Pouca gente domina a arte de opinar. Eu, tô longe, sou muito medroso.
Então espero, fico ruminando, converso com um, converso com outro... e as idéias tomam forma de um comprimido efervescente.
Li pacas sobre a quarta vitória do Slater. Neguinho escreve muita merda.
Falta olhar com mais atenção pra água, cada dia mais difícil com essa maneira rasa de analisar as coisas que prevalece.
Aproveito a calmaria para escrever duma vez só sobre as duas etapas.
A Direita

Mineiro firme na disputa pelo top 5
'Os caras tão surfando pior do que em 1996. Não acha ?'
Marcelus disse aquilo com tanta certeza que me forçou a franzir a testa e lembrar de cada detalhe do primeiro WCT em J. Bay.
Estávamos lá no processo de tentar esticar a série Cambito para o número 3, desta vez com viagens internacionais e imagens digitais com a recem lançada VX 1000 da Sony.
Acordávamos ainda escuro e bem antes do primeiro raio de sol Marcelus já empunhava a câmera na esperança de documentar uma onda que ninguem mais viu dum Occy, um Slater, um Sunny, um Dornelles (por que não ?).
Ninguem era capaz de remove-lo da seu lugarzinho de estimação, ao lado da rampa em Supers, um pouquinho mais embaixo.
Eu providenciava para que nada faltasse: água, café e biscoitos pela manhã, cerveja e sanduíche à tarde e papo furado todo tempo.
Foi naquele ano que Slater apareceu com um toco amarelo do Al Merrick que nem ele foi capaz de gostar, custou-lhe a primeira fase em 6 pés perfeitos de Jeffreys.

Taylor e suas bordas cravadas n'água. Quem mais nessa categoria ?
Dean Randazzo debutava no circuito com o desempenho da sua vida, 28.25 no total de 30, quase 9.5 de média nas tres ondas que contavam, deixando Rob Machado no auge do seu irreverente back-side, fatiando e sumindo com movimentos que ainda me causam um certo desconforto quando tento imaginar meu corpo naquela situação - Rob fez 26.9, quase 9 de média por onda.
Se não me engano, os dois tiveram notas 10. Na primeira fase, na mesma bateria!
Que campeonato.
Occy estava um primor, desenhando aquilo que nem é curva nem arco, é qualquer coisa de intermédio (Olha o Mário aqui!), num drive, parecia pesar 300 kilos perto dos outros, mas leve! Leve...
Luke Egan tambem estava na ponta dos cascos, um dos poucos que atraíam a atenção do companheiros de WCT. Suas sequências de manobras nas paredes de J. Bay lhe renderam um terreno no Country Feeling de sei lá quando, talvez o único surfista do mundo alem do Ogro Occy a vencer em J. Bay.
Chris Gallagher, um bom chapa de Santa Cruz, foi outro que teve um dos seus grandes momentos nesse evento.
Na segunda fase, ainda num mar clássico, talvez as melhores ondas de toda competição (aqui a sorte do Slater de precisar surfar novamente...), Chris conseguiu 27 pontos contra Michael Rommelse, uma média rara mesmo pra hoje e dia, se formos reduzir para duas ondas, 18 pontos, dois noves, no mínimo.
Munga Barry quase alcançou os tão almejados 30 pontos.

Variações dum mesmo tema
Nunca mais esqueço: décima primeira bateria, contra Shane Dorian, a turma toda sentada naquele anfi-teatro natural que é Jeffreys, bem no meio do dia, maré certinha, ondas de fazer babar qualquer marmanjo, viajado ou não.
Na nossa fantasia, Dorian era favorito, sequências de arrasar quarteirão nos vídeos do Taylor Steele , quem poderia superar Shane Dorian em condições épicas como aquelas ? Slater e ninguem mais.
Munga tinha um surfe conservador, polido nas direitas de Kirra e Burleigh, discípulo do Rabbit mas já em fase de começar a aborrecer por burocrático.
Falei Kirra ? Burleigh ?
Munga começou com um 10.
Tubaço.
Segunda onda, 10.
Dois tubos - ou foram 3 ?
Da metade pra frente, a bateria foi uma corrida pela terceira nota 10. Todos desejávamos testemunhar Munga igualar o recorde do Beschen em Kirra, meses antes.
E toda onda era um tubo sensacional, mas agora os juízes queriam ver algo de tirar o fôlego, algo insuperável.
Michael Barry ainda fez uns 8s e um 9.5, mas não conseguiu o 10 muito para nossa frustração egoísta de assistir aquilo ao vivo.
29.5, pôrra! o que eles estavam pensando quando não deram o terceiro 10 ?
Dorian ? Quem ? Não lembro de uma onda sequer...
O futuro foi ontem ?
Pois bem, na estatística de 2008 diz que tivemos seis vezes um score de 18 pontos pra cima - duas onda pra lá de 9.
Em 1996 tambem, seis vezes 27 pra cima, em tres ondas.
Empatou.
Marcelus insiste: Qual backside que impressionou esse ano ?
Nenhum.
Tudo bem, Bobby teve um 10 redondo mas não dá nem pro começo com Machado, Occy ou Egan.
Mais algum ? CJ, tadinho...
Fora o 10 do Martinez, só Joel teve um 10zinho, Munga sozinho fez dois numa bateria.
Taylor Knox foi outro que levou dois pra casa.
Adivinha mais quem ?
Alguem disse Carlos ?
Carlos Leite, ou Clark Kent, teve dois tambem - ou foram 3 ?
Knox surfou magistralmente em 2008, 19.7 é uma média altíssima, entretanto o que dizer do 28.5 em 96 ?

Todos apostaram alto no Jordy. Cade o caneco ?
Sim, Jordy surfou muito, Taj, Joel e Mick demoliram, tal e coisa, mas o nível de surfe que Slater apresentou em 2008 não foi assim tão distante de 1996. Em pelo menos um quesito, estilo, o Slater de antes era superior ao de hoje.
Naquela ocasião, Slater trazia um quiver gigante de novas pranchas para testar em J. Bay, todas cuidadosamente shapeadas Al Merrick - lembram que mencionei ali em cima uma amarelinha ?
Todas, menos uma, round-pin feita pelo Simon Anderson, que queimava na capa e esperava uma chance.
Slater apaixonou-se pela prancha de primeira, surfou uma onda quase lá de Boney-yards até Kooks paradise, passando por Impossibles como se estivesse em Sebastian Inlet, um 10 claro, talvez uma das ondas mais longas jamais surfadas em competição na história da ASP.
Na final, contra Knox, bem...aqui devo inverter os personagens.
Knox, na final contra Slater, tirou um 10 logo na primeira onda. Slater devolveu minutos depois e virou a bateria em J. Bay, P-E-R-F-E-I-T-O.
E mais, as duas maiores pontuações de 2008 foram de Knox e Slater.
Um leitor exaltado levanta da cadeira indigando com a quantidade de números, estatísticas e nostalgia e grita: bando de coroas recalcados, vivem de passado! Acordem para o presente!
Relevo o comentário, peso bem os 12 anos que separam essas duas etapas e concluo: 1996 foi muito mais excitante.
E surfe, amizade, é isso e mais uma porrada de coisas que voce lê por aí.
Continua...

São dois pra lá e dois pra cá...