
Dada em grande fase
Ao assistir o episódio nº 09 de “Series Fecham,” tive o prazer de encontrar os amigos Marcelo Andrade e Marcos Bocaiúva falando sobre diversos assuntos. Fiquei contente ao ver que o Marcelo ainda se lembrava do que Dadá aprontou em 1988, durante o TDK Gotcha Pro no Havai. Isso me trouxe boas lembranças.
Eu estava morando na California naquela época e por lá o Scott Farnsworth estava literalmente na moda. Alem de campeão mundial amador, era pintoso e tinha saído na capa da mais glamorosa das revistas americanas de moda. Desde aqueles tempos, a América planejava um super-campeão que poderia brilhar nas praias e nas telas, um surfista bem sucedido, boa pinta e educado. Um cara ao estilo “come rider” hollywodiano que projetaria o surfe para alem de suas “limitadas fronteiras”. Curren não servia, era introspectivo demais e cagava para o jet-set. A californiana Rusty tinha o Occy, mas ele também não servia, era australiano e meio porra loca. Seria como soltar um crocodilo no meio de uma festinha de Beverly Hills. Então, como Scott era da Rusty, goofy e bonitão, resolveram que ele tinha um que de Ochiluppo em seu surfe. Estavam tentando empurrar esse pacote e muita gente já começava a embarcar. Agiam, naquela época, como fazem hoje essa turma “muderninha” de recursos humanos de nossas empresas privadas, ou na versão autônoma, os head hunters.
Transformaram a promessa David Eggers em uma máquina competitiva tão eficiente que piraram com o garoto. A América estava deslumbrada com o poder do marketing. Aliás, eles já tinham a malícia de misturar marketing com recursos humanos, coisa que estamos penando até hoje. As campanhas eleitorais que o digam.
Enquanto nós, por aqui, ainda engatinhando, tinhamos que aturar os cartolas do Flamengo tentando empurrar o Bujica como o novo Zico, eles já sabiam transformar Ronald Reagan em presidente. Ora, então seria mole fazer de Scott, a vítima da vez, que era até bom surfista, no sonho americano do surfe.
Foi nesse cenário que resolvi dar uma esticada até o Havaí.
O TDK Gotcha Pro era de fato um grande campeonato e não sabia que a tal da Sandy Beach se tratava de uma onda tão complicada. Chegando lá encontrei o Valério, Dadá e Eraldo. Perdemos cedo, mas o Dadá seguiu em frente. Lá pela terceira ou quarta fase, com sol e praia cheia, Dadá se preparava para disputar uma bateria contra Scott Farnsworth, Cris Frohoff e mais um que não lembro. A maré estava cheia, as ondas de quase meio metro quebravam no outside, enchiam e iam formar novamente na beira. Dadá e mais um optaram pela beira e outros dois preferiram tentar o outside. O nosso herói tijucano estava quebrando as marolas da beira, mas pegava várias ondas iguais. Fiquei com medo do julgamento, Scott estava surfando bem e era sempre muito bem julgado. Os dois surfistas do outside vinham matando barata e quase conseguiam conectar uma boa onda até a beira, o que também poderia complicar. Na arquibancada, alertei o Valério do risco desnecessário e perguntei se poderia dar um toque no Dadá para ele tentar o outside. Corri até a beira e peguei o Necrose pelo braço:
- Calma! Chega de pegar onda aqui na beira. Você tá bem na bateria, vai lá pra fora pega uma, conecta até a beira e acaba logo com essa porra antes que te enfiem o garfo.
A praia estava lotada, tinha muita gente ali na beira assistindo aquela cena. Não é como hoje que brasileiro faz parte do espetáculo. Olhavam para nós e, por eliminação, tentavam descobrir: anglo-saxão não, mexicano não, muito moreno para europeu. Éramos estranhos para eles e o Dadá então, com suas cruzes, caveiras e braços que iam até os joelhos, era de fato um bicho de outra galáxia.
Foi divertido, ele se sentiu a vontade, pegou a primeira que veio, conectou com facilidade, sem pular na prancha. Fluido, arrebentou a onda com muita velocidade do outside até a beira. Senti que o locutor e o público ficaram meio assustados, a fatura estava liquidada. Mas ai é que agente se engana. Do lado direito, Sandy Beach é interrompida por uma espécie de molhe de pedras, ficando uma outra praia ao lado meio esquecida. Eu mesmo confesso que nem tinha reparado naquela praia. Dadá voltou e pegou a segunda. Em vez de vir conectando até a beira, conseguiu imprimir uma velocidade absurda de front side na esquerda e, mesmo com a onda enchendo, seguiu na ondulação e passou para a outra praia, destruindo uma esquerdinha que se formou do outro lado das pedras. Foi uma situação inesperada, bizarra! O locutor começou a gritar;
- Look! Unbelievable, crazy dadafiguiridou! Where is he going?!
O público que estava na praia, beach park, arquibancada e área vip se levantou e virou o pescoço para tentar ver por cima das pedras o que aquele doido aprontava do outro lado. Foi um momento surpreendente, a galera aplaudiu de pé. A Kombi passou e levou os gringos. Ninguém ali lembrou da capa da revista de moda. Naquele dia, a sociedade americana entrou em necrose social. O sonho americano deu lugar ao pesadelo tijucano.

Lobo levantando sua Hotstick orgulhoso no Havai

Competindo em Sandy Beach, topete new wave...
"Dedico este texto ao grande amigo,surfista e tijucano, Mauro Lopes.
Aproveito para agradecer por todo o apoio que tem me dado."
Ricardo Lobo