[Artigo do João Capucho para o Jornal I sobre a fragilidade da ASP e a força do Surfe Português]
Tomada de posse da ZoSea. Em 2013, os dois circuitos mundiais profissionais de surf disputados sobre a égide da ASP – Association of Surfing Professionals oferecerão, na categoria masculina, uma premiação monetária total de 8.6 milhões de dólares, distribuídos entre os 4.5 milhões das 10 provas do WCT (World Championship Tour ou, “Grand Slam” se preferirem) e os 4.1 milhões oferecidos pela soma dos 29 eventos do circuito mundial de qualificação (WQS ou World Qualifying Series). Apesar da crescente popularidade do surf, esta cifra corresponde ao segundo ano consecutivo em que se regista uma redução na premiação total dos eventos da ASP, depois de, em 2011, se terem atingido os níveis recorde históricos de 10.7 milhões de dólares repartidos por 50 eventos (masculinos). Coincidência ou não, 2013 marca também o ano de viragem no modelo de governo da ASP, naquilo que muitos erradamente consideraram como uma privatização (a ASP, ainda que associativa, já era privada, ie dos socios) mas que em boa verdade corresponde a uma cedência dos direitos de exploração à Zosea, um grupo media sem historial e aparentemente constituido para o efeito, cedência esta articulada com contratação de um novo CEO para a nova organização conjunta a qual também, naturalmente, recebe um novo modelo de votação interna. Em resumo, uma clara incorporação de competencias media, de marketing desportivo e de revenda de direitos de televisão de que a ASP claramente necessitava e que portanto tem efectivamente condições para resultar.
Consequências da crise. Esta alteração, expectável, visa pois, naturalmente a diversificação das fontes de receita dos vários circuitos (com maior incidência no WCT), altamente dependentes do financiamento da “troika” Rip Curl / Billabong / Quilksilver, os três gigantes da indústria do surfwear que dominavam os destinos (os votos) da “antiga” ASP mas que foram varridos por uma forte redução das vendas em todo o mundo e, como sociedades abertas (ie, cotadas em bolsa – excepto Rip Curl) por consequente insatisfação dos seus accionistas. Tais alterações de politica na nova ASP, em meu entender, terão de materializar-se na angariação de um ou mais umbrella sponsors para o WCT, na venda por atacado dos direitos de TV, no pay-per-view ou na subscrição das transmissões em directo dos eventos, como ainda muito provavelmente na bilhética e no merchandise global (por oposição ao merchandise evento a evento), tornando desta forma o surf num produto com o mix de receitas semelhante ao futebol (para simplificar, 33,3% sponsoring, 33,3% direitos TV, 33,3% bilhética e merchandise). Em termos práticos, para os fãs e espectadores, pelo fim da gratuitidade seja no local de prova seja, mais provavelmente, no conforto do sofá ou da secretária.
Dream Tour Estas mudanças materializar-se-ão primeiro nos eventos do WCT, o principal produto, e implicarão certamente acesas discussões sobre a sua difícil compatibilidade com o conceito de Dream Tour, ou melhor, ondas perfeitas em paraísos tropicais remotos com água quente e cristalina. Este – o Dream Tour – tem, a meu ver, os dias contados mesmo na ressaca de um fenomenal evento nas ilhas Fidji ou no arranque idilico nas direitas de Keramas em Bali. Os direitos de TV e o pay-per-view implicam que os eventos pensem mais em que está a vê-los do que em quem está a “fazê-los”. Porque, quem os vê é quem paga a quem os faz. Provas urbanas como o Rio de Janeiro tenderão a ganhar um peso reforçado e/ou a serem complementadas com provas em piscinas com ondas artificiais (e receitas de bancada) e a “vida boa” de apenas 10 eventos de 11 dias cada tem os dias contados. Veja-se por exemplo, a ingenuidade ou o “amadorismo” de arrancar Fidji, em pleno prime-time na Europa, com uma competição não oficial de um dos patrocinadores da prova e deixar o fillet mignon para quando um vasto continente...estava a dormir. Tudo tende a aproximar-se do modelo da Formula 1 e do Moto GP com 14 a 16 provas, mantendo-se, por exemplo, o núcleo duro de Taiti, Havai, Califórnia, Europa (Portugal, Espanha ou França) e Austrália (Kirra ou Bells) às quais se juntarão novas provas, de duração mais curta e horários mais certos, isto é e, menos (ou nada) dependentes da “onda perfeita”. E mesmo assim, desenganem-se os mais puristas pois no Moto GP, as provas asiáticas disputam-se à noite para “bater certo” com os habitos dos espectadores europeus, os seus maiores fãs.
Os números não mentem. Discordará de mim a corrente mais puritana do surf que tem hoje, gratuitamente na TV ou in-situ, um espectáculo de primeira água (na verdadeira acepção da palavra) mas que, no fundo, não é sustentável. E tanto não o é que, os números não mentem. A enorme visibilidade do WCT correspondeu, desde 2007, a um crescimento médio anual de 9% na premiação monetária mas, no mesmo período, a premiação monetária do WQS cresceu apenas a uma taxa anual de 4% e, desde 2010, tem caído a pique, com o nº de eventos a baixar de 46 paragens naquele ano para 29 este ano. Pior. A crise na Europa agravou o cenário e, depois de quatro anos consecutivos (2007 a 2010) com mais de 12 eventos de qualificação no Velho Continente, em 2013 realizam-se apenas 4 (!!) campeonatos, contra 5 em 2012 e 8 em 2011. Significa isto que o cobertor que se usou para tapar a cabeça do WCT foi ficando cada vez mais curto e destapou os pés do WQS, a base, que vai morrendo de frio e definhando.
Alterações radicais necessárias Tais factos implicam pois que, também o WQS terá de sofrer alterações radicais que, em meu entender podem passar pelo fim dos “Primes” (um conceito vago “entalado” entre um WCT barato, sem o ser, e um WQS de 6 estrelas caro, sem necessitar de o ser), pela redução dos graus para apenas 3 ou 4 níveis (numa medida semelhante ao ténis que tem apenas os ATP 250, 500, 750 e 1000 antes dos Grand Slam e Masters) e, admito, para alguma regionalização da qualificação e atribuição de vagas para o WCT por região (como os mundiais de futebol da FIFA), diminuindo desta forma o custo de participação e aumentando os fees e quotas da própria ASP através da participação de mais surfistas. Não é preciso inventar a roda. Desportos comercialmente evoluidos e disputados à escala global, já encontrararam mecanismos, camadas ou fases/qualifiacações, locais, nacionais, continentais e mundiais para as suas competições. E estas mudanças podem também contribuir para a captação de regional sponsors, uma camada acima dos local/event sponsors. A médio prazo, com este modelo consolidado, o surf feminino, em clara ascensão, visibilidade e sex-symbols deve, como no tenis aquando da criação da WTA como cisao da competição feminina da ATP, seguir o seu caminho.
Portugal no mapa do surf mundial Portugal, quer através da Federação – limitada na acção por ser apenas afiliada na ISA - quer através dos patrocinadores e organizadores deve estar preparada para este caminho e deve ser, por um lado, mais selectivo e, por outro, mais exigente com a ASP. Com várias autarquias e autonomia(s) a quererem levar para o seu município ou região, num ano de eleições autárquicas, o titulo da “melhor onda”, o investimento do país – que estimo em quase 50% de oriundo de fundos públicos – em provas da ASP, corresponderá, em 2013, e apenas na prova masculina, a cerca de 950 mil dólares de prémios monetários distribuídos por 3 eventos, quase 11% do total dos prémios pagos por todo o tour da ASP, quando, em 2007, os 4 eventos masculinos cá disputados apenas correspondiam a 3% do total. Este peso não tem a mínima correspondência nem na participação de atletas portugueses nem na presença de competentes gestores, técnicos, árbitros ou profissionais portugueses nas instâncias da ASP, muito por culpa da nossa incapacidade de arranjar consensos, trabalhar em rede e apagar pequenas rivalidades locais. Tudo isto, creio, vai, ou melhor, tem de mudar.
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