segunda-feira, junho 12, 2006

Ninguem disse que seria fácil

[Coluna da Surf Portugal, meados de 2005. Volta e meia, dou uma fuçada nos textos antigos. Um ou outro dá vontade de publicar novamente, sem a preocupação de contexto e essas babaquices porque afinal de contas esse espaço é meu.
Gosto do jeito que começa, com a citação da Surfer.
Tem vezes que inicio com uma idéia e acabo noutra, raramente tenho tudo formatado na cabeça desde a primeira letra.
Nesse caso específico, o que detonou uma coluna foi uma entrevista na Transworld com o choramingo do gringo, que até é um bom garoto, Ben Bourgeois.]


Canga, como era conhecido Ian Cairns, no trilho. Voce pode correr, mas nunca fugir, diz a velha canção.

‘Na noite que eu cheguei no North Shore os australianos estavam cercados nos seus condomínios de alta segurança e eles estavam assustados.
Eddie Aikau tinha dirgido desde a cidade na noite anterior para avisar que eles estavam em maus lençóis. Ressentimento na direção deles transbordava pra fora da comunidade, e alguns dos mais perigosos filhosdaputa estavam vindo para pegá-los.
Descrença, foi a primeira reação.
‘Ei Eddie, diz aí! Nós somos apenas um bando de moleques, estamos aqui só pra surfar.’
Aikau estava genuinamente preocupado pela segurança deles e, se Eddie mostrava preocupação, então os australianos poderiam se sentir no direito de ficarem paranóicos.
Ian Cairns, que de alguma forma representava a natureza do ímpeto australiano, ficara acordado por duas noites com uma raquete de tênis ao lado da sua cama.
O alarme foi soado.
Rabbit foi espancado no seu primeiro dia em Sunset. Outro australiano tinha recebido treze pontos no rosto depois de ser atingido por um cinzeiro voador num restaurante.
A coisa não parecia boa.’

[‘You Aussies gotta learn to be humble’, Jaw wars on the North Shore, por Phil Jarrat, Março de 1977, Revista Surfer.]


Nínguem disse que seria um piquenique.
Surfe profissional é coisa pra macho.
Acontecia em 1977, se repete com mesma intensidade em 2004, exatos 27 anos de diferença.
Uma das essências do nosso esporte, de qualquer esporte: Cobiça.
O bonequinho com auréola nos diz para dividir, enquanto o outro, com chifrinhos, grita solene: foda-se! Que se fodam todos eles!
Durante alguns anos, de 89 até 97, tentei a vida de um Tom Whitaker, de um Darren O’rafferty, se muito. Apesar de me iludir achando que chegaria a um Matt Hoy, nunca nem passei de um surfista do terceiro time.
O primeiro time era formado por Slater, Machado, Carrol, Curren, Occy, Pottz, Egan, Garcia…
No segundo vinha Dorian, Knox, Hoy, Herring, Hardman, Gerlach, Lynch, Fabinho, Teco, Victor…
Logo abaixo, ainda naquele anos entre 90 e 97, tinha o Kaipo, Both, Beschen, Willians, Rommelse, Powell e vai…
Pensando bem, era mais provável que eu estivesse entre o quarto.
Ou quinto…
Ou sexto…
O papo de ter que viajar muito, nunca parar em casa, conhecer novos países, novas comidas apimentadas, novas cervejas, novas ondas…tudo isso me encantava como uma sereia de Homero.
Agora, não era a moleza que parecia.
A vida seria dura.
Derek Hynd escrevia nas suas análises do circuito mundial citando Dostoiévsky: ‘Vida é dor e o homem, um infeliz.’.
A coisa toda tinha uma aura de Olimpo- e ainda não existia os 44 do W.C.T.
Qualquer um poderia competir numa etapa do circuito mundial e vencer.
Como Joe Engel, salva-vidas, em 83. Ou Nick Wood em 87, na flor dos seus 16 aninhos, deixando o rei Curren pra trás, ambos em Bells.
Os lamentos permanecem.
Ben, um rapaz da flórida que já passou pelo WCT, chorava aos prantos na revista Transworld edição especial de viagens (Maio 2005), muito esforçado, mas nem tanto quanto o Mandinho, que ostenta um Título do WQS, e seis temporadas no ‘CT, enquanto Ben, bem…
Falava de Ben, que tem um sobrenome curioso, Bourgeois, e carreira irregular. Descrevendo sua pior experência em viagens, o bom burguês divide com o leitor seu terror durante algumas horas no aeroporto de São Paulo, segundo ele um antro de meganhas.
Pombas!
Quem quer ser surfista profisional tem que estar preparado para fazer lá seus sacrifícios e, cá entre nós, o aeroporto de São Paulo me parece um hotel cinco estrelas comparado com estções de trem, rodoviárias e portos mundo afora. Sujeito que se amedronta num lugar desses não está pronto para colocar a cabeça pra fora do cobertor.
Me revolta um bocado quando enxergo covardia nos olhos dessa leva de novos profissionais.
Já me aporrinhava com os Chris Frohoff da vida quando comecei a competir, mas esse, pelo menos, fez uma final em Pipe – que já é coisa demais.
O circuito sempre teve seus Jamie Brisick, seus Stuart Bedford Brown, seus Todd Prestage, seus Nathan Webster, seus Ben Bourgeois – turma de assustados.
John Millius, comentando seu filme ‘Big Wednesday’, diz que os surfistas viviam num mundo à parte, que não estavam preparados para vida quando a hora da verdade chegasse.
Isso, nos distantes anos 60, em Malibu, Califórnia.
Tentando descrever a cena onde a namorada de Matt Johnson, o fera do filme, participa pra turma que está grávida, em meio a um surfari no Mexico, Millius diz: ‘Ela é a mais corajosa, a única que enfrenta a vida. Ela vai ter o filho e não quer nem saber. Os outros ainda estão presos aos seus mundinhos nas areias de Malibu e não querem sair jamais’.
Ninguem disse que seria fácil.

8 comentários:

  1. Anônimo1:59 AM

    Na boa, achava que o Nick Wood tinha vencido o outro TC naquela final.

    ResponderExcluir
  2. A final do Bell's do Nick Wood não foi nem com Curren e nem com Carroll...
    Foi com Richard " Dog" Marsh!

    ResponderExcluir
  3. Anônimo1:06 PM

    muito boa..agora SHANE POWELL no terceiro escalão, atras de vitor ribas é piada..de mau gosto.

    ResponderExcluir
  4. Anônimo3:13 PM

    a única coisa boa que Richard "Dog" Marsh fez na vida foi dar um soco na cara do occy na entrega de premios da ASP. Motivo voces devem imaginar..

    ResponderExcluir
  5. Anônimo10:25 PM

    Pô, essa história eu nunca escutei.
    A mais vendida nunca publicou este fato, então meu amigo, faça o favor.

    ResponderExcluir
  6. Anônimo10:27 PM

    O que me lembro do Dog foi uma semi que ele fez em Santa Cruz em 90.

    ResponderExcluir
  7. Anônimo11:58 PM

    bela foto.

    imagina colocar uma monoquilha no trilho desse jeito...
    e a molecada dos ares de hoje em dia numa onda retrô que só... só falta usar a borda...

    coisa de velho mesmo.

    ResponderExcluir
  8. Anônimo3:44 PM

    Na minha atual fase pré-adulto , continuo sonhando em apenas surfar e viajar e não pensar em porra nenhuma que não seja "surfar". Por isso trabalho que nem um f.d.p, e jogo na mega acululada pra quem sabe um dia , ser eu mesmo.
    Mas agora com mulher e 2 filhos ficou mais difícil , reconheço.
    Quanto ao Ben , mais 30 min na barriga da mãe Burgeois , nascia viado.
    Anélios

    ResponderExcluir

Diga lá...