quinta-feira, setembro 21, 2006

Califa



O bonequinho do MSN quicava sem parar aqui embaixo da tela: 'Vai começar o vício' dizia ele.
Logo depois, vinha o endereço que me levaria diretamente ao sul da Califórnia, virtual como de costume, assustadoramente real no que resta da memória.
Passei dois meses e meio tentando a vida de 'international surfer' no extinto Bud Tour, aquele mesmo que alavancou desde Dino Andino e Richie Collins até Beschen, Machado e Knox.
O Machado, coitado, ficava sempre em segundo - parecia o Vasco, mas jogando um bolão.
Isso foi, me perdoem a distância, Maio/Julho de 1993, ano da redenção do Derek Ho, justiça feita ao Havaí, mas uma mancha na história do surfe profissional.
Vi o Derek competindo num dos eventos, Imperial Beach, uma água ridícula de gelada, marola safada californiana, praia cheia e locutor babando um ovo federal.
Lembro duma bateria, semi-final, a turma toda reunida no calçadão assistindo o campeonato, já havia uma torcida discreta pro Machado, inclusive entre os brasileiros, pela admiração que causava seu surfe.
Quando anunciavam as notas ficávamos envergonhados pelos juízes mas o profissionalíssimo locutor fazia tudo parecer normal, extasiado em listar todas virtudes do Severino (apelido carinhoso que Derek Ho ganhou aqui no Brasil quando foi confundido com um porteiro e recebeu das mãos de famoso e abastado surfista carioca um molhe de chaves e ouviu: Severino, lava por fora e aspira por dentro, depois passa uma água com a mangueira).
Cada marolinha do diminuto havaiano era precedida com pomposas frases como: Aí vai o Pipeline Master...Pipe é uma das ondas mais perigosas do planeta e esse senhor é um dos melhores do mundo naquele monstro terrível...
E o Derek vinha, batendo prancha, dando aquelas encostadinhas irritantes, esticando até o finalzinho as quatro até a beira.
João Boi, Johnny Boy para os pouco familiarizados, o maior surfista boiola de todos tempos, desfilava sua patada de back-side (ui!) no circuito americano mas, mesmo empurrado (ai...), não arrumava nada - apenas flertes com marombeiros locais.
Na única vez que fui surfar em Trestles, estavam lá todos havaianos, Kaipo, João Boi, Dave 'Boy', Derek, Liam...
Lá fora uns 450 californianos surfando com um leque de embarcações que iam das saboneteiras aos caiaques, pranchinhas, pranchões e o que mais voce seja capaz de imaginar.
Curioso é que a havaianada dominava o pico como se estivesse em Rocky Point, dando voltas e ignorando quem pacientemente esperava onda da série - e o resto aceitava como lei fosse!
Um amigo californiano disse que era respeito, aqui é outra coisa.
Aquilo foi um baque.
Nunca tinha visto tanta gente junta arriando para meia dúzia de gatos pingados.
Fui andando lentamente com minha discretíssima roupa de borracha completamente iludido de que seria possível passar desapercebido com um long-john amarelo limão - nessa época a Mormaii fez uma série de roupas em tons verde néon, amarelo limão-bravo, vermelho tomate com transgênico que nos denunciava, brasileiros, onde quer que estivéssemos.
Quanto papo furado.



Acho que o Taj nunca tinha surfado tanto num campeonato como em 2006 no Boost mobile.
Dá uma olhada na foto acima.
Se não me engano foi na quarta de final contra o nosso Gambazinho querido e a história do WCT muda ali.
Slater logo denunciou: 'Taj atingiu seu auge cedo demais'.
Sabemos o quanto o careca gosta de botar fogo no jogo.
Depois de passar por Parko, a final já estava muito bem definida na cabeça de quem acompanhava pela rede: Era Taj contra Slater.
A revanche.
Desta vez tudo parecia caminhar para incendiar a corrida ao título e Taj finalmente desencantar.
'Taj atingiu seu auge cedo demais'...



Roberto Carlos Slater nunca se sentiu tão bem no circuito.
Fica horas distribuindo autórgrafos depois das baterias, assume com a maior propriedade o papel de comentarista durante as transmissões, não se furta de dizer o que o resto não enxerga.
Com a camiseta de competição tá na sala de casa, copo de uísque numa mão, cachimbo na outra, descansando os pés depois de um duro dia de trabalho.
Essa é a impressão que dá.
Moeu o Joel de tal maneira, que até agora o cãozinho tá perdido lá areia procurando seu dono.



Ninguem acreditava numa vitória fácil do Carlos contra o Joel.
Afinal de contas, Joel nunca tinha perdido pro Slater(retifico aqui, omiti a final em Bell's, como bem lembrou um leitor lá nos comentários em maiúsculas), em quatro confrontos, quatro vitórias do aussie, e na última vez que se enfrentaram, ali mesmo (retifico aqui, omiti a final em Bell's, como bem lembrou um leitor lá nos comentários em maiúsculas), na final de 2004, Slater ficou mais perdido do que cego em tiroteio.
Como surfou Parko em Trestles!
Era o mais agradável e imprevisível de todos, na opinião deste observador.
Cada bateria era um recital.
Esperava por uma grande batalha entre ele e K.S.7.
E o Bede, pergunta o rapaz alto e galante atrás dos seus óculos Eletric.
Sim, e o Bede ?
O camarada conhecido com fijiano branquelo, surfista sorridente e aparentemente inofensivo deixou um rastro de sangue aterrador: Chris Ward, Andy, Taj, Slater...
Isso, vindo dum surfista que sequer se requalificou para o WCT na temporada passada, fascinante o surfe, né ?
A tão antecipada final entre Taj e Slater ficou pra próxima e, acho, surfar contra Bede foi o que mais desmotivou Kelly.
Em toda bateria final ele nem esboçou reação, parecia não se importar, ou ganhava dando show ou não valia a pena - se bobear esqueceu até do recorde que resta quebrar, do Curren, das 33 vitórias.
Antes de acabar, quero dizer que o Vitinho é meu herói e deveria ser herói pra qualquer brasileiro bípede e surfeiro.
Entra ano, sai ano e Victor tá lá, lutando, literalmente, contra a desconfiança, o desprezo, a falta de memória, a falta de dinheiro.
Sempre simpático, ainda fazendo amigos por onde passa, ganhando de canditados ao título na casa deles e deixando sua marca no pódio.
Pena que nasceu em Cabo-frio, não em Ubatuba, ou Maresias, senão seria um dos surfistas mais bem pagos e reconhecidos do Bananão.
Bora pra França agora.