Mais uma do portuga...desta vez o editorial da edição dedicada à pranchas.
Ilustração do magnífico Rick Griffin para a marca de pranchas do não menos espetacular Greg Noll - reparem no autógrafo embaixo!
Drop
A Bela e a Fera
Tenho uma confissão a fazer: não sei ler uma prancha de surf. Sei pegar nela e simular toda a coreografia de quem a observa com olhar cirúrgico. Viro-a e reviro-a com perícia e discernimento; miro-a de perfil, a partir do nose, a partir do tail; verifico o encaixe das quilhas e a configuração do fundo; sinto o volume e o formato dos rails, ponho-a debaixo do braço e, ultimamente, profiro o meu veredicto. Mas não faço a mínima ideia se aquilo que o instinto me diz tem correspondência na realidade, se as linhas que me correm com fluidez escorreita sob a mão, irão escorregar de igual maneira sobre a superfície aquática de uma onda.
Mesmo assim, não hesito em realizar todo o meu cerimonial de apreciação táctil cada vez que encontro uma prancha que me atrai o olhar como um perfume capta os sentidos. Porque, em todo o surf não existe acto mais sensual do que o manuseamento de uma prancha de surf. Esqueçam as associações eróticas com os tubos ou as manifestações hedonísticas dos mais belos exemplares da nossa comunidade. Nada supera o acariciar daquelas formas, a impressão libidinosa do encaixe perfeito entre a mão e a axila, a fibra de vidro endurecida pela resina como matéria pulsante, a pedir para ser conquistada, abusada e amada. Como compreendo um amigo meu que até ao teste final de uma prancha nova, dentro de água, dorme com ela ao lado da cama, observando-a, tocando-a, alisando a sua superfície, num perverso ritual de acasalamento.
Uma prancha, para mim, é como uma mulher: fascinante e misteriosa, atraente e dissimuladora. Debaixo das suas formas harmoniosas, pode esconder-se a companheira fiel ou a traidora implacável, a celebração da nossa existência ou a ruína dos nossos sonhos. Invejo os que sabem desvendar os seus segredos com um olhar. Aqueles que não se deixam enganar, que têm domínio absoluto sobre o seu comportamento futuro, que não se deixam enganar por encantos falsos, adivinhando à partida se estão diante da bela ou da fera.
Deveria ser proibido alguém ter simultaneamente uma prancha má e uma companheira (ou companheiro, que isto vale para ambos os sexos) desleal. E, pelo menos uma vez na vida, todos merecemos estar plenamente satisfeitos com ambas, sendo obrigados a gerir com habilidade e diplomacia a sempre difícil relação entre os dois sujeitos da nossa paixão. Mas felizes a cada passo do caminho. – JV
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