No espetáculo “O marco do meio-dia” , Antônio Nóbrega, artista Pernabucano que melhor nos representa, brasileiros, no palco cantando e dançando, acompanhado da mulher e filhas, homenageia três grandes brasileiros que colaboraram de alguma forma pra criar essa identidade que temos hoje como povo.
Os homenageados são Aleijadinho, Bispo do Rozário e Garrincha.
Se no meio do surfe houvesse alguma justiça, Maria “Tita” Tavares teria lugar parecido no nosso Olimpo de heróis.
Começa pela pisada: firme como um poste. Seu porte compacto lhe proporciona muita força sem muito esforço e menos braços, quebradas de pescoço, para rebolar em cada manobra.
Vem logo Tom Carroll à cabeça.
Sólido.
O azar de Tita foi ter nascido pobre, baixinha, parda e nordestina.
Num mercado dominado pelo padrão beleza importado, Tita nunca teve o espaço duma Lisa Anderson.
Histórias como a da Tita são bonitas apenas nos documentários feitos pelos estrangeiros, quando o caldo já desandou faz tempo.
Tetra campeã brasileira de surfe profissional, primeira mulher a tirar uma nota 10 na ASP, bicampeã do WQS em 2000, maior recordista de títulos e façanhas nesse pequenino mundo do surfe feminino brasileiro, Tita recupera-se, no ostracismo, de doença séria.
Não fosse Calunga, seu conterrâneo, verdadeiro ativista social do surfe nordestino, ninguem saberia do paradeiro da Tita.
Calunga ajudava Tita levando-a ao médico e custeando exames, silenciosamente solidário.
Poucos sabem que Calunga e mais 3 amigos fundaram em 2010 o Instituto Povo do Mar (IPOM - http://www.ipompovodomar.org.br), uma ONG que se propõe auxiliar comunidades carentes em Fortaleza.
A primeira escolhida foi a favela do Titanzinho, onde mora Tita.
Mas não é sobre o Calunga esse texto, é sobre a Tita.
Lembro de vê-la ainda novinha surfando em Maracaípe, anos 90, fiquei assustado com a elegância da menina em cima da prancha.
Tita carregava muito da influência do Fabinho Gouvêia no jeito de surfar, era um choque constatar que uma garota era o mais próximo, em estilo, que tínhamos do nosso melhor surfista.
Quando Tita foi ganhar o mundo no circuito mundial, depois de ter sido campeã mundial amadora em 1993 na Venezuela e vice no ano seguinte, o ranking era completamente dominado pelas louríssimas e branquíssimas Lisa e Layne.
Demorou um pouco para embalar, em compensação, quando embalou foi difícil parar.
A cearense que nunca tinha visto onda muito maior de metro e meio, foi ganhar um evento logo no paraíso das ondas grandes, o OP Hawaiian Pro, em 1997 no Havaí.
Gostou tanto que repetiu o feito no ano seguinte, não sem antes vencer duas etapas seguidas do WQS.
Em 2000, Tita ganhou novamente dois seguidos, o Gunston em Durban, na África do Sul, e o US Open na Califórnia.
Tita serviu de inspiração para uma menininha que viria tambem do Ceará, grande celeiro, para o Rio de Janeiro e do Rio de janeiro para disputar o título mundial com as melhores do mundo.
A menina chamava-se Silvana e hoje é uma mulher.
Silvana não seria possível sem uma gigante como a Tita antes.
O nordeste tem uma capacidade enorme de produzir talentos, mas tambem é capaz de cuspi-los cedo demais, sem estofo para enfrentar a crueldade da vida solitária dos campeonatos de surfe.
Tita foi direto da favela para os pódios, sem dó nem piedade. Ninguem a alertou que lá fora não entendiam, nem queriam entender, o que ela queria ou precisava, que era cada um por si e o último apaga a luz.
Em artigo recentemente publicado no saite TheInertia, o autor, Tetsuhiko Endo, lembra que em 1995, em plena disputa do título mundial profissional feminino, entrava em cena um concurso de miss biquini e todos viravam de costas pro mar e as atenções voltavam-se para as rabetas - fora d'água.
Tita, do alto dos 1.50 metros, enfrentou, com dignidade, esse tipo de constrangimento nos circuitos nacional e internacional, sempre recebendo menos atenção - e grana, meu chapa.
Com 36 anos, seria bacana escrever sobre os dias de glória da cearense baixinha que tanto nos encheu de orgulho, no entanto, como tantos outros atletas que são esquecidos, Tita precisa de cuidados.
Em tempo de tantos alarde sobre a quantidade de amigos (virtuais) que fulano tem no facebook e da propagação dessa tal irmandade (virtual) que temos no surfe, gostaria de ver a turma compartilhando um pouco de compaixão com uma irmã tão querida.
Texto de uma precisão constrangedora para nós, surfistas.
ResponderExcluirparabéns, abs
comentário acima é meu. Abs, Tulio
ResponderExcluirO texto é até bom, mas não deixa de ter o preconceito característico dos sulistas:
ResponderExcluirO azar de Tita foi ter nascido pobre, baixinha, parda e nordestina.
Mandou Adler, Mandou péssimo nessa frase ai !!!!
Marreco, mais um daqueles artigos que nos enchem de felicidade de ler os seus textos contundentes e inteligentes...
ResponderExcluirE que nos enchem de tristeza pela mais dura realidade dos fatos.
Gustavo, infelizmente, você não entendeu o contexto, o que é uma pena...
Fortes Abraços,
Lucio Mello.
hoje em dia as empresas preferem patrocinar a claudia gonçalves que é bunitinha e tem um programa no off do que a tininha que surfa pra caceta mas é índia....hoje em dia nao, sempre foi assim...
ResponderExcluirE aí Júlio.
ResponderExcluirMais um texto ótimo, mas dessa vez não posso dizer irrepreensível porque acho que há uma informação errada: em 93 o que a Tita ganhou na Venezuela foi Panamericano e não Mundial Amador. Acho que o mundial ela só ganhou em Maracaipe em 2000.
Um grande abraço e desejo de atualizações mais freqüentes - gosto de pensar.
dr. russo
Emocionante texto, e muito justo! Parabéns!!
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