sexta-feira, agosto 15, 2008

A Falência

Existe um risco enorme quando se escreve em cima da pinta, pra usar uma expressão emprestada do futebol.
Pouca gente domina a arte de opinar. Eu, tô longe, sou muito medroso.
Então espero, fico ruminando, converso com um, converso com outro... e as idéias tomam forma de um comprimido efervescente.
Li pacas sobre a quarta vitória do Slater. Neguinho escreve muita merda.
Falta olhar com mais atenção pra água, cada dia mais difícil com essa maneira rasa de analisar as coisas que prevalece.
Aproveito a calmaria para escrever duma vez só sobre as duas etapas.

A Direita



Mineiro firme na disputa pelo top 5

'Os caras tão surfando pior do que em 1996. Não acha ?'
Marcelus disse aquilo com tanta certeza que me forçou a franzir a testa e lembrar de cada detalhe do primeiro WCT em J. Bay.
Estávamos lá no processo de tentar esticar a série Cambito para o número 3, desta vez com viagens internacionais e imagens digitais com a recem lançada VX 1000 da Sony.
Acordávamos ainda escuro e bem antes do primeiro raio de sol Marcelus já empunhava a câmera na esperança de documentar uma onda que ninguem mais viu dum Occy, um Slater, um Sunny, um Dornelles (por que não ?).
Ninguem era capaz de remove-lo da seu lugarzinho de estimação, ao lado da rampa em Supers, um pouquinho mais embaixo.
Eu providenciava para que nada faltasse: água, café e biscoitos pela manhã, cerveja e sanduíche à tarde e papo furado todo tempo.
Foi naquele ano que Slater apareceu com um toco amarelo do Al Merrick que nem ele foi capaz de gostar, custou-lhe a primeira fase em 6 pés perfeitos de Jeffreys.


Taylor e suas bordas cravadas n'água. Quem mais nessa categoria ?

Dean Randazzo debutava no circuito com o desempenho da sua vida, 28.25 no total de 30, quase 9.5 de média nas tres ondas que contavam, deixando Rob Machado no auge do seu irreverente back-side, fatiando e sumindo com movimentos que ainda me causam um certo desconforto quando tento imaginar meu corpo naquela situação - Rob fez 26.9, quase 9 de média por onda.
Se não me engano, os dois tiveram notas 10. Na primeira fase, na mesma bateria!
Que campeonato.
Occy estava um primor, desenhando aquilo que nem é curva nem arco, é qualquer coisa de intermédio (Olha o Mário aqui!), num drive, parecia pesar 300 kilos perto dos outros, mas leve! Leve...
Luke Egan tambem estava na ponta dos cascos, um dos poucos que atraíam a atenção do companheiros de WCT. Suas sequências de manobras nas paredes de J. Bay lhe renderam um terreno no Country Feeling de sei lá quando, talvez o único surfista do mundo alem do Ogro Occy a vencer em J. Bay.
Chris Gallagher, um bom chapa de Santa Cruz, foi outro que teve um dos seus grandes momentos nesse evento.
Na segunda fase, ainda num mar clássico, talvez as melhores ondas de toda competição (aqui a sorte do Slater de precisar surfar novamente...), Chris conseguiu 27 pontos contra Michael Rommelse, uma média rara mesmo pra hoje e dia, se formos reduzir para duas ondas, 18 pontos, dois noves, no mínimo.
Munga Barry quase alcançou os tão almejados 30 pontos.


Variações dum mesmo tema

Nunca mais esqueço: décima primeira bateria, contra Shane Dorian, a turma toda sentada naquele anfi-teatro natural que é Jeffreys, bem no meio do dia, maré certinha, ondas de fazer babar qualquer marmanjo, viajado ou não.
Na nossa fantasia, Dorian era favorito, sequências de arrasar quarteirão nos vídeos do Taylor Steele , quem poderia superar Shane Dorian em condições épicas como aquelas ? Slater e ninguem mais.
Munga tinha um surfe conservador, polido nas direitas de Kirra e Burleigh, discípulo do Rabbit mas já em fase de começar a aborrecer por burocrático.
Falei Kirra ? Burleigh ?
Munga começou com um 10.
Tubaço.
Segunda onda, 10.
Dois tubos - ou foram 3 ?
Da metade pra frente, a bateria foi uma corrida pela terceira nota 10. Todos desejávamos testemunhar Munga igualar o recorde do Beschen em Kirra, meses antes.
E toda onda era um tubo sensacional, mas agora os juízes queriam ver algo de tirar o fôlego, algo insuperável.
Michael Barry ainda fez uns 8s e um 9.5, mas não conseguiu o 10 muito para nossa frustração egoísta de assistir aquilo ao vivo.
29.5, pôrra! o que eles estavam pensando quando não deram o terceiro 10 ?
Dorian ? Quem ? Não lembro de uma onda sequer...

O futuro foi ontem ?

Pois bem, na estatística de 2008 diz que tivemos seis vezes um score de 18 pontos pra cima - duas onda pra lá de 9.
Em 1996 tambem, seis vezes 27 pra cima, em tres ondas.
Empatou.
Marcelus insiste: Qual backside que impressionou esse ano ?
Nenhum.
Tudo bem, Bobby teve um 10 redondo mas não dá nem pro começo com Machado, Occy ou Egan.
Mais algum ? CJ, tadinho...
Fora o 10 do Martinez, só Joel teve um 10zinho, Munga sozinho fez dois numa bateria.
Taylor Knox foi outro que levou dois pra casa.
Adivinha mais quem ?
Alguem disse Carlos ?
Carlos Leite, ou Clark Kent, teve dois tambem - ou foram 3 ?
Knox surfou magistralmente em 2008, 19.7 é uma média altíssima, entretanto o que dizer do 28.5 em 96 ?


Todos apostaram alto no Jordy. Cade o caneco ?

Sim, Jordy surfou muito, Taj, Joel e Mick demoliram, tal e coisa, mas o nível de surfe que Slater apresentou em 2008 não foi assim tão distante de 1996. Em pelo menos um quesito, estilo, o Slater de antes era superior ao de hoje.
Naquela ocasião, Slater trazia um quiver gigante de novas pranchas para testar em J. Bay, todas cuidadosamente shapeadas Al Merrick - lembram que mencionei ali em cima uma amarelinha ?
Todas, menos uma, round-pin feita pelo Simon Anderson, que queimava na capa e esperava uma chance.
Slater apaixonou-se pela prancha de primeira, surfou uma onda quase lá de Boney-yards até Kooks paradise, passando por Impossibles como se estivesse em Sebastian Inlet, um 10 claro, talvez uma das ondas mais longas jamais surfadas em competição na história da ASP.
Na final, contra Knox, bem...aqui devo inverter os personagens.
Knox, na final contra Slater, tirou um 10 logo na primeira onda. Slater devolveu minutos depois e virou a bateria em J. Bay, P-E-R-F-E-I-T-O.
E mais, as duas maiores pontuações de 2008 foram de Knox e Slater.
Um leitor exaltado levanta da cadeira indigando com a quantidade de números, estatísticas e nostalgia e grita: bando de coroas recalcados, vivem de passado! Acordem para o presente!
Relevo o comentário, peso bem os 12 anos que separam essas duas etapas e concluo: 1996 foi muito mais excitante.
E surfe, amizade, é isso e mais uma porrada de coisas que voce lê por aí.
Continua...


São dois pra lá e dois pra cá...

21 comentários:

  1. Anônimo1:18 PM

    Não tenha medo de opinar, seus textos são bons, lúcidos, e não criam polêmicas bobas.
    Concordo quanto ao circuito estar ficando chato. Kelly Slater é o maior competidor de todos os tempos, mas não tem a magia do Tom Curren.
    Pessoalmente gostaria de ver o Joel Parkinson campeão, mas acho que ele vai bater na trave a vida toda como o Cheyne Horan fez.
    Aguardo a continuação do post. Não fique tanto tempo sem postar.

    Abraços,

    Abílio.

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  2. Anônimo3:33 PM

    MUITO BOM...slater tá NITIDAMENTE com o estilo mais feio..mas ganhou power...

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  3. Anônimo3:50 PM

    Se Knox tivesse 1% dos neuronios do Slater teria ganho pelo menos 1º titulo mundial.

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  4. Anônimo3:50 PM

    Se Knox tivesse 1% dos neuronios do Slater teria ganho pelo menos 1º titulo mundial.

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  5. Anônimo3:50 PM

    Se Knox tivesse 1% dos neuronios do Slater teria ganho pelo menos 1º titulo mundial.

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  6. Acho desanimador tu não receber pelo que escreves, além dos textos se tornarem menos frequentes do que gostaríamos que fossem, prova que mérito não ganha espaço, ou grana, ou ambos, nos principais meios. Quem sabe um dia.
    Enquanto isso, vai iluminando que a escuridão é grande.
    abz

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  7. A única coisa que sei é que ver Currem, Occy e Slater enche os olhas de qualquer surfista.

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  8. Anônimo1:01 AM

    Porra Julin..........
    Vc escreve pra caralho.......tinha que ter uma coluna mensal .......
    Nao conheco no meio editorial atual alguem que consiga fazer esses links...........o Bocao talvez.
    Aguardo a parte 2!!
    Valeu.
    Abraco,

    Rodrigo Rozenbaum.

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  9. Anônimo2:33 AM

    Marreco - Show o texto. O Marcellus e o Marcelus Viana? Cara, eu estive olhando uns filmes de surf recentes e te digo que apesar de vc malhar o CJ, ele e o irmao dela sao os melhores goofys de estilo e manobras no circuito. Cara o tal do B. Martinez surfa muito feio. OK, o cara pega uns tubos, mas tb nao e nenhum Rob Bain. Como vc disse: Occy, Egan e Machado. Realmente nao tem a menor comparacao. Surf e estilo sempre andaram juntos. Esta geracao atual tem de olhar filmes de Occy, Carroll, Curren, Potter e tentar assimilar um pouco. Aloha.

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  10. Cara,

    tava difícil de eu encontrar um blog q falasse de surf na web.

    Achar um blog BOM, mais difícil ainda.

    Achar alguém que ESCREVA, sem se importar com vídeos, fotos etc, nem se fala!

    Parabéns!

    Enquanto isso, vou escrevendo no meu blog, com características um pouco diferentes, mas o público é diferente tb e minha vivência, nem se compara com a sua.

    Bom trocar figurinhas com alguém como vc.

    Espero manter contato.

    Dá uma passada lá no blog e vamos nos falando www.freestylewaves.blogspot.com

    Quanto aos competidores antigos, não sei direito, talvez tirando omo parâmetro uma etapa, não sei se dá pra analizar, até pq tem vezes q o mar ajuda e tem vezes q não, proponho outra avaliação, mas de qualquer forma não questiono.

    Só comentando o comentário sobre o Joel Parkinson, acho que falta power pro surf dele virar. Ele entuba bem, surfa bem, mas não consegue decidir pq falta o power, na minha opinião.

    Mas isso falando de campeonato, freesurf e estilo, dariam um comentário maior.

    VALEU e PARABÉNS!
    Bernardo Tavares
    www.freestylewaves.blogspot.com

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  11. Anônimo4:02 PM

    Estabelecer vínculos entre performances no passado e no presente vale apenas como exercício de imaginação. Puro saudosismo. Se as seleções de 58,70, 82, 94 e 2002, jogassem entre si quem se sagraria campeã? Sempre escuto os velhos lobos do mar destacando que as ondas quebravam mais perfeitas no passado...Como disse um filósofo de plantão: "No surf, é sempre ontem, pois o agora passa tão rápido, que é o chamado: quando viu, já foi" - Sic Transit Gloria Mundi; Os ciclos se repetem, pode ser que não estejamos mais na Terra - mas talentos reunidos em uma época de ouro - Potter/ Curren/ Elkerton/ Lynch (?)/ Hardman (?)/ Occy/ aparecerão sob outras formas de comportamento e abordagem. Cadê os punks do circuito? Todos com muito medo de desagradar os patrocinadores...Pensem e Dancem...

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  12. Anônimo4:32 PM

    Pra mim, o Taj Burrow é o Cheyne Horan dos nossos tempos: o eterno título que nunca vem, as pranchas diferentes (as do Taj tem a longarina na borda), o cabelo loiro e o surf futurista... O Joel parece mais o Rob Machado: todo mundo diz que ele é um dos melhores do mundo, mas seu estilo é "cool" demais, falta "sangue no olho", como já disse alguém aqui...

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  13. que nem Fabinho & Teco ontem VS Mineiro, Dorneles, Neves, Alves, etc...hoje.
    Abraço

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  14. Anônimo8:21 AM

    julius, depois de 10 dias longe do computador, entrei em uma webhouse aqui em hossegor e pimba, Goiabada antes de ler os emails...

    Guetarry ontem estava pequeno, mas lindo. Semana que vem volto a labuta! Valeus.

    Maximus

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  15. Anônimo10:09 PM

    Muito bom Zoeira Cósmica!

    - X -

    Pra quem anda de sk8, já andou ou admira o esporte, filhote do surf, assina aqui:
    http://www.petitiononline.com/SKATERIO/petition.html

    Parece que querem botar uma ONG(?!) no lugar do bowl do Arpex.

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  16. Anônimo10:50 AM

    Bodhi e amigos do Blog do Júlio,

    Leiam Invasão de Campo - a História da Adidas e Puma (Zahar) - onde retrata principalmente a construção do Marketing Esportivo. Desde que o esporte foi vendido como entretenimento às massas, os atletas viraram produtos na prateleira. Ávidos por alcançar o Olimpo, tornaram-se vítimas das intrigas dos bastidores somadas aos recordes e esteróides. E o Surf, infelizmente, está rumando para o mesmo caminho. Triste evolução. Antigamente, meia dúzia de bens materiais satisfaziam a necessidade da pessoa. Hoje a rapaziada está ávida em ter acesso a todos os bens de consumo que a Indústria cria, sem necessidade. Quantos jogos de quilhas são necessários para surfar? Quantos relógios para ver hora? Quantos astrodecks? Parafinas - cool water or cold? carros tunados etc."O Deus dos novos tempos é o dinheiro, a ele tudo devemos, inclusive a alma" Pensem e dancem...

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  17. Anônimo12:25 PM

    Prezado Julio,
    Vc deveria fazer um filme/documentário sobre o Dadá Figueiredo...Ele foi o surfista com a linha mais criativa e IMPREVISÍVEL...Não tem pra Carlos Leite nem ninguém...Concordo quando vc diz que no passado era mais excitante...O sistema parece que robotizou os surfistas de ponta...Perderam o ESTILO e a calma para surfar a onda com irreverência e originalidade...É a correria do dia-a-dia e a pressão do sistema indo para dentro da alma do surfista e fazendo com que ele vire uma máquina repetitiva de manobras repetidas,ansioso para fazer mais manobras e quebrando sua HARMONIA com a onda...Daí então o Slater é o maior exemplo de decadência ABSURDA do estilo/linha para se adaptar...Onde estão os Dadás,Archbolds,Potters,Occys,etc do circuito hoje em dia?Todos com cabelinho curto e dircurso educado morrendo de medo de seus patrocinadores?O surf brasileiro merece um filme/documentário sobre um dos mais carismáticos,originais e imprevisíveis surfistas:o gênio Dadá Figueiredo..."Morte aos parasitas filhas-da-puta!!!"rsrsrs
    Abs e parabéns pelo blog

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  18. Aê, assino embaixo do maluco aí que pediu o filme do Dadá... Leva essa idéia pra frente, Julião, acho que vc é O CARA pra descolar o máximo de material antigo do "Anti-Fashion", seria um puta filme punk... E tem toda essa história dele ter se fodido pacarai e depois a eventual "redenção"... "MORTE AOS PARASITAS" poderia ser o título. Pense a respeito...

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  19. Anônimo4:59 PM

    Dadá retrata o mito do heroí:

    O herói vive num mundo comum e estável. Num momento, recebe um chamado para trilhar outro mundo, hostil e estranho, muitas vezes anormal. Toda narrativa consiste nessa jornada ao extraordinário, na qual o herói terá que enfrentar desafios, num embate de vida e morte, morrer e ressuscitar, retornando ao mundo especial, trazendo algo novo, como que um prêmio. Esta dinâmica se faz notar em toda e qualquer narrativa existente. Alguém (o Herói) sempre quer alguma coisa e se aventura por consegui-la, pelas sucessivas rupturas e deslocamentos.

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  20. Anônimo1:30 PM

    "bódi bórdi é jéti isqui fóra daqui"

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  21. Anônimo8:51 AM

    Excelente, Júlio.

    A real é que todos os surfistas estão num patamar abaixo do Slater, e assim fica chato ver que não tem ninguém no mesmo nível.

    Quanto ao campeonato de 96, a diferença entre os surfistas não era tão grande, e o mar provavelmente estava mais clássico, mas a sua comparação é irrefutável.

    É isso aí, abraço.
    No aguardo da continuação...

    Bruno Rozenbaum

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