sexta-feira, julho 03, 2015

Acorda, James Jones!

[Texto de Maio de 2014, publicado nas Revistas Hardcore e Surf Portugal]
Itaúna vista e fotografada pelo Smorigo


Acorda James Jones que hoje tá enorme.
Foi o jeito que Bolonha arrumou pra me acordar na minha primeira vez competindo em Saquarema.
Num distante 1988, todos éramos jovens suficiente para dormir em qualquer canto, no meu caso, em cima das capas de prancha, embaixo duma escada, tinha que dar sorte.
Eu já tinha estado em Saquarema antes, quase 3 horas num ônibus, 250 paradas até finalmente chegar na cidade, depois se vira pra chegar na praia.
A praia é Itaúna, a lendária onda que os surfistas mais velhos se referem como a melhor onda do Brasil, é tambem a mais forte, mais traiçoeira, mais perigosa.
Meus piores pesadelos envolviam Itaúna grande e campeonatos.
Sentamos na areia, eu e Marcos, na nossa frente as maiores ondas que já tínhamos visto.
Afinal eram verdade as historias que os surfistas mais velhos nos contavam, depois de sumir por algum tempo e surgir com um sorriso estranho no canto da boca, olhos vermelhíssimos e um cheiro que não parecia com nada que estávamos acostumados em casa - seria algo de comer ?
Cada vez que eram repetidos, os relatos iam ganhando drama e pitadas de horror para acentuar a coragem dos protagonistas e deixar a garotada de boca aberta.
Uma delas falava de um mar clássico, nos idos de 75, ou 76, ninguém lembrava direito a data. O que eles não esqueciam, e cada vez que mencionavam data e local os olhares se transformavam, eram as ondas gigantes e perfeitas.
Teve gente que tentou entrar e não conseguiu e também teve gente que nem ousava pensar em varar a arrebentação.
Rico de Souza, que já era Rico de Souza nessa época, uma autêntica celebridade do nosso jovem esporte, enfrentou as bombas com uma 8’6’’, ficou em terceiro.
Cadinho, Ricardo Meyer, também conhecido pela sigla RK que fazia os melhores skates do país ainda nos anos 70, ficou em segundo, possivelmente surrando com a sua Bill Stonebraker 8’6’’ (essa prancha quebrou ao meio em outro dia épico, ali perto de Saquá, na laje de Jaconé, 10 pés!).
Betão, o extraordinário Betão, surfou nesse dia com uma prancha nove pés (9’4’’) pra ganhar o primeiro Festival de Saquarema.
Se antes desse campeonato Betão já era temido, respeitado e admirado por todos, depois de ganhar justamente esse evento, foi alçado a categoria de lenda viva.
Lá estava eu, sentadinho nas areias de Itaúna, quase 20 anos depois do Festival de 1975, testemunhando diante dos meus próprios olhos uma final entre Daniel Friedman e Picuruta Salazar em ondas fantásticas.
Daniel naquela galhardia de sempre, impecável em cima da prancha, sem um movimento desajeitado, sem excessos, numa linha pura e atemporal.
Enquanto isso, Picuruta atacava as paredes com um jeito diferente e moderno, também elegante, mas também selvagem e agressivo.
Me recordo duma foto do Cauli, se bobear nessa mesmo ano, uma foto pequena, preto e branco, a legenda mencionava algo referente a maior onda já fotografada no Brasil - uma esquerda gigantesca, cascuda, ameaçadora.
Tudo isso veio à tona quando Bolonha me acordou naquele distante e cinzento dia em Saquarema, Acorda James Jones que hoje tá enorme!
Acordei, respirei fundo, preparei a prancha e fui enfrentar meus demônios. Passei em segundo lugar, deixando dois camaradas que se consideravam surfistas de onda grande para trás.
Tenho enorme dificuldade de escrever sobre meu passado de competidor, talvez por sempre identificar um exagero nas auto referências dos amigos colunistas. Ou por ter consciência da minha desimportância.
Esse texto foi provocado por uma breve estadia em Saquarema, motivado pelo Quiksilver Prime.
Nós não temos Indonésia, nem Havaí, nem Taiti.
Não temos um lugar especial que é reconhecido em todo planeta como referência de onda boa.
O que nós temos, é Saquarema, onde o tempo não passa, onde o tempo cisma de voltar repetidamente, ora para assombrar, ora para te alegrar.

Otavio Pacheco e Itaúna, um caso de amor profundo...


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