quarta-feira, agosto 04, 2004

Amostra de novo ?


Saldanha era uma fera!


Meus amigos…
E assim começava João Saldanha, sempre em dia de jogo, sua crônica esportiva na Rádio Globo.
Posso dizer que fui educado assim, pelo João, quartas e domingos, dos 5 ou 6 anos até o dia do João Morrer, em julho de 90.
Seu apelido era João sem-medo, gaúcho de nascimento, carioca por vocação, de Copacabana, podia ser encontrado no boteco da esquina entre Miguel Lemos e Nossa Senhora de Copacabana.
Pois esse João emprestou-me um bocado de senso crítico, comunista de carteirinha, prosador de primeira, ganhava pra fazer o que mais gostava: contar histórias (ou estórias, na maioria das vezes).
Pois quando me sento para escrever sobre alguma coisa que incomoda no meio que tanto prezo e torço para sair do marasmo, surfe, com E no final da palavra, toda vez, penso no Saldanha.
Dito isso, sigamos em frente.
Semanas atrás recebi um telefonema inusitado: um distinto chamado Osvaldo deixou mensagem na secretária eletrônica pedindo retorno, tratava-se de uma mostra internacional, colégio eleitoral, nada parecia muito claro.
Ligações feitas, tudo explicado, Mostra internacional de surf, sem E no final, pois internacional, São Paulo, eleições, convidados, Alma surf, sempre sem E, arte e cultura.
Osvaldo tinha uma energia enorme ao falar, era educado, articulado, tive a impressão que ele acabaria por me convencer à comprar alguma coisa.
Alguem, sempre um misterioso alguem, teria indicado meu nome pra fazer parte dum colégio eleitoral que votaria nos melhores em já nem sei quantas categorias. Na minha doente cabecinha, matutei se não estavam aqueles senhores tentando angariar minha simpatia, querendo que um malandro ranzinza como eu desse sua chancela para o tal evento, como quem diz: até o pentelho do Julio entrou nessa.
Entrei, digo, votei.
Apesar do internacional no título da mostra, decidi votar majoritariamente em brasileiros, ou pelo menos nos que escrevem em português, caso dos nossos amigos lusitanos.
De todos meus votos, acertei apenas um: Ricardo Martins, melhor fazedor de prancha de surfe, surfboard na cédula eleitoral.
Por algum motivo, apareci entre os candidatos para colunista mais votado na segunda fase da eleição, confesso surpreso desde que não publico nada aqui no Salvelindo desde fevereiro, quando decidi abrir mão do milionário ordenado de 300 Reais que o saite waves religiosamente depositava na minha conta todo dia 28.
O eleito nessa categoria foi Fred D’orey, uma honra perder pra ele, logo ele, o camarada que muito incentivou – e inspirou! - esse mero observador a arriscar carreira de escrevinhador (no pai dos burros, rabiscador, mau escritor).
Basta da eleição.
Um evento deste tamanho requer muita coragem, trabalho duro e bons contatos para captação de recursos, pela lei Rouanet, o mérito ao que parece daqui do Rio, é do Romeu Andreata.
Ainda não tive o prazer de conhecer o Romeu, mas leio seus editoriais na Alma surf, sem E, quando vou à casa de amigos que compram a revista.
Pelo que escreve, fica a impressão de que é um romântico e realmente acredita que o surfe tem alma, surfistas são pessoas especiais e o mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito…
Do lado de cá, soa um pouco oportunista, com leve queda para o apelo comercial, mas isso pode ser uma impressão errada, como muitas das minhas, e afinal de contas esse envolvimento lúdico, extra-sensorial, realmente exista.
E o João Saldanha com isso, meu Deus do céu ?! pergunta o leitor aflito.
João dizia que vivia das coisas que escrevia e falava. Vivia de opinião.
Ainda não tive a satisfação de viver exclusivamente da minha opinião, mas insisto em dividí-la com a turma, portanto, segura.
Gostaria de saber o que veio fazer aqui o Randy Rarick e o Dick Brewer ?
Randy Rarick é um grande sujeito, figura das mais viajadas desse mundão de Deus e guardião de algumas das melhores histórias que o surfe há de contar.
No entanto, Randy veio, viu e escafedeu-se sem uma única palestra, um mísero debate sobre exploração, surfe na África, seu projeto com o fotógrafo John Callahan, nada!
Dick Brewer poderia passar umas 200 horas falando sobre modelos de prancha sem parar.
Nada!
Digo isso daqui, da Gávea, no Rio de janeiro, não estive na Mostra, louvo a iniciativa, fui no saite ver a programação, acompanhei a cobertura, fraquíssima, do outro saite, que não se dignou a uma simples entrevista com algum dos expositores, fuxiquei e não achei um debate, uma palestra.
Olhando pro morro do Corcovado, perguntei ao moço que lá em cima abraça o Rio: Nem um bate papo ?
Sendo uma mostra de cultura e arte, segundo o título, se espera que haja uma maior interação do artista com seu público, ao contrário de uma feira com fins comerciais, quando apinham gringos nos estandes com a nítida intenção de ostentar poder, grana!, a plebe do lado de fora, encantada, limpa a baba enquanto contempla o ser estranho: Que cheiro tem ? Fala nossa língua ? Gostou da pizza ? Comeu quem ? Viu o Mineirinho pegando onda ?
Esse gringo é meu e ninguem tasca!
Art Brewer, dos maiores fotógrafos que jamais clicaram um surfista, voltou sem sequer sair do avião, visto vencido. Será que o gordo, uma vez desebarcado, iria dividir mesas com importantes capitães do surfimpresário da Sampacrew e daria o pira, feito cachorro magro, que não é ?
Nem uma palhinha sobre os anos 70, evolução da fotografia no surfe ?
Sinto um odor de superficialidade…
Fora os debates, sempre saudáveis, senti muita falta de mais artistas brasileiros expondo.
Talvez tenha sido o pouco tempo, prazo na captação, mileuma desculpas, mas uma inciativa dessa dimensão merecia mais pesquisa da curadoria.
Tudo bem, homenagearam o Cação, Alberto Sodré, verdadeiro artista, unanimidade rara na comunidade, mas tambem houve festival Jack Mc Coy e Jack Johnson. E os produtores e diretores brasileiros ?
Rafael Mellin, Flávio Vidigal, Luís Inácio (todos com mais de 4 vídeos cada), sem mencionar Pepe Cézar, que além de dois livros de poesias publicados, tem 7 vídeos de surfe nas costas – isso, sem contar uma maravilhosa instalação de frases e imagens relacionadas intimamente à essa gente bronzeada que quer mostrar seu valor.
Faltou interesse, arrisco dizer, pela nossa própria cultura.
Mais uma vez ecoa a frase do Nélson Rodrigues sobre nosso célebre complexo de vira-latas.
Quero que a mostra frutifique, dure cem anos, viaje pelo Brasil, encha os bolsos de quem trabalha duro para realizá-la, mas quero, acima de tudo, ver o artista brasileiro prestigiado.
Mário Vianna, com dois enes, companheiro de crônica do saldanha, gritaria com aquele vozeirão inconfundível: Banheiiiira!

PS – O bom amigo Chico Padilha, da Paraíba de Fabinho Gouvêia, pergunta:
Quem vai entregar o prêmio ao Fred, Turco Louco ?
E ao Ricardo ?
É notório que o deputado registrou a marca Hidrojets sorrateiramente e tentou negociar com os mesmos Ricardo e Fred, assassinando o sonho e mais de 10 anos de trabalho dos dois.
Recentes vítimas do Louco que não é bobo, Cavallera e Prolite.
A imprensa cala, mais uma vez, banqueteia e arrota.

PS II – Ricardo, apesar de eleito, não teve sua ‘obra’ exposta.


Um comentário:

  1. Anônimo5:05 PM

    Cultura babaovista garoada....é disso que não precisamos...como costumo ovir Carlos da Veiga declarar(há tempos), "em quanto a mídia especialzada e as (grandes) empresas de surfe estiverem em SP, o rj (e outros estados), serão sempre deixados de lado"_ e surfe que é bão, só anonimamente na praias de são bastião(do rio de janeiro), é claro...
    reparou o "e" do nada internacional do título????

    F

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