terça-feira, dezembro 04, 2007

Band on the run

[Tempestade>Revista Surf Portugal>176]



Band on the Run

Na sua auto-biografia, Wayne 'Rabbit' Bartholomeu diz que perdeu o título mundial de 1977 porque envolvido num filme chamado 'Band on the Run'.
Rabbit tinha tudo apontado para seu primeiro triunfo no recem-criado circuito mundial, liderou a maior parte do ano e estava no auge da sua forma aos 23 anos.
Na etapa final, perna havaiana então com quatro grandes campeonatos (Smirnoff, Pipeline Masters, Duke e World Cup), Shaun Thomsom, um jovem e promissor sul-africano, realizou melhor campanha e sagrou-se o segundo campeão mundial de surfe da era moderna.
Esses são os fatos.
Band on the run não é um filme que será lembrado pelo resultado final, mas pelas histórias (e estórias) que aconteceram longe das câmeras.
A aventura toda começa com Harry Hodge, ou Hollywood Harry, como era conhecido pela sua mania de grandeza, um jornalista com fama de aventureiro que tinha feito um filmeco com relativo sucesso no underground australiano, Liquid Gold.
Harry decide fazer um filme de surfe definitivo, um novo 5 summer stories para o grande público, algo astronômico e megalômano bancado pelo fundo australiano de cinema e a Coca Cola australiana.
Segundo Rabbit, Harry Hodge aproximou-se (entenda da maneira que quiser) de uma secretária do Australian Film Commission para conseguir o financiamento, Hollywood Harry era antes de mais nada um sedutor.
Sem entender muito de cinema, Hodge convenceu Paul Nielsen, Bruce Raymond, Brian Cregan e Rabbit de rodar o planeta em busca de ondas perfeitas, exatamente como fez Bruce Brown quase 20 anos antes.
Paul Nielsen era um representante da escola tradional do power surf australiano, assim como Bruce Raymond, Brian Cregan era um novato que despontava para o emergente world tour e Rabbit já era Rabbit.
Band on the Run seria o primeiro filme com investimento maciço (apoio nas viagens para os surfistas e olhe lá) das pequenas gigantes da Surfwear, Quiksilver e Rip Curl.
Resumindo, a Quiksilver ainda engatinhava nos Estados Unidos, levada pelas mãos do campeão Jeff Hakman e entregue ao seu sócio e amigo Brian McNight de mão beijada. Hakman teve um estalo de intuição e foi atrás dos dois donos da pequenina Quiksilver para convece-los de licenciar a marca para o mercado americano. Hakman tinha acabado de se tornar o primeiro não-australiano a vencer o mais tradicional dos eventos australianos, o Rip Curl Bell's Beach, completamente alucinado de heroína,
A Rip Curl ainda era confeccionada num pequeno espaço improvisado em Torquay.
A trilha sonora do filme vale um texto à parte: J.J. Cale, Van Morrison e Paul McCartney and the Wings com a canção título.
Hodge esmerou-se tanto na escolha das músicas que criou um problema sério para liberação dos direitos de usar sucessos como Cocaine, de J. J. Cale e Band on the run do McCartney.
Agora, imaginem hoje, no meio dessa porcalhada políticamente correta e da ânsia do surfe ser reconhecido como esporte limpinho, imaginem uma canção chamada Cocaine na trilha de um filmaço de surfe ?
A cinematografia do filme acompanha as aspirações do seu diretor, contratando um tal de Jack McCoy, em fase de cisão da sua sociedade com Dick Hoole para cuidar da fotografia de dentro d'água - com o capricho de sempre.
Scott Ditrich, cineasta consagrado pelo clássico Fluid Drive, participou como câmera e editor - é possivel que tenha tambem tirado 'inspiração' para seu 'Rolling Thunder', dizem as más linguas.
Filmando desde 77, Harry Hodge começava a ficar aflito com a falta de roteiro enquanto a nova década se aproximava.
Convidou então o jornalista Drew Kampion, ex-editor da Surfing e conhecido pela visão filosófica que tinha da vida do surfista, para amarrar a narrativa.
Drew veio com a idéia de inventar uma estória nostálgica de um velho surfista (Paul Nielsen com 70 anos, intrepretado por Wal Attwool) que recordava o melhor do seu tempo enquanto o filme mostrava suas memórias: África do sul, Costa Basca, Califórnia e Havaí.
Harry Hodge imaginou o maior filme de surfe de todos tempos, quando começou com um baita orçamento e o que havia de melhor disponível no ramo. O que Harry não imaginou é que toda indústria do cinema iria mudar durante o período que ele faria o filme.
Em 1977 os filmes de surfe pipocavam como espinhas no rosto de um adolescente com péssimos habitos alimentares e a avidez do surfista era insaciável e capaz de manter pequenas salas de cinema cheias por todo verão.
Chegando o final da década, um aparelho eletrônico chamado vídeo-cassete (versão comercial do vídeo-tape usado na emissoras de TV) condenaria à morte os filmes de surfe das salas de cinema e declarava a independência dos espectadores as bilheterias.
Em 82, quando o filme foi lançado, Rabbit já tinha se tornado campeão mundial, a década de 70 já era distante como a pré-história e o surfe profissional explodia de vibrante competitividade.
Em 1982 Simon Anderson não era mais considerado louco e sua triquilha deixara de ser uma piada para virar símbolo duma nova era.
Harry Hodge perdeu tudo isso.
Ele estava lá para registrar o título do Shaun, filmou toda campanha do sensacional título do Rabbit, liderado de cabo a rabo e vencido por antecipação.
Tudo isso ficou de fora porque Harry se apegou demais ao estilo diário de viagem, deixando o filme datado quando lançado e excessivamente romântico para a nova década preocupada em se renovar sem olhar pra trás.
Mesmo assim, Band on the Run foi um sucesso nos cinemas, ainda que distante dos planos de Harry e do orçamento milionário do filme.
Rabbit perdeu um título, o surfe ganhou mais uma lenda.

Um comentário:

  1. Ainda bem, para o surfe, que Rabbitt perdeu um título, que seria seu primeiro, mas o segundo da carreira...

    Ainda bem que Shaun Tomson o conquistou...
    O destino age certo por linhas tortas...

    ResponderExcluir

Diga lá...