sexta-feira, agosto 20, 2004

[texto publicado na revista Surf Portugal, edição especial sobre Austrália, 2001. Ainda não estive na terra de Oz]

Falzon filma, eu dirijo, M.P. foge da polícia e a caranga solta fumaça suspeita...



Tempestade australiana

'Esse ano faço 35 e nunca estive na Austrália, minha maior frustração como surfista.
Meu sonho é assim:
Tomo dois comprimidos no aeroporto do Rio e acordo já em Sydney, Derek Hynd me espera com a notícia que Michael Peterson aceitou hospedar-me, sem custo, as ondas estão perfeitas em Burleigh e tem um show da Olivia Newton John no Opera House...Opa !?!
Me perdoem, são ainda vestígios do "Grease".
Assim que avisto a casa do M.P. o celular do caolho toca: Julio, é pra voce...T.C. quer te dar boas vindas.
- Howzit mate !?
Tom Carrol passa uns quinze minutos comigo no portátil, conversamos sobre trivialidades como seus 2 títulos mundiais, 3 Pipe Masters, de como um goofy chegou arrasando num circuito de regulars em 82/83, dominação absoluta no Hawaii durante quase uma década, besteiras do gênero...
Fomos interrompidos pela música alta que escorria do quarto do lendário esquartejador australiano, de bermudas, sem camisa e barba estilo Robinson Crusoé.
- You brazilian nut...
Assim me recebia o grande M.P., gordo feito um urso e falando mais rápido do que conseguia surfar em Kirra em meados da década de 70.
- venha cá que eu quero te dar uma coisa.
Para surpresa do Ciclope, recebo das mãos do mestre o poster mais vendido da história do Tracks, o famoso cut back de "Morning of the earth", com a seguinte dedicatória: do mestre ao seu pupilo.
- lucky bastard! Resmunga meu velho amigo Derek.
A Sra Peterson, Joan, mãe do velho e bom Michael, nos pergunta se aceitamos um suquinho para acompanhar o vegemite.
Numa parede da sala, admiro os cinco troféus de Bells ( tres primeiros, um terceiro e uma vitória como junior), logo embaixo o do Stubbies de 77.
Atravessamos a noite discutindo se houve algum outro surfista até os dias de hoje que dominou uma nação competitiva como a australiana.
Não houve.
Desde 72 até 75 M.P. ganhou todos eventos possíveis em Down Under.
Aí então, depois de derrotado num campeonato em 76, amargo e desgostoso, afastou-se do surfe.
Quando a I.P.S ( a A.S.P. da época) resolveu criar o sistema homem x homem em 77, M.P. voltou e destruiu tudo e todos num Burleigh clássico.
Lá pelas 3 da madrugada aparece Nat Young, de blazer, cachecol e sapatos, recem saído de uma propaganda do Armani.
- trouxe mais cerveja! anunciou o Animal.
- Bernard não veio ? perguntei com muita intimidade pelo Midget Farrely.
Deveria ter vindo, assim fechava o ciclo de rivalidades que alimentou OZ por mais de 15 anos.
Dormimos todos sentados, bêbados.
No dia seguinte, 7:30 da matina, Matt Hoy, Luke Egan e Shane Herring buzinam me chamando pra surfar em Kirra, onde Rabbit nos espera. M.P. Resolve ir de última hora e leva uma 7'4'', monoquilha, que ele shapeou em 78.
- nunca gostei dessas duas quilhas, nem de tres...essas merdas acabaram de vez com o surfe.
Sonho é sonho, então as coisas não fazem o menor sentido, como quando aparecem do nada, Mark Richards e Cheyne Horan, entrando numa bateria em Bells.
A rivalidade era tão dura que, no meu sonho, tinha torcida uniformizada. De um lado a rapaziada do clube de Merewether, toda vestida com os logo do super homem no peito e do outro, uma turma mais zen, meditando e comendo couve crua, sem fazer muito barulho.
Mais ao fundo, Jack McCoy filmava com sua equipe de 28 pessoas, num palco improvisado AC- DC tocava Hell's Bells a todo volume e Nick Cave, o seguinte, fumava um cigarro atrás do outro, torcendo por Wayne Lynch.
Elle McPherson me chamou num canto e declarou-se minha admiradora, por ora não poderia fazer nada, justifiquei-me, mas iria lhe apresentar um grande amigo: Mel Gibson.
Na universidade de Torquay, Simon Anderson, cervejinha na mão, explicava suas teorias sobre as 3 quilhas enquanto Ross Clarke-jones e Tony Ray planejavam sua próxima viagem para Tasmânia.
Dentro d'água encontro Jim Banks, que me convida para passar uns dias num pico secret que ele acabou de descobrir na Indonésia: Desert Point.
Peter McCabe escuta o papo e se intromete.
- G.Land está insuportável mesmo!
Volto remando e recebo um banho do surfista mais "power" dos anos 70, Kanga, Ian Cairns - que vendeu sua alma aos americanos e vive, trabalha, como seu parceiro de equipe "Bronzed Aussies", Peter Towned, nos EUA.
Em compensação, o americano de Santa Barbara, George Greenough, mudou-se de mala e cuia pra Australia, modelou uma quilha muito louca e deu de presente pro Nat Young, que ganhou o mundial de 66 e o apelido Animal.
Falando nisso, Nat foi campeão nacional open quando ainda era junior, ganhou o Smirnoff de 71 num Makaha enorme e tinha suas fotos espalhadas por toda parede do quarto do jovem Michael Peterson, antes dele destroná-lo.
Aproveitei o sonho e visitei os fundadores das maiores marcas de roupas de surfe do mundo, Quiksilver, Billabong e Rip Curl, conforme ia passando pelas fábricas, entrevistava-os para cada uma das 4 grandes revistas especializadas que floreiam as centenas de surf-shops com cangurus atendendo.
Um momento solene do meu sonho foi o encontro com Ian Cohen, ecologista, idealista, senador pelo partido verde australiano com 125.000 votos.
Surfista.
A foto era impressionante, um navio de guerra americano, gigantesco, com armas nucleares e tudo mais, se prepara para entrar no porto de Sydney, imponente e ameçador.
Subitamente, um surfista aparece do nada remando em direção ao monstro:
- "remei até nada me separar do navio de guerra. Virei e remei com toda força. Naquelas condições difíceis era imperativo que eu tivesse o precisão na hora do contato. Aguentei até ele aperecer no meu campo de visão detrás. Quando agarrei o casco do navio ele começou a me propulsar junto dele...a pior parte. Eu estava posicionado para "the ride of my life" no porto de Sydney".
A foto correu o mundo, foi capa de tudo quanto era jornal.
O tempo acabava, faltava ainda assistir TV com o Occy, ir ao cinema com a Pam Burridge, mergulhar na grande barreira de coral com Gary Elkerton e tomar uma cerveja com a turma do Alby Falzon.
De volta a casa de M.P. , segundos antes de despertar, ainda escutei a frase mais famosa do ídolo arredio, quando questionado sobre o que o difereciava dos outros surfistas, pelo editor do Track's, Phil Jarrat, 25 anos atrás, M.P. respondeu: "Eu poderia dizer, mas não vou".'

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