
A vista daqui é boa.
Alegria, Alegria
É assim desde o primeiro dia, como no hino do meu time de coração: vencer, vencer, vencer. Competição se resolve assim, não acreditem no que dizem por aí. Quando, nos vídeos de cobertura dos campeonatos do WCT, ouvimos o Andy Irons declarar que o importante é que ele se divertiu a valer na final do Pipeline Masters, aposte que entre os dentes ele quis dizer algo como a sua famosa frase no “Blue Horizon”: “Quero rasgar aquela lindinha foto dele”, ou, traduzindo, “quero acabar com esse cara!” Não há camaradagem, simpatia, diversão, não há alegria. Ou melhor, a alegria surge na tristeza imposta ao outro. Refiro-me exclusivamente aos 25, 30 minutos entre os toques da buzina, que eventualmente transbordam para as outras 23 horas e meia do dia se o assunto for levado mesmo a sério.
Em 73, 74, antes da criação da IPS, bem antes da ASP, talvez houvesse alguma inocência quanto à diversão nos campeonatos internacionais, mas pelo que leio na imprensa da época, as rivalidades já afloravam nos detalhes. Quando, em 75/76 a coisa começou pra valer – surfe profissional, circuito, uma graninha curta – a atmosfera mudou de vez.
Juízes eram ameaçados, punhos cerravam-se, palanques eram incendiados por competidores insatisfeitos. Como dizem no idioma do notório bardo: não é piquenique.

Voce apostaria seus tostões num fijiano branco ?
Os últimos não serão os primeiros
Existem dois tipos de surfistas no tour: os que serão campeões e os que não serão. Nem uns nem outros (e ainda menos uns do que outros) têm absoluta consciência de onde e quando cai o raio – ou se cai em cheio no cucuruto. Explico: cada um dos 45 acredita, ou a dada altura acreditou, que um dia seria campeão mundial. Mas Bede, Wardo, Ribas, Flores e mais uns quantos sabem intimamente que se não houver uma configuração quase milagrosa de eventos conspirando ao seu favor, um top 5 já é lucro – Vitinho, por sinal, tem um top 3 no currículo, coisa que muita gente boa como Dorian, Hoy, Teco, Neco ou Fabinho, entre outros mais ou menos celebrados, não alcançou. Derek Ho, PT e CJ são acidentes de percurso no caminho do Kong, Kanga e Occy.
Nos últimos 20 anos não tivemos muitas surpresas no top 5, nada que nos tirasse o fôlego. Hoje temos Fanning, Parko, Andy, Slater disputando o que nos interessa e Taj fazendo a figuração do eterno talento injustiçado, papel que já serviu Horan, Egan e Machado. Todos os restantes participam, temperam (umas vezes apimentando, outras adocicando), aglomeram, fazem número.

Quando pedir a conta ao garçon, Kerr pode perceber que a gorjeta do Bronco foi maior que toda sua nota.
Bronco
Josh Kerr afirmou em entrevista a uma revista americana que não queria ser como Peterson Rosa, que durante toda carreira não fez mais do que lutar para ficar entre os top 44. Kerr, na sua infinita prepotência, ignora (como bom ignorante) a história da surfe competitivo.
Peterson se jogou no circuito mundial em 1990 quando tinha tenros 15 anos, na sequência do Mundial Amador do Japão desse mesmo ano, quando competiu como júnior, apesar de ainda ter idade de mirim. Logo na sua primeira perna europeia, varou três triagens, aceitando o dinheiro da premiação e tornando-se, com isso, no mais jovem surfista profissional do planeta, competindo regularmente no circuito – façanha antes atingida pelo fenômeno sul-africano Martin Potter (sim, amigos, outra e longa história). Por destemido e determinado, Peterson obrigou a ASP a criar uma nova regra para impedir surfistas tão jovens de competirem integralmente no circuito, largando os estudos – apesar de constar nos livros que a regra foi criada a partir de Kalani Robb, uma inverdade, diria. Kerr, dado a saltos e cambalhotas, não se deve lembrar do sétimo lugar do Bronco em 2001, nem do oitavo em 98, tarefa nada fácil para aquele que o bom Josh Kerr julga como mero turista.

Alô ? posso falar com Roberto Kelly ? Carlos ? como faço para executar um cutibéqui sem quicar ?
Nova escola
As turmas que se apresentam me parecem felizes demais com a graça alcançada de entrar no WCT. É pouco. Um novo recruta deve ir com vontade de matar ou morrer – “kick some top 16 ass”, diria Sunny – e ainda ser astuto suficiente para manter a sua saúde de pontos no WQS, para não passar sufoco ao fim do ano. Sim, há festas, sim, as ondas são fantásticas, sim, a vida é bela e colorida, mas não se ganha respeito apenas com um sorriso no rosto. A injusta memória do desporto esquecerá de cada uma das inúmeras promessas de campeões mundiais como um bandido do Velho Oeste masca e cospe o seu tabaco. Se ninguém lembra do número dois, imaginem do terceiro pra baixo…

Tres malandros que tem por hábito adoçar o cafézinho com surfistas marrentos que ainda não chegaram a lugar nenhum.
Ah pois é...
Shaun Tomson, em entrevista ao podcast da Surfer: “Fazer vídeos de surfe em casa é óptimo. Dane Reynolds é um grande surfista mas eu gostaria de o ver arriscando-se no WQS, como Jordy Smith. Dane, eu quero ver-te numa final contra Jordy.” Tudo bem, mas antes da final contra o conterrâneo do Shaun, Dane precisa vencer o Saca numa bateria homem x homem.