quinta-feira, abril 01, 2004
Aqui, Agora
[João Valente é goofy, meio carioca, completamente lusitano, dois terços água salgada, pai orgulhoso de uma linda menina chamada Sara e editor da mais bem cuidada publicação especializada em surfe da língua portuguesa: Surf Portugal.
Antes de tudo, Valente, como diz o nome, é um entusiasta - um torcedor.
Flamenguista testemunha da geração Zico, João teve desde cedo despertado
um senso apaixonadamente crítico de olhar para as coisas. Seja surfe, futebol, Zappa ou Hitchcock, suas maiores paixões depois de Sandra e Sara.
Não é a toa que a Surf Portugal pode, e deve, ser considerada a melhor das revistas de surfe que falam português, pequenos fatos e grandes efeitos, denunciam isso a cada edição da SP.
Enquanto no Bananão o livro de poesias do Pedro Cezar, nosso Pepê, é solenemente ignorado, a SP dedica-lhe 8 páginas maravilhosamente ilustradas pelas fotos do Ricardo Bravo, um artista tambem sem par por aqui.
João Valente se orgulha de dizer que publica dois dos melhores textos, em qualquer idioma! faz questão de reafirmar, de todo mundinho que o surfe ostenta: Gonçalo Cadilhe e Pedro Cezar.
Pois, permitam-me dizer que dentre todos editores, o meu preferido é o JV, talvez o único, junto de Sam George, que consegue enxergar o seu papel na comunidade de surfistas com clareza.
Filtrar e embalar o que existe de melhor no mundo do surfe e acrescentar o olhar especial, a crítica, emoção, sem comoção.
João cometeu aqui mais um de seus belíssimos textos que dão boas vindas aos leitores que abrem a Surf Portugal todos meses - e cedeu para o Blog antes mesmo da nova revista ir para as bancas!]
Aqui, Agora
Entre o deslumbramento face ao mundo moderno e o saudosismo nostálgico dos “bons velhos tempos”, encontra-se o lugar em que vivemos. Hoje. Aqui. Agora. Como surfistas, deveríamos saber valorizar esse estado zen da vida. Afinal, vivemos para isso, dedicamos as nossas existências à procura incessante dessas partículas de tempo em que não pensamos em mais nada senão naquilo que estamos a fazer: encontrar o sítio no line-up onde o próximo set vai entrar, sincronizar a velocidade da prancha com a da onda, coordenar os movimentos que levam da posição horizontal para a vertical, ler em fracções de segundo o que a parede irá fazer, buscar aquela estranha comunhão humana com um dos meios mais instáveis à face da Terra.
Nesses instantes, não há tempo para pensar noutro tempo que não aquele que está a ser experimentado, vivido, sentido. Não há lugar para avaliar o valor de quem faz das suas viagens de surf uma plataforma para aprofundar o seu conhecimento do mundo e dos seus maravilhosamente diversificados habitantes, nem para lamentar a magia que este perde a cada novo surf camp erigido num país do Terceiro Mundo, a cada boat charter que levanta âncora, a cada previsão meteorológica e cientificamente provada via satélite. Não há espaço para distinguir os viajantes dos turistas, os aventureiros dos comodistas, os exploradores dos oportunistas. Quando chega o momento do encontro com o fim comum a todos os que têm a prancha como objecto último de adoração e as ondas perfeitas como altar sagrado de culto, tudo cai diante da necessidade suprema de concentração das energias, de convergência dos sentidos, de abstracção dos detalhes. Cai o acessório, fica a essência. Não há passado nem futuro. Há apenas o presente. Há o Aqui. E o Agora. – JV
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