
{Lobo mandou mais um texto pro Goiabada e do jeito que vamos, vira colaborador frequente.}
O mar estava bom em Ipanema. A água gelada e o nevoeiro afugentaram a galera, que mal conseguia enxergar as ondas. Liguei para o Júlio e Mellin para ter companhia naquele domingo, mas ambos deviam estar viajando. No calçadão, encontrei Marquinho Fanho¹ empolgado com os tubos correndo livres.
Surfamos sozinhos por duas horas, eis que surge de dentro do horizonte uma figura espantosa.
Cabelão, barba, vestindo uma espécie de pano ou bermuda toda rasgada para encarar aquela água gelada, o velho do longboard parecia vir de outro mundo.
Ficamos tensos com a aparição daquela entidade. Para amenizar o clima, resolvi tentar dar uma descontraída:
_ Por acaso o senhor é o pai do Donavon Frankenreiter?
_ Eu sou o Pai, o Filho e o Espírito Santo_ respondeu soberano.
De sacanagem, eu ia dizer “Amem”, mas amarelei. Cá entre nós, confesso que sempre me borrei de medo dessas coisas, desde que fiz a brincadeira do copo. Nessa altura, os olhos de Marquinho brilhavam com aquele momento mágico, com o surgimento daquela figura vinda do Céu, ou do nevoeiro, tanto faz.
_ Senhor, Tenho tantas indagações a fazer? _emendou Marquinho, extasiado com o encontro divino que lhe abençoava.
Fiquei comovido com a emoção de Marquinho. Para quem não sabe, Fanho foi menosprezado por seu criador que, a contrario sensu, afirmou que se o Brasil tivesse sido colonizado pelos ingleses, ele seria um cara “bem apresentado, educado e formidável” como Mick Fanning. Então, ali estava a grande oportunidade para ele passar a história a limpo.
_ Senhor, porque você puniu o Brasil com uma colonização portuguesa?
_ Marquinho, não foi uma punição. É uma longa história. Aqui, no meio dessas ondas não dá. Vamos ali para o Bar Vinte que entre uma caipirinha e um bolinho de camarão eu explico tudo.
_ Mas Senhor, como podes falar assim?
_Marquinho! Eu sou Deus² mas não sou santo, e as caipirinhas do Bar Vinte são divinas.
Ufa! Que alívio! Deus era um tremendo gente boa. Cara sensível, super atencioso com as angustias do Fanho. Como não perderia, por nada, aquela história, emendei de prima:
_ Vamos com tudo e deixa que o dízimo fica por minha conta.
Fanho não gostou e pediu mais respeito com o Todo-Poderoso.
Depois de várias caipirinhas servidas em uma mesinha na calçada do Bar Vinte, apreciando a natureza abundante que por ali aflorava, Deus começou a pregar:
_Isso que é terra boa! Olha só quanta curva, quanta bossa. Vocês vivem reclamando. Queria ver o tal do Poetinha falar de amor se inspirando nas paralelas bundas canadenses ou australianas. Olha que beleza de bagunça que os portugueses fizeram com a ajuda dos negros e índios. Olha quanta Deusa!
Fanho, obcecado por suas desilusões, insistiu:
_Mas Senhor e o meu caso? Eu queria ser o Mick Fanning? Porque o castigo da colonização portuguesa?
_Marquinho..., não foi um castigo. Naquela época eu estava devendo uma para o Cabral, que ajudava muita gente com seu comércio marítimo. Como ele andava estranho e solitário no convés de sua caravela, sempre murmurando... “as índias, as índias...”, resolvi dar uma força pro cara e então mudei as correntes. Você sabe, desde aqueles tempos as índias mais gostosas viviam no Brasil.
_ Meu Deus! Então o Senhor errou?
_ Não! Na verdade eu não tenho culpa. Cabral estava a perigo, não podia imaginar que ele se referia à Índia, o país. Alem do mais, se eu tivesse mandado os ingleses pra cá eles teriam dizimado os seus antecessores e você não seria nem Fanho nem Fenning. Então, de graças a mim! Mandei os patrícios e eles namoraram a sua tataravó, que com todo o respeito, era uma delícia de indiazinha.
_ Mas Deus, como o Senhor reconhece o equívoco, poderia consertar a história e recolonizar o Brasil como colônia inglesa?
_ Marquinho, meu filho, eu também pensava assim, tanto que tentei. Peguei um pedaçinho do Brasil que vocês chamam de Barra da Tijuca e fiz um teste. Não tem jeito, olha só no que deu!
Nota de Rodapé:
1 – Marquinho Fanho é criação do surfista e escritor Fred D’orey, em seu livro “Outras Ondas” – Editora Gaya – págs 74/77
2 _ É bom deixar claro que o Deus aqui presente não pertence a nenhuma religião. Na verdade, peguei emprestado do Veríssimo em sua coluna de domingo, em crônica intitulada “Uma mãozinha”, dia 21.03.2010, do jornal “O Globo”.
Ricardo Lobo