[10 de Maio de 1999, é bem possível que estivesse um tempo agradável, tivesse surfado pela manhã, tomado meu café na padaria olhando o movimento da Gávea.
Batucava no meu Imac, primeiríssima geração (comprei assim que saiu, em 6 vezes), ouvindo I must be high do Wilco, banda dessas que nunca sai de perto da gente, pensava em Jeffrey's Bay, em Ipanema e 6' round pin com canaletas fundas.
Nada muda.
Coluna da revista Surf Portugal, Junho de 1999.]
Essa fissura desenfreada pelo surfe competição, vem desde cedo . Logo no início, antes de me aventurar pela vida de competidor, já gastava dinheiro para assistir campeonatos de surfe. Matei aula em 81 nos banquinhos do Arpoador admirando o surfe veloz e poderoso do gordinho californiano Bud Llamas que jogava tanta água nas suas manobras, mais parecia um chafariz.
Passava horas encantado e intrigado, com a modernidade de Greg Day, australiano típico que mandou a maior estrela do evento, Cheyne Horan, pra casa mais cedo, surfando com uma linha de backside muito nova pra época. Meses depois peguei um ônibus na rodoviária Novo Rio e me despenquei pra Saquarema, templo do surfe, testemunhar a vitória do santista Picuruta Salazar em cima do mestre do estilo, Daniel Friedman, na final em Itaúna clássico. Picuruta surfou com uma prancha emprestada - de uma marquinha pequena da Barra que ainda engatinhava: Cristal graffiti.
O mar estava muito grande e quase ninguem tinha gunzeiras de sobra naquele tempo.
Bem, uns 6 ou 7 anos mais tarde resolvi enfrentar 18 horas de estrada dentro de um ônibus que chamávamos de “cata-corno” e me mandei pra Florianópolis acompanhar de perto o segundo ano da volta dos mundiais ao Brasil. O hang-loose pro contest era mais que um festival ou mero campeonato de surfe: era verdadeira aula. O professor Thomas Carrol, PHD na universidade de Newport e Doutor em Pipe, deixou todos chocados quando conectava ondas que até então pareciam impossíveis, sem dar uma quicadinha sequer na sua prancha.
Pura força e técnica.
Chegava na praia cedinho, para não perder nadinha, principalmente as sessões de free surfe antes e durante as baterias, era um olho aqui e outro ali. As companhias nessas horas de degustação foram determinantes para um gosto que pode ser interpretado como exigente ou ranzinza: Ricardo Martins, Pepê Cezar, Alema Henneck, Fred D’orey, Joca Secco, Fiapo, Pedro T. e cia formavam uma turma de estudiosos aplicados que desenvolveram, com um senso crítico acima do normal, jeito peculiar e isento de analisar gringos e brasileiros, distante da influência e a conversinha fiada emprestada das revistas deslumbradas de sempre .
O tempo passou, conheci o outro lado - de competidor - e voltei pro meu observatório.
Hoje tenho o privilégio de manipular, no bom sentido, imagens. Trabalho com edição, herança do meu amigo/irmão Pepê e mexendo com as imagens de surfe do mundo inteiro diariamente , me dou ao luxo de apreciar uma manobra 4, 5 vezes seguidas em todas velocidades possíveis. Ou mesmo me irrito ao concluir que aquele 9,5 não passava de um 7 e que o surfista só arriscou, finalmente, na finalização. A imagen repetida desmistifica tudo.
Acompanhe um campeonato inteiro na praia e depois assista a uma filmagem de amigo sobre o que se passou. Em poucas horas sua opinião muda da água pro vinho.
Mas pra que eu disse tudo isso ?
Pra falar do olhar, da maneira que cada um vê uma bateria ou uma simples caída no meio da semana. O leitor de revistas especializadas nada mais é do que um fissurado, um estudioso, um obstinado.
Somente a experiência de entrar n’água não é suficiente.
É preciso levar o surfe pra dentro de casa, ler no caminho da aula - na própria sala de aula é bem comum, mas pouco aconselhável - a caminho do trabalho, no trabalho ( pouquíssimo aconselhável!).
Ainda que nada supere o entrar no mar ...
ae julio, li o seu texto do villas boas e finalmente entendi que surfistas não formam tribo nenhuma mesmo, mais uma aula sua, grande abraço, zé dos quiabos
ResponderExcluirApenas a tribo dos que apreciam algo diferenciado.
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