sábado, dezembro 04, 2010

Diario Habaiano 2,3 e 4


A furia

Neco se aproxima enfurecido, bufando. Arremessa suas pranchas com raiva no chão e solta um grito gutural.
Merda!
Um ano inteiro pra isso!

A frustração é tão intensa que pode ser sentida de longe.
Sunset é a ultima chance pra muitos surfistas que batalharam um ano inteiro atras de pontos, grana e, por que não ? grana.
Neco precisava de um resultado milagroso e deixou escapar.
Um dos nossos maiores surfistas de sempre terá a dura tarefa de começar de novo, logo ele que recomeçou tantas vezes.
Na outra ponta, dos que estão chegando com tudo, Alejo Muniz esbanja confiança e mostra uma postura diferente da que estamos acostumados.
Alejo é focado, palavra chave para os aspirantes, serio sem parecer serio demais.
Acaba de fechar um contrato de sonho com a Nike 6.0 abandonando seu patrocinador de menino, Quiksilver. Precisando dum resultado para se classificar para o World Tour de 2011, Alejo parece ter nascido pra isso, vencer - e ainda estamos no começo da carreira do rapaz.
Depois de quatro dias sem campeonato, Randy Rarick decidiu fazer baterias simultaneas em Val’s Reef e Kammies ja que Sunset point ainda não tem força para quebrar.
Val’s Reef parece um pouco com a onda de Itauna, Saquarema, quando quebra a direitinha que a fez famosa nos anos 70.
Deve ser por isso que Raoni Monteiro se adaptou tão bem.
Raoni é um dos que tambem precisa dum resultado excelente em Sunset para coroar seu ano com a classificação para o WT.
Com as derrotas do Dusty Payne, Cory Lopez, Medina, Cardoso e Whitaker, Raoni agora tem a grande chance de entrar na mais disputada vaga da recente historia do novo circuito.
Quem se preocupa com o resto ?
Joel Parkinson e Mick Fanning, digo eu, dois viciados em titulos, Joel defendendo o da triplice coroa e Mick fungando no cangote.
Com previsao de marola para terminar Sunset, toda apreensão fica pra Pipe.

A Retomada

Logo apos a formidável vitoria do Raoni em Sunset, encontrei com um dos juizes da ASP na ciclovia e o parabenizei, fico feliz que voces tiveram coragem de dar a vitoria pro Raoni.
Na mesma hora seu olhar mudou, ele me encarou como alguém que queria muito contar algo secreto, algo que eu deveria saber, mas talvez não...
Estamos tão acostumados a perder no ultimo minuto, suado e injusto, que quando finalmente vencemos a sensação de alivio é gigantesca.
Cara, foi por pouco…la em cima o negocio ficou esquisito… confessou o camarada juiz enquanto se afastava.
Fui ver as notas e constatei que dois juízes queriam muito que o sonho australiano se concretizasse.
Um deles chegou a dar 7.3, nota de precisão cirúrgica, dado que Julian precisava de 7.2.
Não atrapalhou o fato do Raoni ser patrocinado pela mesma marca que oferecia o evento, O'neil, caso contrario superar o peso do nome do Julian Wilson seria tarefa ingrata.
Raoni passou um ano e meio sem patrocínio, bancando o circuito do seu próprio bolso e foi fisgado pelo ex-editor da Fluir e atual diretor da O'neill no Brasil, Adrian Kojin, para ser o principal surfista da equipe no país e não decepcionou seus novos patrões.
No seu primeiro ano, ganhou o evento mais importante da temporada e de quebra meteu o pé na porta da classificação (esta em 29 no one ranking) e ainda pulou para terceiro lugar no ranking do Triple Crown, tudo num dia só.
E não só isso, no caminho até a final Raoni ganhou duas vezes do Mick Fanning e uma do líder do Triple Crown Joel Parkinson.
Logico que vão dizer que Sunset tava marola entre outras coisas, pouco importa, Raoni não precisa provar que é capaz de surfar ondas grandes com o mesmo entusiasmo.

Encerrada a final, fatura resolvida, o mais empolgado dos brasileiros na areia era Neco Padaratz.
Mesmo depois de ter perdido e ficar devastado pela desclassificação, Neco encontrou energia pra assistir de pé a final e nem esperou Raoni sair d'água para dar um forte abraço no campeão.
Nesses momentos podemos ver a dignidade de determinados homens, na genuína alegria de ver um amigo triunfar na mais importante arena do WQS.
Neco ainda era um moleque em 1991 quando Gouveia ganhou esse mesmo evento em Sunset.
Quase vinte anos depois um brasileiro vence no Havai - estamos aqui e viemos pra ficar.


Eddie, eu e Dudu

Enquanto Raoni celebrava seu titulo, muito próximo dali acontecia a cerimonia mais importante da temporada havaiana, a abertura do Eddie Aikau.
Deixamos Sunset em direção a Waimea de carona com um amigo residente ha 10 anos no North Shore.
Rodrigo se confunde fácil com os locais, pele morena, cabelo escuro, fala mansa.
Chegamos tarde pra assistir os maiores surfistas do mundo de ondas grandes enfileirados com suas gunzeiras, mas a tempo de filar uma bóia com cerveja Primo.
Kalua Pig, Poi, Pupus, Poke, Pork Lau lau, Lomi lomi Salmon faziam o banquete da rapaziada e parecia que toda ilha estava la no congraçamento.
Depois de me servir, sentei-me numa das grandes mesas debaixo da tenda e percebi uma simpatica careca alguns metros da gente, era um sorridente Kelly Slater, recem chegado na ilha e de pança cheia.
Tom Carrol, Buttons, Sunny e qualquer surfista com alguma importância para o surfe em ondas grandes nos últimos 40 anos estavam la.
Na quarta cerveja, a ficha caiu.
Essa é a primeira vez que assisto um campeonato no Havai, um brasileiro ganhou depois de quase 20 anos, minutos depois, la estou eu em plena cerimonia do Eddie, dividindo a mesa com os malandros que acostumei e admirar de longe e a banda havaiana de Reggae toca Roots Natty roots.
Nós não merecemos isso.
Ou melhor, merecemos sim - e mais!
Que venha Pipe.