sábado, setembro 19, 2020

Paraíso artificial

Isso será talhado de citações.

Ia soar estranho se não fosse assim.

Mesmo porque a etiqueta recomenda não opinar sobre o que voce não viu.

Mark Twain, dos belos bigodes e roupa branca, ele mesmo que surfou pelado no Havaí (Sacramento Union, EUA, 1866) escreveu que,

Algumas pessoas nunca cometem os mesmos erros duas vezes. Descobrem sempre novos erros para cometer.

O escritório da WSL aqui no Bananão fez esse favor ao surfe de maneira geral, descobriu uma nova forma de destruir um modelo que se anuncia desgastado já faz tempo.

Enquanto o resto do mundo tenta retornar ao que resta de sanidade esportiva mais próxima do que conhecemos como praxe (do grego, Opa!, prática, rotina) a WSL Latin America inova num retumbante fracasso.

Senão, vejamos como tem funcionado por aí.

Os primeiros a voltar com campeonatos como deve ser feito, sem firulas, apenas precauções e respeito pelas normas de saúde recomendadas, foram os portugueses e seu circuito regional profissional, um dos últimos circuitos nacionais resistentes que ainda teimam por nomear um (dois na verdade, um cavalheiro e uma dama) campeão nacional.

Hoje mesmo, dia 19 de setembro, estão no Porto competindo na quarta etapa, sem público, com patrocínios fortes (Meo, Allianz, Renault...) e centrados no que sempre interessou - ondas e surfistas.

Austrália fez seu teatrinho - sempre esperando por boas ondas - e ainda planejam mais dois.

Estados Unidos, Rancho do Tio Kelly, mesma lenga-lenga...

Europa, janela de espera e convidados dos países mais representativos, França, Espanha e Portugal - mais Itália e Kanoa que hoje vale por Asia, Europa e América do Norte.

(Me pergunto o que aconteceu com Reino Unido, sinais do Brexit...)

Japão, Chile e Austrália apostando em campeonatos virtuais com Web Series em diferentes formatos.

Chegada a hora de voltar ao surfe profissional na casa dos dois últimos campeões mundiais, a WSL Latin America enfia os pés pelas mãos e cria um problema que não existia antes da chegada do novo CEO Ivan Martinho, vergonha.

Pelos comentários lidos no Twitter, Youtube, Instagram e Facebook, a palavra mais usada pra descrever o evento que levou o nome de Onda do bem, foi mesmo vergonha.

Em português, castellano e inglês.

Tudo no evento era, ou soava, falso.

A desculpa de fazer algo positivo com solidariedade enquanto montam uma estrutura gigantesca na praia de Itamambuca em plena guerra de narrativas entre o desmatamento e a preservação não fazia o menor sentido.

Mesmo a alegada filantropia vai por água abaixo quando se gasta 200 vezes mais com o evento em si do que com as doações.

Não precisa ser um ás da matemática para juntar lé com cré.

Aliás, nem a divulgação oficial do evento diz quanto foi arrecadado para o projeto Ondas.

Assim que começou, recebi links para assistir ao vivo uma verdadeira tempestade (para usar o termo adotado pelo canal Off) de sorrisos e entrevistas repletas de superlativos.

Conferi os números, 2.600 espectadores ao vivo em português no Youtube.

Mais tarde, me certifiquei que havia transmissão em inglês na mesma plataforma e lá estavam sôfregos 730 resistentes aguentando Chris Cote numa tentativa desesperada de argumentar algo que fizesse sentido ao público de fora da bolha.

Dentro d'água, o atual campeão mundial Ítalo Ferreira e até os locutores do Sportv (mudei de plataforma!) tinham dificuldade de identificar quem era quem na onda - os câmeras completamente perdidos numa busca vã pelo registro...

Por fim, coincidência ou não, entra o jornal da noite (escolhe o canal, dotô) exibindo o fogo ardendo Brasil adentro, em proporções astronômicas, enquanto essa gente bronzeada mostra seu valor se divertindo à custa de quem deveria estar preocupado em preservar o pouco que resta de dignidade.

Poderia ser uma metáfora, a leveza diante do desastre.

Não é.

É apenas descaso.

PS 1 - 

Recomendo vivamente a leitura do texto que nosso irmão Pablo Zanocchi escreveu no seu site (Dukesurf) sobre como a WSL Latin America despreza completamente o que não é Brasil.

Vale a reflexão de quem nós somos hoje no cenário do surfe mundial e como podemos repetir os mesmos erros que, durante décadas, apontamos nos outros.

PS 2 - Enquanto Itamambuca fervia de felicidade, Gabriel Medina fazia post com uma Corona na mão, poucos quilômetros dali com repercussão 1500 vezes maior do que todos convidados juntos.

PS 3 - Menti na primeira frase.






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