sexta-feira, agosto 16, 2013

Cauli




Olha, não fica aborrecido, preciso te dizer uma coisa, ao pé da orelha- aqui entre nós.
Tenho pena dos camaradas que não ouviram o esporro da pancada que era a batida de backside do Cauli.
Ouvia-se de longe.
Aquilo era o cartão de visita do camarada - Pà! muito prazer, Cauli Rodrigues.
O rapaz mais jovem e atento pergunta quem foi Cauli - e pergunta com razão.
Não se fala muito do Cauli.
Eu mesmo, que sustento uma coluna mensal desde 1993, escrevo muito mais sobre Curren e Slater do que Cauli.
Em 2013, quase quarenta anos depois de ter surgido como promessa do surfe brasileiro, Cauli ainda surfa  com a mesma paixão dos seus primeiros anos, antes do sol nascer, quando pode.
A motivação dele sempre foi a superação, afinal de contas um dos seus companheiros mais leais era o surfista mais competitivo daquela geração, o campeoníssimo Pepê Lopes.
Pepê se destacava em tudo que fazia, e ainda vencia sem dó nem piedade quem passasse pela sua frente. Foi assim com hipismo, surfe e voô livre.
Quando juntava Pepê e Cauli, não tinha pra ninguem.
Era uma mistura de talento, determinação, sorte (sem sorte não se chupa nem um picolé, escreveu Nelson Rodrigues) e uma disciplina quase militar.
Em 1976, quando o circuito mundial de surfe profissional dava seus primeiros passinhos, Pepê terminou em 18º lugar, competindo em apenas 4 campeonatos. O australiano Peter Towned ganhou o circuito malandramente com 10 eventos nas costas - só ele e Ian Cairns competiram tanto, e entenderam o mecanismo dum circuito com raking.
Faço questão de recordar que, em 76, Pepê ganhou o Waimea 5000 aqui no Arpoador e foi o primeiro brasileiro a fazer uma final no Havaí, no Pipe Masters.
Cauli reparou que na foto dos seis finalistas do campeonato mais prestigiado do mundo, Pipe Masters, Pepê era o único que trazia uma logomarca na sua prancha, o JB do Jornal do Brasil, um dos principais jornais da época, hoje quase extinto - disponível apenas na internet.
Pepê era portanto o único legitimamente patrocinado.
Podem procurar no google.



A memória do Cauli é prodigiosa, diz que o grande talento da sua turma não era ele e sim o Paulo Aragão, que deveria ter ido mais longe.
Muita gente nos anos 70 deveria ter ido mais longe, era uma época de sobreviventes, nem todos sobreviveram.
Cauli apostou sempre num tipo diferente de viagem, as que tinham destino certo e data de volta.
Isso porque ele queria, já em 77, ser um surfista profissional. E não queria ter que fazer bermuda, nem prancha pra resistir, queria simplesmente surfar melhor do que todo resto.
Todo mundo se virava do jeito que dava para continuar surfando, tirava fotos, escrevia textos, fazia camisetas, trazia um contrabandozinho pra fazer um algum.
Cauli experimentava modelos diferentes de pranchas e melhorava seu desempenho a cada caída.
De 77/78 até 85 não havia dúvidas sobre quem era o melhor surfista do Brasil.
Rico era o mais popular, mas Cauli era a referência dentro d'água.
Medina ou Adriano não seriam possíveis sem o pioneirismo do Cauli.
No entanto, Medina e Adriano nem desconfiam quem seja, ou quem foi, Carlos Felipe da Veiga Lima, o surfista que vislumbrou o Brazilian Storm muito antes de todos.
Num exagero extremo, posso até afirmar que Cauli foi pioneiro até nas garfadas históricas da A.S.P.
Quando todo mundo virava os bicos das pranchas para o Havaí, Cauli emburacou pra Austrália atrás do melhor surfe do mundo.
E do outro lado do mundo, na terra do Rabbit, PT, MR, MP e Kanga, brasileiro não tinha vez.
Quando a biquilha virou a prancha de 9 entre 10 surfistas do mundo, Cauli manteve-se fiel a monoquilha porque precisava da firmeza duma grande quilha central para cavar e bater reto.
A influência do Cauli era tão grande, que a garotada adiava o quanto podia aderir à biquilha para poder surfar como Cauli.
Um garoto que impressionava muito na Barra da Tijuca no início dos anos 80, só usava monoquilhas - se chamava Dadá Figueiredo.



De 1977 até 1996 Cauli pontuou na ASP, primeiro competindo ferozmente contra os melhores do mundo e depois apenas em esparsos eventos realizados no Rio de Janeiro.
São tres décadas de dedicação a um sonho que sempre foi dele, o sonho de mostrar que aqui no Brasil tínhamos surfistas tão bons quanto lá fora.
As duas últimas capas da revista Surfing são com brasileiros, Medina e Ricardinho - seguidas!
Se antes, no longínquo tempo da batalha dura e desleal, era difícil qualquer reconhecimento da comunidade estrangeira, hoje estamos consagrados com páginas dupla quase todos meses na imprensa internacional.
Já nem faz assim tanta diferença, não é verdade ?
Lembrem-se que um camarada planejou isso, 40 anos antes, treinar, falar bem inglês, viajar, competir, com seriedade e determinação.
Como Mineiro, Medina, Alejo, Pupo, Felipe, Jadson...
É hora de parar de chorar e sorrir para as câmeras famintas pela novidade.
O título mundial nunca foi tão desimportante.
Que porrada tinha o Cauli!

4 comentários:

  1. A porrada de back era seu cartão de visita, mas vi alguns cutbacks de cair o queixo. O cara era tão competitivo que, se não me engano, chegou a vencer uma etapa de campeonato brasileiro profissional e master no mesmo dia, em Ubatuba.

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  2. demais o texto, prazer, pou, cansei de ouvir, dava uma mistura de admiração com medo, porque era sério pra carrilhos.
    as fotos tão f também

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  3. Grande Cauli! Por mais cedo que eu chegasse no Arpex pra fugir do crowd, nunca conseguia estar na água antes dele.

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  4. O Cauli em seu auge técnico era "top" dos "tops". Êle citou entre outros o Paulo Aragão que foi tambem um surfista fantástico do qual não se encontra praticamente nada registrado sobre pois era uma época quase desprovida de mídia surfística no país. E o texto do outrora campeão carioca Julio Adler e mentor midiático de muitos,é afiadíssimo!

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