ipanema e Copacabana, muito bem alimentada, bem vestida e acomodadas em belos apartamentos na Zona-sul carioca – assim como Cauli, Pepê, Daniel Friedman, ligeiramente mais moços e mais sérios na busca de títulos no então recem concebido circuito mundial da IPS.
Valdir Vargas, Fred D’orey, Felipe Castejá e Roberto Valério, da geração seguinte, tambem tinham todo suporte nescessário para saírem pelo mundo gastando o que ainda não ganhavam com o surfe profissional porque simplesmente ainda não havia dinheiro na jogada.
Foi com a chegada de Picuruta, esse o único que realmente dependia de patrocínio para viajar, Rodolfo Lima, Marcelo Bôscoli, Renato Phebo e mais uma penca de aventureiros que cultivavam o sonho de seguir o ‘tour’ e viver exclusivamente do surfe profissional, que a brasileirada passou a deixar de gastar e empatar os custos das despendiosas viagens.
Enquanto isso, na pacata cidade de Santa Bárbara, um fenômeno ia arrebentando a maldição californiana de nunca ter um campeão mundial – afinal, acabaram de ter finalmente! Um top 16…Joey Buran…-, Tom Curren, que passou sua infância e adolescência numa pindaíba de dar dó, porque seu pai, Pat Curren, lendário bombeiro, não era famoso por acumular patrimônio nem capital e deixou a família numa pior. A mãe de Curren dava duro para ver os garotos surfando e competindo em cada campeonatinho da NSSA.
E ainda tinha que lidar com os problemas que crianças com lares rachados volta e meia apresentam: Currem foi pego com maconha no colégio quando tinha 13 anos.
Parece uma estória familiar brasileira, não é ?
A nossa imprensa, sempre complacente como um hímem, olha, calada, tudo com muita naturalidade e ainda alimenta esses pequenos deslizes, que a cada dia me parecem mais incompetência e preguiça do que meros deslizes.
Voltando ao que eu gostaria de ter dito desde o princípio, somos todos exatamente iguais, americanos, australianos, brasileiros, sul-africanos… viemos de lugares diferentes, com culturas diferentes, uns com muito e outros com muito pouco. A fome de vitória é a mesma. A vontade de vencer a todo custo não tem pátria.
Gostaria de falar assim: parem de nos olhar como se tivéssemos acabado de sair de dentro dum tanque de guerra que dizimou uma aldeia no Iraque.
Nós, os brasileiros, temos todas cores, todos caráteres, todos sonhos e quase todas frustrações que voces. Cessem esses esteriótipos. Nos analisem como surfistas e só, mas por favor, vamos parar com essa lenga lenga de terceiro mundo de Reader’s Digest…

segunda-feira, abril 05, 2004

Morre Keith Paul

[Notícia e foto 'emprestadas' do Sydney Morning Herald, Keith foi um dos primeiros a surfar Supertubes em J.Bay, junto de Gavin Rudolph]



Surf, hair, drugs and the big wipeout
March 4, 2004

Keith Paull, Surfer, 1946-2004

Blond, muscular, tanned, handsome and hugely gifted, Keith Paull, who has died aged 57, could not have been a more acceptable face of Australian surfing as the sport negotiated the tumultuous late 1960s.

The hippie era was taking hold. Hair was getting longer, surfboards were getting shorter, drugs were being consumed in large quantities. Paull resisted, at first.

He became the only surfer other than the icons Nat Young and "Midget" Farrelly to win an Australian open men's title in the 1960s. Young won the inaugural title in 1963 and repeated in 1966, 1967 and 1969 and Farrelly won in 1964 and 1965. But Young and Farrelly finished second and third respectively to the young Queenslander when he took the title in an exhausting multi-round format in big surf on Sydney's northern beaches in 1968.

The victory cemented Paull's reputation as one of Australia's outstanding surfers, which at the time opened doors in the US, which had become besotted with the Young/Bob McTavish-led shortboard revolution.

At the same time as he was establishing his surfing credentials Paull was also garnering a reputation as an excellent surfboard designer and shaper.

In what must have been one of the first forays into professional surfing he replaced Cronulla star Bobby Brown, killed in a pub fight in 1967, on The Sun newspaper's promotional surf team alongside Farrelly and Robert Conneely.

Paull began to travel, first to Europe and later to Hawaii, where he took on Oahu's big waves with great daring. He scored a lucrative contract to design and shape for Californian surfboard manufacturer Bing Copeland, whose leading team rider was Rolf Arness, son of Gunsmoke star James Arness, who went on to win the 1970 world title in Victoria.

In the heady nascent years of shortboard surfing Australians were in demand. Young had signed with Dewey Weber, Farrelly with Gordon and Smith, McTavish with Morey-Pope and Paull's fellow Queenslander, Russell Hughes, with Harbour.

Paull's friend and mentor, Hawaiian board shaper and contest impresario Randy Rarick, remembers the Australian as a conscientious career surfer and craftsman dedicated to healthy living.


Paull em Pipe. Foto Steve Wilkings


But at some stage in the early 1970s it all went horribly wrong. Paull began to experiment with drugs, especially LSD, and by the middle of the decade his reputation was for outrageous behaviour rather than for good surfing. By the end of the decade he had vanished from the sport and the industry.

When Rarick met Paull again in the early 1990s, the man with whom he had surfed daily and had shared residences in Australia and Hawaii didn't even recognise him.

"There was nothing to talk about. There was no point in talking about old times because he obviously didn't remember," Rarick said.

Paull died in his sleep in a Brisbane hostel.

David Knox

domingo, abril 04, 2004

sexta-feira, abril 02, 2004

A trilha e as trilhas

Artigo sobre trilhas de filmes de surfe
Jornal O Globo
31 de março de 2004 - publicado e editado em 02/04/04



Uma trilha instrumentada

Ouvido de surfista sempre teve uma profundidade diferente.
Nem digo sensibilidade, que é palavra pra lá de mal interpretada quando lida e, principalmente, quando escrita.
Os vídeos de surfe com trilha barulhenta que a horda assiste com ouvidos em pé, tem uma linhagem interessante e um bocado desconhecida.
Tudo começou com um sujeito que documentava a cena de praia: surfe, meninada bonita e sorridente, nascer e pôr do sol, cachorro e criança- que, todos sabem, ajuda sempre a vender o produto.
O camarada editava as imagens vagarosamente, colando os pedacinhos de película um no outro, escolhia, ainda em casa, umas músicas bacanas para casar com as imagens e, rolo de filme numa mão e fitas gravadas com a trilha na outra, se mandava para um auditório qualquer numa escola no sul da Califórnia.
Colocava o filme pra rodar, acionava o play na aparelhagem de som e de microfone em punho começava a narrar em cima das imagens que exibia.
A fórmula era simples.
A década de 50 foi rica demais para o jazz na costa oeste dos Estados Unidos e a turma da praia curtia as novas sonoridades no balanço das ondas de Malibu, ponto de encontro de quem queria ser alguma coisa com os que já eram coisa.
Dave Brubeck e seu inserável ‘Take five’, o beat latino de Carl Tjader, Paul Desmond, Henry Mancini e o sucesso de ‘Peter Gunn’, embalavam a juventude dourada na areia.



Coisando pra lá e pra cá, Bruce Brown, sempre lembrado pelo clássico “Endless summer”, conheceu o saxofonista e flautista Bud Shank e o convidou para gravar, pela primeira vez!, uma trilha para seu filme de 1958, “Slippery when wet”.
Como assim, ‘gravar pela primeira vez’ ?
Explico: antes de ‘Slippery…’ a trilha era composta de temas da predileção do diretor, retirados diretamente da coleção pessoal ou emprestado de um benfeitor.
Tudo combinado, Shank e seu quarteto encontraram com Brown no estúdio da Wolrd Pacific Jazz, deram um jeitinho de projetar o filme já editado na parede e mandaram brasa.
Sempre instrumental, afinal as trilhas precisavam respeitar a narração obrigatória, o gênero preferido naturalmente era o mais popular entre a moçada, portanto, o jazz.



Já nos anos 60, os filmes de surfe começaram a bandear-se para a mistura de Jazz com Rock, que cismaram de chamar de Fusion e outro estilo musical que hoje enche muita casa noturna para ocupar sofás transados e pufes colridos enquanto o rapaz ou a mocinha dão pequenos goles em drinques
Exóticos.
O leitor atento pergunta então onde se encaixa os Beach Boys nessa conversa toda ?
Lamento, mas os rapazes da praia, apesar de geniais, nunca fizeram mesmo parte efetiva dos principais filmes de surfe, exceto por uma ou outra cena sacaneando o estereótipo de surfista californiano.
Entrando nos 70, a coisa esquenta com a trilha do filme-manifesto, “Morning of the earth”, de 73 que reuniu uma improvável leva de músicos australianos de estúdio, comerciais e ‘údigrudi’, para gravar a trilha, desta vez com vocais!
A faixa ‘Simlpe Ben’, um dos maiores sucessos de sempre, exatamente pela letra, é executada até hoje nas rádios locais.
Logo em seguida, o milionário excêntrico e surfista George Greenough criou um devaneio chamado “Crystal Voyager” e salpicou um segmento de 23 minutos de imagens aquáticas com a faixa ‘Echoes’ do Pink Floyd ao fundo deixando a platéia do Festival de Cannes de queixo caído.
Com a explosão dos filmes de surfe em meados dos anos 70, as trilhas começaram a variar, assim como os gostos, cada vez mais duvidosos para eventuais trilhas originais.
Entrava de tudo: Black Sabbath, Led Zeppelin, Robin Trower, Jim Croce, Santana, Janis Joplin, J.J. Cale, The wings e por aí vamos.
O narrador sumiu de vez, tornando a experiência de assistir um filme de surfe completamente lúdica, melhor dizendo, coisa de malucão mesmo, perdendo assim o lado mais didático e inocente dos primeiros tempos.
O filme Free ride, de 78, deixou uma marca profunda com o pianinho funkeado dos Pablo Cruise, cheios de latinidade e bossa.
Nos 80, chegamos ao tempo que a terra parou de vez, ao menos aqui no Brasil, onde vendem surf-music como aquele roquinho australiano que toca ad-infinitum nos campeonatos de surfe. Os filmes começaram a definhar e foram para U.T.I. enquanto os vídeos entravam com força total.
Jack Mc Coy e Chris Brystron lideraram a o ataque do vídeos de surfe com trilhas que traziam, Talking Heads, T.S.O.L., Inx’s, Men at work, Agent Orange e, mais uma vez, Pink Floyd, na abertura do “The Peformers”, com ‘Another Brick in the wall’- ‘we don’t need no education…’ dizia o refrão.
Paul Sargent, fotógrafo australiano e enstusiasta do surfe tupuninquim, foi quem ‘sujou’ os vídeos de surfe nos anos 90 com trilhas punk/porrada (Sepultura!) e edição nervosa permitindo ao novato Taylor Steele, com gosto musical mais apurado e as amizades certas, apresentasse Bad Religion, Nofx, Pennywise, Offspring, Sublime e adjacências para a garotada.
Jack Jonhson veio salvar os vídeos de surfe da monotonia e, inspirado, pelo Val Dusty Experiment, que nos brindaram com o vídeo-culto ‘Litmus’, realizou ‘September sessions’, filmaço com trilha de gente grande, parte dela original – mais uma vez influenciado pelo Val Dusty…
Se continuarmos a amadurecer desse jeito, daqui a pouco estaremos ouvindo ‘Take Five’ novamente.

Velho Young

[Hoje, dia 2 de Maio, nasceram dois sedutores porretas, Serge Gainsbourg, Paris 1928, e Marvin Gaye, Washington 1939.
Marvin foi morto pelo seu próprio pai no dia primeiro de Maio de 1984.
A música ficou mais morna.
Bom lembrar dessas coisas, não ?
Assim como devemos sempre ouvir novamente os pequenos hinos que elegemos, dia sim, dia não, para sonorizar a vida.
Neil Young, velho bruxo canadense, escreveu duas canções que descrevem tão detalhadamente aspectos íntimos dos surfistas, que me pergunto se foi por causa dele que Eddie Vedder resolveu enveredar pelo surfe depois de ter gravado I'm the ocean, do disco que fizeram juntos, Mirror Ball de 95.
Long may you run pode ser ouvida, baixinho, em qualquer viagem que tenha uma kombi ou um fusca e uma estrada de barro.]



LONG MAY YOU RUN
(Neil Young)

We've been through some things together
With trunks of memories still to come
We found things to do in stormy weather
Long may you run.

Long may you run.
Long may you run.
Although these changes have come
With your chrome heart shining in the sun
Long may you run.

Well, it was back in Blind River in 1962
When I last saw you alive
But we missed that shift on the long decline
Long may you run.

Long may you run.
Long may you run.
Although these changes have come
With your chrome heart shining in the sun
Long may you run.

Maybe The Beach Boys have got you now
With those waves singing "Caroline No"
Rollin' down that empty ocean road
Gettin' to the surf on time.

Long may you run.
Long may you run.
Although these changes have come
With your chrome heart shining in the sun
Long may you run.



I'M THE OCEAN
(Neil Young)

I'm an accident
I was driving way too fast
Couldn't stop though
So I let the moment last
I'm for rollin'
I'm for tossin' in my sleep
It's not guilt though
It's not the company I keep

People my age
They don't do the things I do
They go somehwere
While I run away with you
I got my friends
And I got my children too
I got her love
She's got my love too

I can't hear you
But I feel the things you say
I can't see you
But I see what's in my way
Now I'm floatin'
Cause I'm not tied to the ground
Words I've spoken
Seem to leave a hollow sound

On the long plain
See the rider in the night
See the chieftain
See the braves in cool moonlight
Who will love them
When they take another life
Who will hold them
When they tremble for the knife

Voicemail numbers
On an old computer screen
Rows of lovers
Parked forever in a dream
Screaming sirens
Echoing across the bay
To the old boats
From the city far away

Homeless heroes
Walk the streets of their hometown
Rows of zeros
On a field that's turning brown
They play baseball
They play football under lights
They play card games
And we watch them every night

Need distraction
Need romance and candlelight
Need random violence
Need entertainment tonight
Need the evidence
Want the testimony of
Expert witnesses
On the brutal crimes of love

I was too tired
To see the news when I got home
Pulled the curtain
Fell into bed alone
Started dreaming
Saw the rider once again
In the doorway
Where she stood and watched for him
Watched for him

I'm not present
I'm a drug that makes you dream
I'm an aerostar
I'm a cutlass supreme
In the wrong lane
Trying to turn against the flow
I'm the ocean
I'm the giant undertow

I'm the ocean
I'm the ocean
I'm the giant undertow
I'm the ocean
I'm the giant undertow
I'm the ocean
I'm the ocean
I'm the ocean
I'm the ocean
I'm the ocean
I'm the ocean



Se alguem já pôde ser considerado um oceano esse alguem era Butch Van Artsdalen.
("Basically, Butch did three things equally well:  surf, drink and brawl." Kip A. Kennedy )

quinta-feira, abril 01, 2004

Aqui, Agora





[João Valente é goofy, meio carioca, completamente lusitano, dois terços água salgada, pai orgulhoso de uma linda menina chamada Sara e editor da mais bem cuidada publicação especializada em surfe da língua portuguesa: Surf Portugal.
Antes de tudo, Valente, como diz o nome, é um entusiasta - um torcedor.
Flamenguista testemunha da geração Zico, João teve desde cedo despertado
um senso apaixonadamente crítico de olhar para as coisas. Seja surfe, futebol, Zappa ou Hitchcock, suas maiores paixões depois de Sandra e Sara.
Não é a toa que a Surf Portugal pode, e deve, ser considerada a melhor das revistas de surfe que falam português, pequenos fatos e grandes efeitos, denunciam isso a cada edição da SP.
Enquanto no Bananão o livro de poesias do Pedro Cezar, nosso Pepê, é solenemente ignorado, a SP dedica-lhe 8 páginas maravilhosamente ilustradas pelas fotos do Ricardo Bravo, um artista tambem sem par por aqui.
João Valente se orgulha de dizer que publica dois dos melhores textos, em qualquer idioma! faz questão de reafirmar, de todo mundinho que o surfe ostenta: Gonçalo Cadilhe e Pedro Cezar.
Pois, permitam-me dizer que dentre todos editores, o meu preferido é o JV, talvez o único, junto de Sam George, que consegue enxergar o seu papel na comunidade de surfistas com clareza.
Filtrar e embalar o que existe de melhor no mundo do surfe e acrescentar o olhar especial, a crítica, emoção, sem comoção.
João cometeu aqui mais um de seus belíssimos textos que dão boas vindas aos leitores que abrem a Surf Portugal todos meses - e cedeu para o Blog antes mesmo da nova revista ir para as bancas!]



Aqui, Agora

Entre o deslumbramento face ao mundo moderno e o saudosismo nostálgico dos “bons velhos tempos”, encontra-se o lugar em que vivemos. Hoje. Aqui. Agora. Como surfistas, deveríamos saber valorizar esse estado zen da vida. Afinal, vivemos para isso, dedicamos as nossas existências à procura incessante dessas partículas de tempo em que não pensamos em mais nada senão naquilo que estamos a fazer: encontrar o sítio no line-up onde o próximo set vai entrar, sincronizar a velocidade da prancha com a da onda, coordenar os movimentos que levam da posição horizontal para a vertical, ler em fracções de segundo o que a parede irá fazer, buscar aquela estranha comunhão humana com um dos meios mais instáveis à face da Terra.
Nesses instantes, não há tempo para pensar noutro tempo que não aquele que está a ser experimentado, vivido, sentido. Não há lugar para avaliar o valor de quem faz das suas viagens de surf uma plataforma para aprofundar o seu conhecimento do mundo e dos seus maravilhosamente diversificados habitantes, nem para lamentar a magia que este perde a cada novo surf camp erigido num país do Terceiro Mundo, a cada boat charter que levanta âncora, a cada previsão meteorológica e cientificamente provada via satélite. Não há espaço para distinguir os viajantes dos turistas, os aventureiros dos comodistas, os exploradores dos oportunistas. Quando chega o momento do encontro com o fim comum a todos os que têm a prancha como objecto último de adoração e as ondas perfeitas como altar sagrado de culto, tudo cai diante da necessidade suprema de concentração das energias, de convergência dos sentidos, de abstracção dos detalhes. Cai o acessório, fica a essência. Não há passado nem futuro. Há apenas o presente. Há o Aqui. E o Agora. – JV