sexta-feira, maio 20, 2005

Ao vivo

Tem hora para esculhambar e hora de elogiar.

Toca a sirene

Arpoador, 1979 -
Dois conhecidos resolvem fazer uma revista ‘jovem’, esportes, comportamento, música e moda, bem ao sabor da extinta ‘Pop’, nome de batismo: Realce.
Primeiro número

SporTV, 2005, ao vivo -
Slater declara ao repórter afoito que, não senhor, essa não é a primeira vez na história da ASP que um surfista consegue somar apenas notas 10 – Beschen já o fez antes, em Kirra, 1996, e foram 3 escores máximos e não dois como agora.
Bocão sorri.
Ele já sabia disso há 200 anos.
Diana exibe seu lindos dentes iluminando o ambiente, certa de que o senhor ao seu lado é capaz de consertar qualquer gafe que o repórter afoito comete.

Maio e Junho de 1981, Circuito Realce –
Marco na organização de campeonatos, primeira mensagem explícita da nova ordem que se apresenta.
Os dois malucos, incansáveis, fazem revista e circuito ‘quase-profissional’ de surfe, antecipando um formato que demora ainda bons 4 anos até amadurecer.

Tahiti, 2005 –
Neco rema tão atrasado numa onda torta da série que ninguem acredita…
A bateria com Bede Durbidge é eletrizante, um vira-não-vira que deixa todos com o coração na mão.
A imagem é uma merda, dia nublado, pouca definição, ninguem se importa, azar dos fatos, escreveria Nélson Rodrigues.
Faltando 4 minutos, Bede lidera, o Brasil torce pelo 7,58.
Guilherme Herdy, Ricardo Bocão e Diana Bouth soltam o grito nescessário, sincero, sem o protocolo das transmissões ao vivo.
Neco soca o ar com os dois punhos cerrados de raiva.


Abril de 1983 –
Estréia na TV brasileira, criado por Antônio Ricardo e Ricardo Bocão, o programa Realce.
Patrícia Barros era a Diana d’então- desculpa para alguem que não se interessa pelo assunto sentar e assistir – um colírio.
Rodrigo Osborne voa de back-side na África do sul, Russinho dá uma dura em Pottz, Ho de braço engessado em Pipe, Curren prum lado, Occy pro outro.
Australian Crawl, Smiths, Caetano e Lulu.
Marley e Clash.
Assisto eu e assiste tu, Pedro Cardoso e Fernanda Torres, quem tinha entre 5 e 50 anos tambem viu.

Florianópolis e Maceió, 22:30, 15 de Maio de 2005
Paulinho tem 17 anos e acha que Joel Parkinson não tem surfe pra ganhar em Teahupoo mas em Jeffrey’s ninguem tira o caneco dele – a não ser o Mick Fanning, que tá surfando muito.
Um olho na tela do computador e outro na TV.
O MSN pisca e faz barulho: bóing!
Lá do outro lado do Brasil Bruce Irons envia mensagem:
Krk, c viu o tbaum do Isleiter ?
Mt psico!!!!
Estilo Frances klassiko :P
Joaca véio! ;-)
Tu viu q a Diana vai sair na Playba ?
Eh noiz!!!
Ja eh!...



Pier de Oceanside, 1987-
Curren dá aula de surfe, sobra categoria.
Poucos dias depois, o promissor talento paraibano Fábinho Gouvêia assiste em sua casa, na TV aberta, de graça, a mágica de Curren, grava e tome pausa!
Ricardo Bocão comenta que novos talentos estão surgindo no circuito mundial: Sunny Garcia aparece fulminante no OP Pro que Barton Lynch vence enquanto Brad Gerlach, Richie Collins e Matt Archbold se revezam em pódios.
Fabinho pensa com seus botões: Esses cabras surfam muito…

2005, Tahiti, Flash quase ao vivo do Rógis Resing, ou Régis Rosing, entrevistando, com um sorriso entre debochado e satisfeito, pela enésima vez o símbolo da raça brasileira, Peterson Rosa.
O repórter já não parece mais o peixe-for a-d’água que afligia o tele-espectador na perna australiana.
Usa camisa florida, ostenta bronzeado, circula com a desenvoltura de uma debutante em promenade.
Tem uma queda para anunciar a primeira, a melhor, o maior.
O surfe entra na era Tino Marcos de jornalismo esportivo.
Corta para um constrangido e tambem sorridente Bocão corrigindo o colega.
Diana balança a cabeça concordando.

Junho de 1991, Ombak estréia na MTV.
Primeiro programa de esportes nos 62 países que transmitem a MTV, inspira os pouco inspirados diretores da emissora a copiarem descaradamente e o renomearem como MTV Sports.
Cezinha Chaves e o SK8, Mauro Taubman e Moda, Herbert Viana, Circuito Company amador, Cobertura do Circuito mundial, Picuruta, Cauli, Fred, Pedro Muller e Vibração.
Bocão e Antônio perdem a (batalha de confetes) mas não a guerra.

Paulo Moura faz o segundo dez brasileiro em Teahupoo.
É história em movimento, Herdy lamenta a falta de investimento, Bocão chama a atenção das companhias aéreas sobre a cobrança injusta das pranchas, Diana franze as belas sobrancelhas enaltecendo a importância do que é dito.
Pedro Henrique, recém chegado do campeonato, conta suas estripulias pela triagem enquanto suas ondas são exibidas.
O surfe é o único esporte do mundo capaz de segurar audiência com imagens ruins como aquelas.
O formato de trio, dois especialistas e uma pin-up, continua o mesmo.
Bom que a moça se restringe a ser apenas linda, sem gastar a lábia para convencer o malandro do outro lado da tela que fez o dever de casa e domina o assunto – em tres línguas.
Ponto pra casa, escolha perfeita.

Novembro de 1994, Rip no ar, SporTV, Cobertura do WCT.
Slater 6 X, Machado Pipe Master, Dorian, Bad religion, Suicidal tendencies, Kalani Shootout, Dr. Dre, Vitinho em Lacanau, Teco bi WQS, Chico Science, Raimundos, Raoni campeão brasileiro mirim, Neco 2 X, Mineirinho mundial junior, Pedrinho em Makaha, Trekinho 10 em Maresias, Veiga e Salazar, D2, Ben Harper, Jack Johnson, Andy & Bruce.
Não existe no mundo inteiro outro programa

Diana lê o imeio número 328, o adiantar da hora revela quase meia-noite.
Ninguem aparenta cansaço depois de 6 horas sem pausa.
Quando digo ninguem, reafirmo: dos dois lados não há única alma desatenta.
O formato é arriscado, muito papo e pouca ação.
Bocão relembra:
Em 87, 88, quando a gente ficava na praia o dia inteiro filmando (fora as fugidas para estratégicas surfadas) as baterias os caras achavam estranho e perguntavam, pra onde é isso ?
Eu respondia que no Brasil distante o surfe tinha espaço semanal na TV aberta e que aquela bateria, essa mesmo que ele tinha acabado de competir, estaria editada e sonorizada, com o nome dele certo e os resultados em alguns dias.
Ninguem acreditava.

Herdy concorda.
Por dentro, uma voz avisa que finalmente um representante legítimo é escalado para comentar surfe na TV.
Anuncia-se o fim da era dos aventureiros.
Que a direção do SporTV mantenha a linha iniciada em 96, 97 (dedinho do Pecegueiro), com atenção ao entusiasta, sem desviar-se como vinha fazendo, com uma programação vazia e oportunista, que expoê a fragilidade dessa classe mérdia atrás dos 16 minutinhos de bundinha de fora em cadeia nacional – açouguebronharadical.
Bocão participa do SporTV News e do Redação SporTV.
O ciclo se fecha, como o de Neco.
Redenção.
Luta pela sobrevivência, o de cima sobe, o de baixo desce.


Diana balança a cabecinha e faz o V deitado batendo no coração.

10 comentários:

  1. Cara, tu é rápido...a gente pensa e tu escreve!!

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  2. Anônimo1:45 AM

    Bela resumo da história da cobertura do surfe no Brasil. Também fiquei amarradão com a surpresa, tomara que seja indicativo de melhora na programação. O surfe merece.

    Abs,

    Brunin.

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  3. porra! curti o texto.
    infelizmente não assisti à transmissão do sportv.
    mas acompanhei pelo site billabongpro. :-D

    gostei da jogada entre épocas.

    mandou bem.

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  4. Anônimo7:05 PM

    Muito bom texto mesmo! Ótimo ritmo!
    FOi muido bom ver o surfe ao vivo na tv e sendo transmitido da forma que foi.

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  5. Anônimo11:10 PM

    Isso é que é texto multimídia.
    A gente passa pelas linhas vendo as imagens entre as letras.

    Valeu Marreco. Queremos mais!

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  6. Anônimo3:15 AM

    Parabéns Marreco,

    não só um belissímo "poste" homenageando eles, como um dos melhores textos que tive oportunidade de ler em 11 anos de internet.

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  7. Anônimo5:13 PM

    Agora, que o colega da rede Globo está completamente perdido no tour, ah isso ele tá!

    Abs,

    Brunin.

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  8. Anônimo2:17 PM

    Parabéns Júlio! Uma lição de história e de estórias da cobertura do surf na TV, sempre uma inspiração do lado de cá do Atlântico.

    Só uma achega... não seria Novembro de 1999 (em vez de 1994)?... onde está o bi WQS de Teco...

    Abrazzzo,

    MP

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  9. Anônimo6:26 AM

    Será que ainda permanecem dúvidas de que Júlio Adler é o melhor cronista de surf no Brasil inteiro e, muito provavelmente, em toda a língua portuguesa? Claro que permanecem? Aonde? Na imprensa surf brasileira, que não lhe dá espaço.

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