sábado, setembro 24, 2011

Tempo demais

[Coluna Tempestade em Copo d'água na Revista Surf Portugal e Sopa de Tamanco na Revista Hardcore - Abril de 2011]

        Reencontrei uma revista antiga, janeiro de 2008, Mick Fanning na capa, recem conquistado seu primeiro titulo mundial. Tenho por habito ler o editorial logo que abro a revista. Editoriais são uma especie de termometro do que voce vai encontrar la dentro. Bons editoriais falam de coisas bobas que fazem parte do cotidiano do leitor comum e mal se referem ao conteudo da revista - pra isso ja temos o indice. Desde que comecei a ler com interesse essa correspondencia do editor com o leitor, pouca gente chegou perto do Steve Hawk, editor da Surfer nos anos 90. Ultimamente aqui no Brasil editores sem muito recurso usam tão valioso espaço para apenas auto-celebrar a propria publicação, infantil e inocente como a satisfação dum aluno de 11 anos ao entregar o primeiro numero do jornal da classe ao professor. Enumerar os assuntos que o leitor vai encontrar dentro da revista é tratar o leitor como imbecil, leva-lo pela mão apontando para as dificuldades de fazer uma revista mensal é subestimar violentamente a capacidade cognitiva do seu publico alvo. Falava eu do primeiro titulo do Mick Fanning e desviei do assunto. O tradicional Tracks, jornal que virou revista australiano, trazia tudo sobre o primeiro titulo mundial do Fanning e o editor Sean Doherty, autor de meia duzia de bons livros sobre surfe e surfistas, como a biografia do Michael Peterson, escrevia com otimismo sobre o suposto primeiro (para ele) duma serie de quatro titulos do Eugene. A euforia do titulo ter voltado para Australia depois de 8 anos (desde Occy em 99) era tanta, que toda aquela edição indicava que havia de fato um renascimento do espirito campeão australiano, seria naturalmente seguido por Parko e Taj, e mais uma vez apostando no suposto enfraquecimento do Careca e Andy na corrida ao caneco. Achei curioso e parei pra pensar nos numeros. Fanning foi campeão pela primeira vez com a mesma idade que Mark Richards, o grande campeão australiano, se aposentava do surfe profissional, 26 anos. Fanning, o fenomeno, só não era mais velho do que dois dos 17 campeões mundiais, Occy e Derek Ho, uma façanha um pouco tardia, pensei eu. Tinha toda razão a revista em celebrar o feito, afinal de contas Slater e Irons tornaram o titulo em si numa coisa meio ordinaria, a ser realizada a toda hora, Irons com seus tres titulos e Slater, então com 8. A latinha avermelhada de felicidade do Fanning com seus cabelos dourados estampava a capa e as pequenas manchetes provocavam o leitor, A entrevista, A festa, A analise, A conquista, veja tudo la dentro. Em 2008, Slater competiu em velocidade cruzeiro, nem tomou conhecimento da retomada australiana e Fanning, na ressaca do seu triunfo, terminou apenas em oitavo lugar, atras do Mineiro e Ace Buchan. 2009 foi a vez do Slater descansar e Parko tinha o titulo nas mãos até o meio do ano. Fanning, 28 aninhos, despertou do seu torpor e atropelou todo mundo na caça do seu segundo titulo. Com 28 anos Slater ja tinha se afastado das competições com seis coroas na sacola e sequer aparecia no ranking nos dois ultimos anos. Eis o que quero dizer, tirando Jordy e Mineiro (eventualmente Owen ou Dane num surto)não há ninguem no tour com menos de 30 anos que ameace o decimo primeiro do Careca. E ca entre nos, isso é ao mesmo tempo lamentavel e fascinante. Lamentavel, porque revela o quão fragil são os adversarios do KS10 diante de tamanha excelencia e fascinante porque torcemos todos sempre pelos mais fracos, esteja ele onde estiver. Nesse ano, 2011, Fanning completa seu decimo ano no circuito entre os 34 (antes 44), Parko seu 11º e Taj vai para sua 14ª temporada, isso sem contar os anos de WQS. É tempo demais na expectativa. Pouca gente aguenta a pressão que é não vencer. Por mais que se propague o discurso que acima de tudo esta a diversão e a sorte de poder ganhar a vida pegando onda, por tras disso tudo tem uma montanha de frustração que come essa gente por dentro. Taj Burrow mesmo, que agora desfruta de mais um momento exuberante na sua carreira, como foi no inicio do ano passado e em 2007, ano da redenção do Fanning, ja viu seu mundo esmagado pela conquista alheia. Quando se chega ao nivel de disputar o topo do ranking, qualquer resultado é pifio senão o primeiro. O afastamento momentaneo do Mineiro dos top 5 e o fato de, tão novo, já ser um veterano no circuito pode funcionar ao seu favor. Afinal de contas, Mineiro tem apenas 24 anos. Me afastei novamente do asunto, refletindo sobre as possibilidades que se criam quando se remexe no passado olhando pro futuro. O que parecia tão certo em 2007, apenas 4 anos atras, dominio australiano, declinio do Slater e uma nova era anunciada, não passava de um soluço. O Careca não vai a lugar algum tão cedo, tudo indica. Em 2012 ele completa 40 anos e o desafio de ganhar o circuito com essa idade pode ser uma grande motivação...

 

5 comentários:

  1. Henrique Vasquez9:11 AM

    boa Júlio,

    só vou te pedir para usar mais os parágrafos, já que meus olhos não são mais os mesmos (monitor de netbook)

    Slater desenvolveu poderes no limite do natural, isso é fato. E ainda percebo que ele usa técnicas (mesmo que intuitivamente) que reforçam sua mágica. A coçada no nariz (claim subliminar, mudrah para aliviar a tensão), as batidinhas na água (tambores mágicos para chamar onda). É tudo simbolismo, mandinga e mito.

    Imagino a força mental que deve ter atrás daquela careca, dobrando o universo ao seu favor. Até no quesito sorte ele está muito acima da média. Indiscutível que ele dá muita cagada também. Um mestre faz a sua sorte. Eu olho para esse fedaputa do Slater e vejo um monge shaolin moderno do surfe, ou sei lá.

    Talvez por isso Irons não se abalava. Simplismente não tomava conhecimento de nada dessas "bullshits" e travava sua batalha no plano real, sem psicológias ou psicoseiquelás. Daí as pernas não tremiam, como as de Taj.....Ele até desfazia a sorte do Slater, usando ceticismo, pragmastismo, surfando com tudo até o último momento, vide as virada no Pipemaster.

    A fórmula do A.I. era simples: ir lá e claramente surfar mais que ele e os demais competidores. O problema é ter substância no surfe para fazê-lo. Acredito que TAJ e Joel tinham. Não conseguiram por não terem competência para ignorar a aura slater e por não se adaptarem rápido as mudanças de mar, de ranking, de julgamento, de pressão e etc.


    O cara não só nasceu com um corpo e uma mente feitos para surfar em competições, como os treinou para isso de forma mais competente do que os demais. Usou o lance das gerações completamente a seu favor. Usou a rivalidade a seu favor. Usa todos obstáculos como oportunidade. Inclusive os tocos em que surfa. Nunca se acomodou, coisa difícil para um surfista. Slater disse que antes de baterias importantes, pensa em como vai lidar com aquilo caso perca (em blue horizon por exemplo), ou seja, ele está se preparando para dar a volta por cima sem que ainda tenha perdido de fato. É loucura.


    Além disso, deve ser realmente complicado ser juiz do homem que dá tanta base ao próprio critério de julgamento. Na dúvida, dá-se meio ponto à mais.

    Bem, parafraseando frases valiosas no estilo Adler:

    "o mestre é aquele que, de repente, aprende" eis slater

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  2. Fala aí, grande Julio Adler...
    aqui quem fala é o Lucas que te encontrou no shopping no sábado.
    cara saudades dos tempo de Andy Irons no tour meu ídolo maior no surfe, acho que naquele tempo o tour era realmente dream tour, tinha rivalidade, competição, adrenalina, e acho que os locais dos campeonatos eram melhores.
    Atualmente não tem graça, quando você já sabe que o campeão vai ser o mesmo no final do ano, quando o kelly ganhou do heitor em trestles parei de ver a transmissão, pode até ser que o kelly ganhou a bateria naquela última onda, mas pra mim as notas do heitor foram achatadas, enquanto as do kelly arredondas para cima.
    O kelly é o cara no surfe, mas eu gosto e gostava mais do anti-herói Andy Irons, um cara que falava o que pensava, e não fazia questão de ser o herói da mídia. E que pra mim foi o grande campeão no dream tour quando o mar crescia e em condições pesadas, não esqueço das vitórias dele, na França contra o irmão Bruce, as vitórias em Arica, México, sunset, e é claro as épicas vitórias em Pipeline. Garanto que ele iria fazer uma grande session aqui em itacoatiara.
    Espero que o tour ganhe outro rumo, com novos competidores agora.

    abração

    Lucas Carreira

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  3. Henrique,
    to apanhando dessa nova interface do blogger, por isso o blocão sem paragrafos.
    Tambem não gosto desse jeito.
    Lucas,
    acho que esse momento é um dos eletrizantes desses ultimos anos.
    Andy faz falta mesmo, mas a meninada ta chegando e motivando o Careca.

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  4. Anônimo9:04 PM

    Excelente análise hein Julio, aquela famosa cutucada no tornozelo dos australianos.

    Quanto ao careca, como ninguém chega junto ele vai levando, e como voçê bem falou, ta arriscado ele bota pra baixo em 2012, o negócio iria ficar feio pra mulecada, campeão com 40.

    Abraços,

    Bruno

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  5. Luciano1:52 AM

    Julião, incrível encontrar seu blog cara, não sabia que você também escrevia na net, agora que descobri tá no favoritos e vou checar sempre.

    Putz, que saudade do Steve Hawk. Também achava animal. Faz uns quatro/cinco anos que deixei de assinar a SURFER, outro dia folheei uma na banca e parecia bem ruinzinha, me diga: é impressão ou a "Bíblia" deu uma degringolada? (aliás no mesmo dia folheei uma SURFING com matéria de trocentas páginas de John John e cia. numas direitas verdes enormes no Japão e me pareceu 10x mais atraente que a SURFER).

    Tô ficando alucinado descobrindo a galera do surf na net, li o Power-não-sei-o-quê da Surfline outro dia com umas análises animais do Derek Hind e outra muito boa do Jame O' Brien. Muito legal de ler. O Derek não gosta do estilo do Mineiro e do Jadson mas reconhece a fome dos caras.

    O Fanning deu várias declarações de que para ser campeão ele precisou se colocar numa espécie de universo paralelo, viver em função daquilo por um ano, abrir mão de muita coisa, e que não saberia se faria aquilo de novo. Acho que só foi campeão de novo naquele ano porque o Parko se estourou, senão o Parko levava.

    Concordo muito com o que tu diz dos editorias, e quando o editorial começa mal a tendência é que o resto seja pior ainda, o que resulta (com raras exceções) numa grande preguiça para ler revista de surf no Brasil.

    Cara, acho que tem pouca gente com potencial para derrubar o Careca. O Dane Reynolds poderia se não fosse besta. O John-John consegue ganhar de qualquer um em tubos grandes, o moleque surfa muito mas parece meio desanimado quando não tem tubo.

    O Raoni é o único brasileiro que surfa legal em mar bom, grande, pesado, rodando etc, mas também fica no meio do caminho quando o mar tá normalzinho.

    O Chris Davidson surfava muito no Beyond the Boundaries (aliás que filme, que trilha sonora, meu Deus!) mas pelo jeito era tudo muito editado, porque já vi várias baterias dele e ele emenda não tem constância (aliás, parênteses, você sabe porque o Frankie Orbenholzer nunca vingou no tour? - o cara tinha um estilo muito foda).

    Acho que o Parko vai querer ganhar pelo menos um título. Acho que ele vai apertar no ano que vem.

    Cara, pra te falar a verdade eu vi a bateria do Tom Curren na final do campeonato mundial amador semana passada e acho que ele, hoje, surfa mais (não so um pouco mais, mas 18 vezes mais) do que todos esses caras do tour, incluindo o Careca. Se estilo contasse -- aliás é sobre a morte da importância do estilo que D. Hind fala em sua análise dos tops -- Curren seria campeão até hoje.

    Sobre...

    "Por mais que se propague o discurso que acima de tudo esta a diversão e a sorte de poder ganhar a vida pegando onda, por tras disso tudo tem uma montanha de frustração que come essa gente por dentro".

    Será mesmo Júlio? Sei que tu competiu e viveu isso, mas será que alguns desses caras não estão COMPLETAMENTE desencanados? Eu tinha essa impressão principalmente na época de Slater/machado/Knox/O'Conell e aquela geração de amigos, era insuportável ver os caras todos amigos, um ganhava do outro e depois um parabenizava o outro, completo oposto da geração de Carroll, Curren etc.

    Cara desculpe pela "longuidão" do comentário, grande abraço,

    Luciano

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