A espera... |
Pilantragem suprema é citar textos longos.
Sempre andei acompanhado do Galeano, Eduardo Galeano, escritor uruguaio que escreve com sangue, suor e lagrimas.
Galeano gosta de contar histórias da America Latina, dos povos esquecidos, contos, fábulas, mitos e adora falar dos becos e esquinas que pouca gente vai se dar ao trabalho de conhecer.
Sua trilogia, Memória do fogo, foi premiada pelo Ministério da Cultura do Uruguai e recebeu o American Book Award (Washington University, EUA) em 1989, mas isso não tem a menor importância.
O que ele escreve, e principalmente o jeito dele escrever, é o que importa.
Numa edição especial de viagens - justamente numa época onde a aventura transformou-se num pacote simpático, suavemente parcelado em 12 vezes sem juros - não poderia faltar a leitura do Galeano para um tempo de mudanças.
Extraído do livro De Pernas Pro Ar – A Escola do Mundo ao Avesso (Editora LP&M, Brasil, 1999), o trecho a seguir carrega mais de uma mensagem.
Ele nos ensina, ou melhor, relembra uma coisa que já ouvimos antes, de maneiras diferentes, a verdade está na viagem, não no porto.
A viagem começa quando voce decide.
Me solidarizo com o leitor que viaja sem sair do lugar.
Nem todo mundo tem uma pequena fortuna para gastar em passagem e hospedagem num barco luxuoso do outro lado do mundo.
Pra ser mais específico, nem todo mundo tem sequer a grainha que é preciso para ir até o norte do Peru para pegar onda.
Pipa ? Saquarema ? Maresias ? Noronha ?
Quem disse que faz falta ?
Essa revista que voce tem nas mãos ajuda a vender esses sonhos.
A TV martela ondas azuis e perfeitas como se fosse a tarefa mais simples da face da terra entrar num avião e aterrissar numa ilha paradisíaca.
Pra muita gente é mais fácil desprezar a própria praia do que aprender, ou re-aprender a gostar dela.
Esquecem-se que essa mesma praia que hoje desdenham foi aquela que os ensinou a amar o mar.
Foi nessa mesma água suja e ondas ruins que voce ficou em pé pela primeira vez na prancha e nunca mais quis saber de outra coisa.
Toda memória que temos das nossas praias não podem ser apagadas pela fantasia da onda perfeita.
Afinal de contas, nossa referência de onda perfeita foi estabelecida exatamente naquele dia mágico da nossa infância.
Aconteceu com voce em 1987, com seu amigo mais velho em 1975, com o Greg Noll em 1949 e com Medina em 2001.
E acontece todos dias, igualzinho, com as mesmas sensações e os mesmos cheiros e texturas.
Galeano escreve sobre isso.
A natureza se realiza em movimento e também nós, seus filhos, que somos o que somos e ao mesmo tempo somos o que fazemos para mudar o que somos.
Como dizia Paulo Freire, o educador que morreu aprendendo: “Somos andando”.
A verdade está na viagem, não no porto.
Não há mais verdade do que a busca da verdade.
Estamos condenados ao crime?
Bem sabemos que nós bichos humanos andamos muito dedicados a devorar o próximo e a devastar o planeta, mas também sabemos que não estaríamos aqui se nossos remotos avós do paleolítico não tivessem sabido adaptar-se à natureza, da qual faziam parte, e não tivessem sido capazes de compartilhar o que colhiam e caçavam.
Viva onde viva, viva como viva, viva quando viva, cada pessoa contém muitas pessoas possíveis e é o sistema de poder, que nada tem de eterno, que a cada dia convida para entrar em cena nossos habitantes mais safados, enquanto impede que os outros cresçam e os proíbe de aparecer.
Embora estejamos malfeitos, ainda não estamos terminados; e é a aventura de mudar e de mudarmos que faz com que valha a pena esta piscadela que somos na história do universo, este fugaz calorzinho entre dois gelos.
Eduardo Galeano,
De Pernas Pro Ar – A Escola do Mundo ao Avesso (Editora LP&M, Brasil, 1999)
Julio, teus textos são ótimos. Recomendo TEORIA DA VIAGEM: POÉTICA DA GEOGRAFIA, do Michel Onfray, também pela LP&M. Abraço, Vinicius
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