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domingo, junho 30, 2019

Batucada

Mike Tyson e Filipe Toledo ? Leia até o final



[Eu sei o que voce está pensando.
Uma semana depois ?
Esse cara não pode ser sério…
Todo mundo já escreveu sobre o Oi Rio Pro, por que vou perder meu tempo lendo isso agora ?
Não leia.
Faça algo melhor, não há o menor sentido em escrever sobre campeonatos de surfe.
Ou não…]


Quinta feira, 20/06/2019, primeiro dia do Oi Rio Pro em Saquarema, Pico de Itaúna com ondas boas para o surfista médio, terríveis para quem tinha ainda as imagens da Barrinha em 2018 vivas na memória.

Filipe Toledo em posição semelhante à um toureiro na arena, esticado dentro do tubo, impetuoso, quase arrogante.

Aquilo aconteceu (é bom lembrar), caros amigos, logo em seguida à Copa dos Fundadores no Rancho do Tio Kelly, arrasando com as expectativas de ondas ruins na sequência da mecânica perfeita da natureza artificial de Lemoore.
As previsões para esse ano eram tão boas, ou melhores!, quanto em 2018 e todo primeiro dia decorreu em um grande anti-climax do show da Barrinha.
Jorravam notas abaixo de 6, Ace Buchan reconhecia que a escala do novo chefe dos juízes, Pritamo Ahrendt, era bem mais baixa, exigência mais alta, do que os anteriores.

Simultaneamente ao aborrecidíssimo seeding round, a WSL anunciou que o alardeado acordo com a transmissão exclusiva no Facebook (https://www.worldsurfleague.com/posts/292059/world-surf-league-and-facebook-announce-grounbreaking-distribution-deal) tinha ido pro vinagre pouco mais de um aninho depois do inacreditável gabanço da Tia Sophie (https://digiday.com/media/world-surf-leagues-live-viewership-grown-removing-exclusivity-facebook-live-deal/).

Duas ondas acima de 8 - Yago 9 e Filipe 8


Sexta feira, 21/06/2019, recomenda-se calar se não tiver algo de bom pra dizer.

Duas ondas acima de 8 - Wade 8.5 e Jordy 8.33 em 20 Baterias


Sabado, 22/06/2019, logo cedo já apareciam imagens duma Barrinha de terral, água azul e cilindros ocos e rápidos bastante para fazer inveja ao melhor dia de The Box.
É aqui que começa a fazer diferença a saída do Kieran Perrow do circuito.
KP era o cara que defendia esse tipo de condições para o Tour, advogava mesmo, desafiando competidores e diretores de prova ao teste final - pra dentro!

[Um tubo do João Chumbinho, filmado pelo Mateus Werneck, no final de tarde da sexta espalhou-se depravadamente pela grande rede com enorme rapidez.]

Uma pergunta enorme era repetida silenciosamente na cabeça de cada um dos fãs fissurados - quando iremos para Barrinha ?

Após um início morno, por que não aborrecido ? A categoria feminina foi lançada ao mar numa condição em Itaúna que clamava por revisão.
Slater assumiu, uma vez mais, o papel de protagonista e levou Pat O’Connell para testemunhar ao vivo o que seria o óbvio na cabeça de todos - Tubos a granel.

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Se a WSL já estava decidida ou não, nunca saberemos, fato é que o Oi Rio Surf Pro fez a tão esperada mudança para o canto direito logo em seguida a divulgação das imagens dos canudos em velocidade assustadora - canudos e divulgação!

Perdemos, público fiel e aflito, 3 longas horas de o que pode ter sido as melhores ondas de 2019, salvo The Box e suas limitações.


Resultado, cinco ondas acima de 8 em apenas 8 disputas


Entra Slater versus Toledo.

Parem pra pensar que Slater surfou essas ondas pesadas e espetaculares por quase duas horas antes da chamada final pra Barrinha - 47 anos.

Não é pouca coisa.

A bateria foi o ponto alto do dia, deixando tudo que aconteceu depois com um certo gosto amargo no canto da boca - culminando com a contusão do João Florence.


Domingo 23/06/2019,

Com ondas bem piores do que no dia anterior, Barrinha parecia mais afeita ao que tivemos em Duranbah na primeira etapa, com apostas altas nas junções, bem mais do que nos tubos.
Steph foi vítima do excesso de espera, deixando caminho livre para Sally e Carissa desmontar sua liderança.

Nas quartas masculinas, ninguém foi capaz de completar uma onda decente, ficando para Julian, mesmo derrotado, a única nota 8 da fase.

Percebeu-se uma grande preocupação do plantel de juízes para evitar achatar demais as notas das semis.
Vimos, um tanto boquiabertos, notas completamente fora da escala imposta pelo Head Judge até agora, até o final do ano poderemos avaliar melhor se foram justas ou não.

Dito isso, Toledo fez de novo!

Não é coincidência que 21 anos antes dessa vitória do Filipe, numa segunda feira de maio 1988, Mike Tyson destruiu Michael Spinks em 91 segundos, único lutador que a imprensa julgava capaz de enfrentar a selvageria do jovem Tyson.
Ambos estavam invictos, 
Tyson tinha 34-0 (30 Nocautes!)
Spinks tinha 31-0 (21 Nocautes)

Toledo enfrentou Jordy Smith na final em Saquarema e resolveu tudo bem antes da metade da bateria - de mesma forma que abateu Kikas nas semis.
Toledo é Tyson no seu auge, com virtudes e defeitos semelhantes, queixo de vidro e tudo mais.
O que vimos Toledo fazer novamente no Rio é façanha de poucos grandes esportistas (me recuso a chamar surfistas de atletas por pura implicância com o termo) agigantando-se na presença da grande multidão, alimentando-se da paixão e transformando pressão em resultado.

Voltando à 1988, o especialista em boxe, Bert Sugar disse que o fã quer ver o adversário decapitado.
O fã não quer ver uma luta justa ou uma mera derrota - quer ver seu campeão arrancando a cabeça do outro camarada.
Tyson entregava esse tipo de embate aos milhões de admiradores e curiosos - uma besta enjaulada solta!
Em um minuto e meio, Mike Tyson acabou com o sonho dos especialistas de ver Spinks fazendo uma luta dura, talvez até ganhando!
91 segundos e Spinks agonizava na lona.
Sem saber onde era chão nem teto.
A esquerda do Tyson entrou como uma bola de aço demolindo uma parede.


Na Barrinha, foram as direitas do Filipe que nocautearam um a um, como no ano passado.

Depois da derrota humilhante no Oeste da Austrália, Toledo mostrou que é capaz de levantar e lutar.

Com a incerteza da gravidade da contusão do John Florence e a pouco provável consistência do Kolohe, Filipe tem em J. Bay a chance de mais um nocaute, rumo ao tão sonhado título.

Na sua cola, o pesadelo local, Jordy Smith, o novo eleito da WSL (de olho no Japão 2020) Kanoa Igarashi e Ítalo Ferreira, letal em toda e qualquer condição.

Mais distante, alguém que pode (cada vez mais) transformar simples disputas em batalhas campais, um renovado Kelly Slater com uma ou duas coisas a provar, Medina e Julian Wilson esperando pelo momento certo de brilhar.

A corrida, a luta, está apenas começando.



sexta-feira, julho 03, 2015

Acorda, James Jones!

[Texto de Maio de 2014, publicado nas Revistas Hardcore e Surf Portugal]
Itaúna vista e fotografada pelo Smorigo


Acorda James Jones que hoje tá enorme.
Foi o jeito que Bolonha arrumou pra me acordar na minha primeira vez competindo em Saquarema.
Num distante 1988, todos éramos jovens suficiente para dormir em qualquer canto, no meu caso, em cima das capas de prancha, embaixo duma escada, tinha que dar sorte.
Eu já tinha estado em Saquarema antes, quase 3 horas num ônibus, 250 paradas até finalmente chegar na cidade, depois se vira pra chegar na praia.
A praia é Itaúna, a lendária onda que os surfistas mais velhos se referem como a melhor onda do Brasil, é tambem a mais forte, mais traiçoeira, mais perigosa.
Meus piores pesadelos envolviam Itaúna grande e campeonatos.
Sentamos na areia, eu e Marcos, na nossa frente as maiores ondas que já tínhamos visto.
Afinal eram verdade as historias que os surfistas mais velhos nos contavam, depois de sumir por algum tempo e surgir com um sorriso estranho no canto da boca, olhos vermelhíssimos e um cheiro que não parecia com nada que estávamos acostumados em casa - seria algo de comer ?
Cada vez que eram repetidos, os relatos iam ganhando drama e pitadas de horror para acentuar a coragem dos protagonistas e deixar a garotada de boca aberta.
Uma delas falava de um mar clássico, nos idos de 75, ou 76, ninguém lembrava direito a data. O que eles não esqueciam, e cada vez que mencionavam data e local os olhares se transformavam, eram as ondas gigantes e perfeitas.
Teve gente que tentou entrar e não conseguiu e também teve gente que nem ousava pensar em varar a arrebentação.
Rico de Souza, que já era Rico de Souza nessa época, uma autêntica celebridade do nosso jovem esporte, enfrentou as bombas com uma 8’6’’, ficou em terceiro.
Cadinho, Ricardo Meyer, também conhecido pela sigla RK que fazia os melhores skates do país ainda nos anos 70, ficou em segundo, possivelmente surrando com a sua Bill Stonebraker 8’6’’ (essa prancha quebrou ao meio em outro dia épico, ali perto de Saquá, na laje de Jaconé, 10 pés!).
Betão, o extraordinário Betão, surfou nesse dia com uma prancha nove pés (9’4’’) pra ganhar o primeiro Festival de Saquarema.
Se antes desse campeonato Betão já era temido, respeitado e admirado por todos, depois de ganhar justamente esse evento, foi alçado a categoria de lenda viva.
Lá estava eu, sentadinho nas areias de Itaúna, quase 20 anos depois do Festival de 1975, testemunhando diante dos meus próprios olhos uma final entre Daniel Friedman e Picuruta Salazar em ondas fantásticas.
Daniel naquela galhardia de sempre, impecável em cima da prancha, sem um movimento desajeitado, sem excessos, numa linha pura e atemporal.
Enquanto isso, Picuruta atacava as paredes com um jeito diferente e moderno, também elegante, mas também selvagem e agressivo.
Me recordo duma foto do Cauli, se bobear nessa mesmo ano, uma foto pequena, preto e branco, a legenda mencionava algo referente a maior onda já fotografada no Brasil - uma esquerda gigantesca, cascuda, ameaçadora.
Tudo isso veio à tona quando Bolonha me acordou naquele distante e cinzento dia em Saquarema, Acorda James Jones que hoje tá enorme!
Acordei, respirei fundo, preparei a prancha e fui enfrentar meus demônios. Passei em segundo lugar, deixando dois camaradas que se consideravam surfistas de onda grande para trás.
Tenho enorme dificuldade de escrever sobre meu passado de competidor, talvez por sempre identificar um exagero nas auto referências dos amigos colunistas. Ou por ter consciência da minha desimportância.
Esse texto foi provocado por uma breve estadia em Saquarema, motivado pelo Quiksilver Prime.
Nós não temos Indonésia, nem Havaí, nem Taiti.
Não temos um lugar especial que é reconhecido em todo planeta como referência de onda boa.
O que nós temos, é Saquarema, onde o tempo não passa, onde o tempo cisma de voltar repetidamente, ora para assombrar, ora para te alegrar.

Otavio Pacheco e Itaúna, um caso de amor profundo...