[Texto de 26.11.2014]
Quem é o Vira-lata ? |
Estamos em dezembro de 2014, um ano difícil para a grande maioria dos leitores dessa revista.
Perdemos uma Copa do mundo em casa.
Uma Copa ganha antecipadamente várias vezes pelos gênios do futebol.
Tivemos uma eleição apertada e disputada como um clássico do brasileirão.
O discurso raivoso aflorou de tudo quanto era buraco.
Sujeito caminhava tranquilo pela rua e de repente saía um iradinho da primeira esquina.
O surfista tinha uma fuga, Medina liderou o circuito mundial de ponta a ponta, exceto por um percalço chamado Travis Logie, justo no Rio de janeiro.
Quando esse texto chegar até você, é possível que já tenhamos um campeão mundial.
O tricolor Nelson Rodrigues enxergava de olhos fechados |
Caso contrário, nosso afamado complexo de vira-latas, tão alardeado por Nelson Rodrigues, virá a tona uma vez vez mais.
Da mesma maneira que colocaram a culpa do vexame diante da seleção alemã no fato jogador ter nascido no Brasil, ou da política brasileira ser do jeito que é porque, afinal, somos todos brasileiros - a desculpa de não termos um título é a uma sina, uma marca.
Invertemos o mérito e o transformamos em vergonha.
Faz tempo que é assim.
Quando ainda não tínhamos títulos no futebol, o cronista Nelson Rodrigues destrinchava nosso complexo de inferioridade.
Era exatamente como hoje.
Tudo que vinha de fora era bom - bom não, melhor.
Toda e qualquer coisa que não fosse feita no Brasil era melhor.
Homens e produtos estrangeiros eram superiores.
Quantas pessoas voce conhece hoje, dezembro de 2014, que ainda pensam dessa mesma forma ?
Quase 60 anos depois de criada a expressão complexo de vira-latas…
Um título do Medina não será suficiente para aplacar a vergonha que se esconde atrás de cada assustado que sonha com um passaporte seja qual for, contanto que não traga Brasileiro na primeira página.
Os aviltados gritarão bem alto, Tambem, olha esse povo que nos deram… Brasileiro aceita tudo.
Chile, 1962, sem legenda |
Recorro então ao texto que Nelson Rodrigues escreveu quando ganhamos não o primeiro título mundial, na Copa de 1958, mas o segundo, na Copa do Chile em 1962.
Quando triunfamos em 58 decretou o fim da nossa permanente sensação de subalterno, passados apenas 4 anos essa irresistível força bovina que nos arremessa pra baixo da mesa voltava com a força dos aflitos.
Até mesmo os próprios europeus, à semelhança dos australianos e americanos do mundinho do surfe, já acreditavam na nossa condição secundária.
Percebam como é parecido o momento do surfe em 2014 e o futebol em 1962.
Mesmo como Fabinho Gouveia, Victor Ribas, Teco, Neco, Burle, Resende, Maya, Phil, mesmo com Yago e Lucas Silveira ainda tem gente que aponta com um rasgo de embaraço, Coitados, são brasileiros…
O descaso não é deles, é nosso.
Nelson Rodrigues reconhecia um pessimista pelo cheiro, foi pra eles que publicou na revista Fatos & Fotos em 1962 esse texto reproduzido abaixo.
[Após quatro anos de meditação sobre o nosso futebol, o europeu desembarca no Chile.
Vinha certo, certo, da vitória.
Havia, porém, em todos os seus cálculos, um equívoco pequenino e fatal.
De fato, ele viria a apurar que o forte do Brasil não é tanto o futebol, mas o homem.
Jogado por outro homem o mesmíssimo futebol, seria o desastre. Eis o patético da questão: — a Europa podia imitar o nosso jogo e nunca a nossa qualidade humana.
Jamais, em toda a experiência do Chile, o tcheco ou o inglês entendeu os nossos patrícios.
Para nos vencer, o alemão ou o suíço teria de passar várias encarnações aqui.
Teria que nascer em Vila Isabel, ou Vaz Lobo.
Precisaria ser camelô no largo da Carioca.
Precisaria de toda uma vivência de botecos, de gafieira, de cachaça, de malandragem geral.
Aí está: — no Velho Mundo os sujeitos se parecem, como soldadinhos de chumbo.
A dessemelhança que possa existir de um tcheco para um belga, ou um suíço, é de feitio do terno ou do nariz. Mas o brasileiro não se parece com ninguém, nem com os sul-americanos.
Repito: o brasileiro é uma nova experiência humana.
O homem do Brasil entra na história com um elemento inédito, revolucionário e criador: a molecagem.]
A molecagem não é o jeitinho brasileiro de não fazer as coisas, pelo contrário, é o jeito de fazer as coisas.
Nutro um certo desprezo pelos deslumbrados com o que vem de fora.
Pra ficar somente no futebol, vou abusar do recurso de citar e, golpe baixo, encerro com Carlos Drummond de Andrade.
O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, como Pelé. É fazer um gol como Pelé.
Quero crer que difícil não é fazer o que Medina fez nesse ano, mas fazer do jeito que Gabriel fez…
Todo grande texto nasce desses momentos de silencio e solidão |
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