domingo, julho 22, 2007

Atropelado

[Tempestade # 175 - Surf Portugal - Junho 2007]


Óia véio, os caras quebram a cabeça pra escrever as legendas, cheias de sacanagem- quem se importa ?

Quando o estimado leitor estiver confortavelmente sentado na sua poltrona predileta deleitando-se com esta nova revista, Mick Fanning terá aberto uma bela vantagem na corrida pelo caneco em 2007.
O macaco albino tem levado esse ano a sério – ou vai ou racha.
Indo, não fez mais que sua obrigação, rachando, adia a data tão almejada pela turma da Rip Curl para comemorar o título que lhe foge desde 91.
A briga, diga-se de passagem, foi sendo reduzida aos poucos para duas marcas: Billabong e Quiksilver.
O resto espreita e nada mais.
Desde 92 as duas revezam no topo do ranking, fora Derek, Sunny e C.J., dois deles acidentes de percurso.
Mas não era de surfe corporativo que esse texto deveria falar, versava sobre o camarada que tem um primeiro, um segundo e um terceiro nas tres primeiras etapas do ‘CT desse ano.
Me apresso em pedir desculpas ao leitor mais afoito, antes de tecer loas ao Fanning preciso desabafar sobre a entrevista do vice campeão em Teahupoo, ainda molhado, logo em seguida a final.
Aqui entra o Fanning, sobre seu fabuloso ano de resultados ainda mais fabulosos e estratégias de competição: Sim (toda entrevista começa com um inevitável ‘yeah’), estou mais relaxado esse ano, me divertindo mais e tudo está dando certo.
Mentira, mentira e mentira.
O sujeito chegou no Tahiti quase um mês antes de todo mundo para treinar e aperfeiçoar seu ponto fraco que todos sabem, esquerdas como Teahupoo.
Até aqui nada demais, até um tablete de parafina usado sabia disso, assim como sabe que Slater chega sempre em cima da hora, de preferência sem ter surfado nas últimas semanas, sem prancha, com rumores de novas e famosíssimas namoradas.
Com Slater e Andy bufando no cangote, relaxar é uma situação pouco provável – e nada confortável- para nosso amigo Eugene e suas múltiplas personalidades.


Mira, usted quieres o no quieres el autografo del macaco albino de la tierra del Oz ? no lo creo en brujas, pero que las hay...

Quem para tudo, trabalho, estudo, até mesmo sai d’água num mar perfeito para assistir, nariz colado no monitor, ao WCTs e o rosto resoluto do Fanning the Fire antes e depois de cada bateria, em nenhum segundo houve espaço para brincadeira.
Em algum momento da história do surfe competitivo, provavelmente no final dos abomináveis 80 (aqui, e sempre, ironizo a turma que amargamente deplora os 80, na sua maioria malandros que viveram ali seu inferninho particular e culpam a década por tudo que não conseguiram entender), iniciou-se um discurso que seria o mantra do surfe profissional dali por diante: Estou me divertindo como nunca, tenho meus amigos aqui ao lado e sou o camarada mais feliz do mundo.
Jack McCoy, o mais astuto e talentoso diretor de filmes de surfe de todos tempos, percebeu o jogo de palavras da garotada e lançou um filme, fundamental (vide resenha – McCoy box-SP…), chamado ‘Sons of fun’, expondo pela primeira vez a tão bem resolvida nova geração às trevas da frustração, documentando Ross Willians e Shane Dorian, sempre tão sorridentes nos vídeos pop do Taylor Steele, na mais absoluta miséria quando perdiam uma mera bateria do WQS e pior! Disputando migalhas para ver quem ficava em terceiro e quarto numa disputa que os dois já tinham perdido definitivamente.
Enquanto o segundo pelotão versava sobre diversão e felicidade, Slater botava todo mundo no bolso com o mesmo olhar do Fanning em 2007: concentrado.
Slater não aturava perder nem no par ou ímpar mas dissimulava bem sua ansiedade sorrindo seu sorriso milionário e limpando os campeonatos da ASP de cabo a rabo.
Andy não engoliu essa de amizade e diversão, meteu o pé na porta, fingiu ser feliz tambem e ganhou 3 títulos mundiais.
No caminho dos tri, posso apostar minha swallow seis canaletas que se houve algum momento de verdadeira diversão na vida de Andy Irons (não vamos confundir aqui com alívio), foi quando ele saiu de mãos para cima daquele tubo no backdoor com toda certeza do mundo que tinha virado a bateria mais empolgante de toda história do surfe.
Andy se divertiu.
Fanning, por outro lado, deve ter pesadelos com retomadas avassaladoras dos dois animas competitivos que são Slater e Andy, que tambem não estão achando graça nenhuma nos seus terceiros, segundos e quintos.


Oo Taylor, voce não disse que hoje tava uns 3 ou 4 pézinhos ?

O surfe profissional ganharia muito se houvesse um pouco mais de honestidade no discurso dos surfistas.
Sabemos por terceiros que Mick Fanning torce descarademente pelo seu amigo Andy e contra Slater quando não tem chances de vencer coisa nenhuma.
Sabemos que Parko acha todo mundo pior que ele e que, mais dia menos dia, o caneco será seu.
Sabemos que Chris Ward se acha infinitamente superior aos outros 40 da lista mas é psicologicamente incapaz de transformar seu talento em resultado.
Sabemos que Bruce sequer considera os outros a altura de compara-los ao seu enorme talento.
Ora bolas, até Josh Kerr acha isso.
A ASP, na ânsia de ter o surfe aceito como esporte de massa doutrina seus competidores com um discurso políticamente correto irritante e repetitivo aproximando o surfe de uma brincadeira infanto juvenil ao invés de incentivar a velha e boa rivalidade ‘pega pra capar’ dos anos 80.
Mick Fanning, se não abrir seus olhos e assumir que em 20007 é o ano da sua vida e que não há folga para quem quiser destronar os dois homens que tem juntos 11 anos de domínio será atropelado pelo seu próprio discurso.