Artigo sobre trilhas de filmes de surfe
Jornal O Globo
31 de março de 2004 - publicado e editado em 02/04/04
Uma trilha instrumentada
Ouvido de surfista sempre teve uma profundidade diferente.
Nem digo sensibilidade, que é palavra pra lá de mal interpretada quando lida e, principalmente, quando escrita.
Os vídeos de surfe com trilha barulhenta que a horda assiste com ouvidos em pé, tem uma linhagem interessante e um bocado desconhecida.
Tudo começou com um sujeito que documentava a cena de praia: surfe, meninada bonita e sorridente, nascer e pôr do sol, cachorro e criança- que, todos sabem, ajuda sempre a vender o produto.
O camarada editava as imagens vagarosamente, colando os pedacinhos de película um no outro, escolhia, ainda em casa, umas músicas bacanas para casar com as imagens e, rolo de filme numa mão e fitas gravadas com a trilha na outra, se mandava para um auditório qualquer numa escola no sul da Califórnia.
Colocava o filme pra rodar, acionava o play na aparelhagem de som e de microfone em punho começava a narrar em cima das imagens que exibia.
A fórmula era simples.
A década de 50 foi rica demais para o jazz na costa oeste dos Estados Unidos e a turma da praia curtia as novas sonoridades no balanço das ondas de Malibu, ponto de encontro de quem queria ser alguma coisa com os que já eram coisa.
Dave Brubeck e seu inserável ‘Take five’, o beat latino de Carl Tjader, Paul Desmond, Henry Mancini e o sucesso de ‘Peter Gunn’, embalavam a juventude dourada na areia.
Coisando pra lá e pra cá, Bruce Brown, sempre lembrado pelo clássico “Endless summer”, conheceu o saxofonista e flautista Bud Shank e o convidou para gravar, pela primeira vez!, uma trilha para seu filme de 1958, “Slippery when wet”.
Como assim, ‘gravar pela primeira vez’ ?
Explico: antes de ‘Slippery…’ a trilha era composta de temas da predileção do diretor, retirados diretamente da coleção pessoal ou emprestado de um benfeitor.
Tudo combinado, Shank e seu quarteto encontraram com Brown no estúdio da Wolrd Pacific Jazz, deram um jeitinho de projetar o filme já editado na parede e mandaram brasa.
Sempre instrumental, afinal as trilhas precisavam respeitar a narração obrigatória, o gênero preferido naturalmente era o mais popular entre a moçada, portanto, o jazz.
Já nos anos 60, os filmes de surfe começaram a bandear-se para a mistura de Jazz com Rock, que cismaram de chamar de Fusion e outro estilo musical que hoje enche muita casa noturna para ocupar sofás transados e pufes colridos enquanto o rapaz ou a mocinha dão pequenos goles em drinques
Exóticos.
O leitor atento pergunta então onde se encaixa os Beach Boys nessa conversa toda ?
Lamento, mas os rapazes da praia, apesar de geniais, nunca fizeram mesmo parte efetiva dos principais filmes de surfe, exceto por uma ou outra cena sacaneando o estereótipo de surfista californiano.
Entrando nos 70, a coisa esquenta com a trilha do filme-manifesto, “Morning of the earth”, de 73 que reuniu uma improvável leva de músicos australianos de estúdio, comerciais e ‘údigrudi’, para gravar a trilha, desta vez com vocais!
A faixa ‘Simlpe Ben’, um dos maiores sucessos de sempre, exatamente pela letra, é executada até hoje nas rádios locais.
Logo em seguida, o milionário excêntrico e surfista George Greenough criou um devaneio chamado “Crystal Voyager” e salpicou um segmento de 23 minutos de imagens aquáticas com a faixa ‘Echoes’ do Pink Floyd ao fundo deixando a platéia do Festival de Cannes de queixo caído.
Com a explosão dos filmes de surfe em meados dos anos 70, as trilhas começaram a variar, assim como os gostos, cada vez mais duvidosos para eventuais trilhas originais.
Entrava de tudo: Black Sabbath, Led Zeppelin, Robin Trower, Jim Croce, Santana, Janis Joplin, J.J. Cale, The wings e por aí vamos.
O narrador sumiu de vez, tornando a experiência de assistir um filme de surfe completamente lúdica, melhor dizendo, coisa de malucão mesmo, perdendo assim o lado mais didático e inocente dos primeiros tempos.
O filme Free ride, de 78, deixou uma marca profunda com o pianinho funkeado dos Pablo Cruise, cheios de latinidade e bossa.
Nos 80, chegamos ao tempo que a terra parou de vez, ao menos aqui no Brasil, onde vendem surf-music como aquele roquinho australiano que toca ad-infinitum nos campeonatos de surfe. Os filmes começaram a definhar e foram para U.T.I. enquanto os vídeos entravam com força total.
Jack Mc Coy e Chris Brystron lideraram a o ataque do vídeos de surfe com trilhas que traziam, Talking Heads, T.S.O.L., Inx’s, Men at work, Agent Orange e, mais uma vez, Pink Floyd, na abertura do “The Peformers”, com ‘Another Brick in the wall’- ‘we don’t need no education…’ dizia o refrão.
Paul Sargent, fotógrafo australiano e enstusiasta do surfe tupuninquim, foi quem ‘sujou’ os vídeos de surfe nos anos 90 com trilhas punk/porrada (Sepultura!) e edição nervosa permitindo ao novato Taylor Steele, com gosto musical mais apurado e as amizades certas, apresentasse Bad Religion, Nofx, Pennywise, Offspring, Sublime e adjacências para a garotada.
Jack Jonhson veio salvar os vídeos de surfe da monotonia e, inspirado, pelo Val Dusty Experiment, que nos brindaram com o vídeo-culto ‘Litmus’, realizou ‘September sessions’, filmaço com trilha de gente grande, parte dela original – mais uma vez influenciado pelo Val Dusty…
Se continuarmos a amadurecer desse jeito, daqui a pouco estaremos ouvindo ‘Take Five’ novamente.
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