sexta-feira, janeiro 14, 2011

Ocio dispersivo


Foto do lendario Ron Stoner, afanada do Surf a Pig

Divagar e sempre (Millor Fernandes)

Andando devagar eu atraso o fim do dia, escreveu Manoel de Barros num dos seus delírios conscientes.
Um homem de mais de 90 anos que buscou o ócio para poder se dedicar as palavras, esse é Manoel de Barros.
Na declaração que deu ao surfista e tambem poeta Pedro Cezar no premiado filme Só Dez Por Cento é Mentira (Pedro Cezar, 2009), Manoel diz com todas as letras que passou a vida tentando conquistar a independência financeira para definitivamente se tornar um vagabundo profissional.
Escrevo de novo, desta vez com mais destaque para o leitor assimilar melhor- Vagabundo profissional.
Um surfista identifica-se na mesma hora com essa atribuição.
Camarada ganha dinheiro para não fazer nada?
Ou por outra, o sujeito inventa um jeito de não fazer nada e ganhar algum.
A ideia, ainda hoje, soa subversiva.
Em 1935, quando o filosofo Bertrand Russel reuniu num livro 15 artigos que levaram o título de Elogio ao ócio (Sextante, Rio de Janeiro, 2002), o mundo ainda não estava pronto para conhecer os benefícios de não fazer nada.
Russel pregava contra o que ele chamava de cultura da eficiência que dominava a sociedade d'então. Matemático, educador, escritor, polemista de primeira e laureado com um prêmio Nobel, Bertrand Russel podia ser tachado de qualquer coisa, menos ocioso.
No entanto, O Elogio ao ócio ensina ao leitor justamente como aproveitar a vida de maneira mais prazerosa e é aqui que entramos…ou ainda não.


Gracias@Todd Glasser

A oficina do diabo

O velho ditado sempre avisou que o ócio é a oficina do diabo. Ou seja, se você fica muito tempo sem produzir, trabalhar, acaba fazendo besteira.
Russel sugeria uma redução da jornada de trabalho para quatro horas diárias, sobraria assim tempo suficiente para o lazer e bem-estar do homem comum.
E ia mais longe, apontando que a civilização não seria possível sem o ócio e que trabalho demais só ajudava pra deixar as pessoas mais infelizes e levava até, pasmem, a guerra.

Dentre todas qualidades morais, a boa índole é aquela de que o mundo mais precisa, e ela é resultado da segurança e do bem-estar, não de uma vida de luta feroz. Escreve ele no final do capítulo que dá nome ao livro.
Por isso vemos hoje tanta propaganda com surfe no primeiro plano.
Por algum motivo estúpido, surfistas ajudam a vender seguros de saúde, carros e cartões de crédito, sempre com a promessa duma vida livre, leve e solta.
Talvez isso tenha sido verdade 30 anos atrás.




Nosso mundo de frivolidades

Quando tinha 25 anos acreditava firmemente que surfistas eram pessoas especiais, quem sabe mais evoluídas.
Achava que todo tempo que passamos contemplando as possibilidades do vai e vem do mar nos deixava mais reflexivos e maduros, talvez melhores, como certa vez disse Shaun Thomsom numa declaração que tomei o cuidado de recortar e colar na minha parede.
O tempo tratou de me convencer do contrário.
Muito antes da popularização do surfe ja percebia que os canalhas têm tanta facilidade pra surfar quanto um sujeito de caráter.
Talvez essa tenha sido minha primeira grande decepção com, digamos, a comunidade.
O surfe como qualquer outra atividade agrega e aceita todo tipo de gente.
O surfista e pintor Sandow Birk escreveu um artigo criticando a celebrada obsessão das ondas, que faz com que Homens de 40 anos que deveriam estar no ponto alto das suas carreiras profissionais, estejam limpando o chão das surf shops em nome dum estilo de vida super-estimado em torno do surfe.
O ócio, por vezes, corrompe.
E o mesmo Sandow Birk escreveu um conto numa das grandes edições anuais da Surfer sobre um náufrago que vai parar numa ilha repleta de frutas e peixe, totalmente autossuficiente e com uma onda perfeita na frente.
O cara se salva usando sua prancha de surfe, ou seja, tinha onda, comida pra sempre, sozinho.
Só não tinha ninguém pra partilhar isso…
A história é escrita quando ja se passaram 20 anos do naufrágio, as ondas estão novamente perfeitas e o camarada tá a beira do suicídio.
O ócio, ali, enlouquece.



Descansado

De volta ao Betrand Russel, o filosofo acredita que momentos de despreocupação e diversão são especialmente importantes na educação dos jovens. De outra forma, as crianças se tornariam apáticas, infelizes e destrutivas e perderiam o gosto por objetivos mais amplos e profundos.
O ócio, aqui, educa.
Passei esse tempo todo tentando dizer que o melhor tempo perdido é o tempo perdido com diversão.
Manoel de Barros se diverte fazendo poesia.
Russel divertia-se com números.
Sandow Birk pinta.
Eu e você, surfamos.
E lemos!

9 comentários:

  1. Eu e você, surfamos.
    E lemos!
    E, complementando, escrevemos!

    Grande abraço!
    Lohran.

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  2. Anônimo10:21 PM

    Boa Julio!!
    abs
    Caico.

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  3. "Viver é desenhar sem borracha" já diria o Millor!
    Tamos aê...
    fazendo nossas linhas gratuitas do lado de cá do horizonte; reordenando sílabas; mergulhando em goiabadas e sucos e heinekens.
    Que bom poder reler esse texto. Dessa vez com suas interferências (e arbitrariedades) visuais.

    abração

    Ppu

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  4. Julio... que texto cara, parabéns.

    Tem algo que eu li uma vez que tem uma boa relação com seu texto. Mais ou menos assim:

    "Quando ele passar com seu carro importado e, em direção ao seu trabalhao de 12hs, olhar para uma pessoa qualquer sentada no banco de uma praça e sentir inveja, neste dia, vai perceber o que é a felicidade".

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  5. marcus5:15 PM

    "O executivo Claudio Galeazzi completou sua missão na presidência do Pão de Açúcar em março do ano passado e disse a si mesmo que, aos 70 anos, chegara a hora de dar adeus à vida corporativa e cair na estrada. Com bermudas em vez de terno, mergulhou no projeto de conhecer paraísos litorâneos mundo afora. “Era praia todo dia, aqueles coquetéis malucos...”, diz. Acredite, Galeazzi andava surfando. De long board, o famoso pranchão. E animou-se, no Ceará, a aprender kitesurf, modalidade em que a prancha é puxada por uma espécie de pipa, o que permite acrobacias aéreas. Depois de uns poucos meses nessa vida boa, porém, começou a cansar. E foi fisgado pelo mais graúdo dos peixes do mercado financeiro brasileiro."

    enfim, independente da atividade, que pode ser (sim!) trabalhar muito, mesmo em métiers que exigem intelecto continuamente afiado, desafios emocionais, gestão de grana e, principalmente, gerenciamento de egos, o que importa, para os que já garantiram sua manutenção acima do nível de sobrevivência, é a busca da satisfação(sem dolo a terceiros)...

    tem nego que sofre com o ócio e, apesar de ter gente com a opinião formada de que isto seja por questões culturais, sua natureza indócil o leva a piração e o caboclo vai para internet encher o saco dos outros...

    agora um pouco mais sério. o referido texto do Russell tá mais para a sátira, não só pelas referências que ele faz ao efeito econômico - inequivocamente enganoso, mas mais por tratar "good nature" como algo provocado pelo ambiente, ou seja, uma contradição em si. se bem que o camarada chegou a acreditar nos soviets...


    um abç p/ Marreco

    ;^))

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  6. Não há nada que um bom dia de ócio não cure!
    Parabéns pelo texto Julio, muito bom!!!

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  7. Pedro Quadros5:15 PM

    Olá Julio, muito bom este teu texto Nosso Mundo de Frivolidades. Já o tinha lido há tempos na Surf Portugal e tocou-me o teu comentário sobre a perspectiva que nós surfistas temos de nós próprios como uma tribo especial, de gente de mente mais aberta, generosa, atenta á natureza, etc. Também há entre nós pessoas destas (felizmente),mas certamente também há canalhas, como em todos os grupos/tribos humanas.

    Não vivo do Surf, nem para o Surf, mas este tem um papel muitissimo importante na minha vida : conheci a minha mulher dentro de água, o melhor emprego que tive consegui-o graças a um amigo surfista português que, curiosamente, conheci aí no Rio....

    Abr
    PS - Sou aquele a quem, no ano passado em Peniche, me emprestate aqueles filmes classicos. Mais uma vez muito obrigado.

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