Era simples e preconceituosa, como todas boas piadas.
Zé narrava a estória de um congresso de humoristas em Lisboa, chegada sua vez de subir ao palco, anunciou: Vou contar uma piada.
Um sujeito na platéia apressou-se em lembrar ao comediante: Atenção que somos portugueses!
Ao que Zé Vasconcelos respondeu: Não tem importância, eu conto duas vezes.
Piada só é boa se não precisar de explicação. Se precisar de preâmbulo ou posfácio perda completamente a graça.
Meu pai gostava muito daquela do mendigo que bateu na porta do judeu, toc, toc. Jacó atendeu: quem é ?
E o pedinte: Uma esmola, pelo amor de deus...
Jacó: Bota por debaixo da porta.
Pronto, uma de português e outra de judeu.

Divagando (divagar e sempre, aconselha Millôr) pela rede achei duas referências à A.B.O.G. (Associação Brasileira de Baba Ovos de Gringo), solene organização fundada por enstusiasmados jovens em idade para serviço militar num passado nem tão distante.
Me perdoem os velhos amigos mas vou explicar a piada...
Taiu na sua coluna e o editorial da virtual Black Water citam a A.B.O.G. nos seus textos, cada um defendendo a sardinha nossa de cada dia como podem, sem sequer se aproximar da idéia original.
E qual é a idéia original ? pergunta um rapaz na primeira fila, muito educado, com dedinho levantado.
Caetano, certa vez, vaiado por uma platéia, digamos assim, meio filistéia, mandou: voces não estão entendo absolutamente nada, nada, nada...
Nos remotos e intoleráveis anos 80, durante a realização do primeiro Hang Loose, na extinta e encantadora cidade de Florianópolis pré invasão dos bárbaros, foram localizados os movimentos rudimentares do núcleo que geraria a A.B.O.G.
Estávamos todos lá, gregos e baianos (um baiano, inclusive, deixou saudades num eterno vice depois duma noite ardente...deixa pra lá), cariocas e paulistas, Salazares e Tombos em grande confraternização, cercados de belas e edificantes moçoilas com suas roupas provocantes, olhares sôfregos e mais dúzias de adjetivos, substantivos e pronomes possessivos.
Não se enganem, amigos, fomos todos lá com a curiosidade e apetite de quem queria aprender, afinal, fazia quase meia década que aquela turma não aparecia por aqui (pombas! desde 82, bicho) com a última palavra em equipamentos para elementos desviados afanarem sem culpa e fazendo um surfe sobrenatural que deixava marcas profundas (epa!) nas praias do Bananão.
Entendam, caríssimos, que tratamos aqui duma epoca onde o vídeo ainda era artefato raro (custava uma fortuna) e os filmes, escassos como a grana no final do mês.
Chegávamos na praia antes do sol nascer para não perder nada.
Nenhuma onda do Occy, do Gerlach, do Carroll ou do Archbold passava em branco.
Quem não testemunhava, ouvia os relatos depois.
A gente torcia pra ver algum brasileiro surfando no nível dos caras, mas a distância era lunar.
Qualquer gringo que passasse com suas coloridas roupas de borracha mereciam quilos de atenção e demorava até o bom senso prevalecer e concluirmos que haviam, sim senhores, gringos que eram ainda piores do que nossos conterrâneos, custava um bocado esse processo, adesivos impressionavam demais.
As dunas da Joaca acumulavam gente curiosa, grupos numerosos e competidores atrás de um pouco de privacidade para encher os cornos com substâncias pouco recomendadas.
Permanecíamos das 6 da matina até o último gringo sair d'água, observando tudo com atenção, uma verdadeira aula.
Como era aula o Arpoador nos Waimea 5000 (nota: no Arpex, a gringalhada passava de cabeça baixa, malocava a chave bem escondida porque o galo cantava alto. Nêgo limpava o quarto dos caras rigorosamente. Deu mole, não sobrava nem parafina. É bonito isso ? Bonito não, mas engraçado pacas.)
Quem queria alguma coisa a mais do surfe, sentava e assistia com toda atenção- e todo mundo queria antes do advento do soul surf pela mão sacripanta da imprensa.
Aprendíamos tudo sobre equipamentos, manobras, comportamento.
Éramos todos deslumbrados e sabíamos muito bem disso.
Mas, sempre tem um mas para complicar, tinha tambem o outro lado da moeda.
Fina flor da elite catarinense (assim é se lhe parece), respeitem a omissão do nome do sujeito, um dos organizadores do campeonato fazia questão de distinguir bem os dois lados: gringos podem tudo, brasileiros não podem nada.
A praxe colou.

Alguns dos nossos amigos tambem aderiram.
Tem até o notório caso do camarada que insistiu em hospedar famoso surfista estrangeiro na casa dos pais.
Na mesa do jantar, uma bem posta mesa para o ilustre convidado, determinada altura, o conviva solta um sonoro arroto, desses longos, em dois tons.
A matriarca olha horrorizada para o filho que adianta-se em defender seu hóspede: Mãe, tem que ver as batidas que ele dá de backside.
E sempre havia o risco de garantir um agrado, fosse adesivo ou roupa de borracha, dado ou comprado, valia como souvenir.
Ou o ocorrido na festa de entrega de prêmios quando um fã exaltado ofereceu a namorada ao gringo: Brother, pleazzze, my girlfriend, goood, pleazze, very nice bunda, big peitos.
Sempre fomos excelentes anfitriões, desde Dora no Copacabana Palace e Troy no Arpex nos 60, passando pelos espetaculares 70, os execráveis 80, os ainda frescos 90 e os atuais 00.
Antropofagia é coisa nossa, literal e matefóricamente.
A A.B.O.G. hoje já não é mais aquela organização amadora que apenas cuidava de providenciar as melhores drogas e mulheres disponíveis no mercado, atualmente a A.B.O.G. tem tentáculos em toda sociedade, conta em paraísos fiscais, blogues, saites, revistas, grandes marcas e, dizem, até canal de TV.
Seus correligionários acreditam piamente na vinda do salvador, cheiroso e arrumadinho, sotaque caipira anasalado.