segunda-feira, março 24, 2014

Poetinha de pernas pro ar

Por tras desse sorriso tinha um grande sacana


Vinícius dizia com certo orgulho que sua vocação mesmo era pra ser vagabundo.
Sim, esse Vinícius mesmo que voce está pensando, o poetinha, Vinícius de Moraes.
Numa entrevista feita em 1973, ele declarou que, 
       Há muita gente que não entende que o homem não precisa - e eu acho que não devia nunca- renunciar ao ato de brincar. 

Eu exijo o direito de brincar e mostro brincadeiras tambem, ao lado das coisas sérias, porque acho que tudo é sério. Tem gente que esquece que tudo é sério, mesmo as brincadeiras, e então, essa gente assume uma 'coerência' que eu não entendo, nem quero, uma coerência burguesa e limitadora.

Uau, pensei com meus botões, esse camarada falou comigo.
Temos uma alegria infantil ao dar de cara com ondas que falam conosco, sejam grandes ou pequenas, mas que falam conosco como apenas aquele antigo brinquedo falava.

A tentativa de tornar a nossa simples atividade em algo intelectualmente inatingível é coisa de gente pobre de espírito que deseja elitizar qualquer coisa que se populariza para para poder distinguir-se.
Separar.
       Revejo fotos antigas e identifico ali uma característica que não envelheceu com o tempo, a alegria.
Não confundo essa alegria com felicidade, que é uma coisa fugaz, a alegria é um sentimento que te cobra menos, e custa menos.

E a brincadeira é o melhor veículo para essa alegria repentina.

Quando voce, caro amigo, termina uma onda bem brincada, toda fantasia volta à tona e somos todos meninos (e meninas) novamente.
Nesse exato momento, somos todos iguais.

Drumond, Vinicius, Bandeira, Quintana e Paulo Mendes Campos na casa do cronista maior, Rubem Braga


Prancha zero ou toco velho, 15 temporadas na Indonésia ou nunca saiu dali, roupa de borracha de 1.500 pratas ou sungão desbotado, tatuado ou não, feras e pregos - iguais.

        O ato de brincar era altamente condenável pelos colonizadores na época dos descobrimentos e a coisa não foi diferente com os nativos polinésios quando os missionários perceberam que surfar não tinha objetivo prático nenhum.

Em sociedades baseadas em sofrimento e cobrança, qualquer prática que remotamente lembrasse diversão era banida.

No Brasil de Cabral, os índios eram considerados preguiçosos porque não passavam todo dia trabalhando e reservavam boa parte do tempo para o lazer.

O sorriso fácil do índio era confundido com uma certa ingenuidade e frequentemente taxado de abestado.

Curiosamente, nossa experiência com surfe passa tambem por isso, essa insistente associação com a preguiça, com a tolice do surfista.

Pois esse é o nosso maior orgulho.
Desconheço outro jeito de levar a vida.

Vinicius e Georges Moustaki curtindo uma praia, preocupadíssimos com a fauna e flora de Ipanema depois das 10 da noite...


Quem mais se aproxima dessa lentidão e descompromisso talvez seja o pescador, ou a criança...
A criança não quer (e não deve querer) fazer outra coisa senão brincar, da hora que acorda até a hora de ir deitar.

         Então envelhecem um aninho e já exigimos deles um compromisso com a vida adulta e aos poucos roubamos, inadvertidamente, quase todo tempo que eles tem para brincar.

Primeiro vem a escola, e os deveres de casa, inscreve no futebol, na natação, curso de inglês, escova os dentes, veste sozinho, come sozinho, calça sozinho, sai dessa televisão, desgruda do computador, faz alguma coisa da tua vida!

Crescemos buscando uma fuga pra todas essas obrigações e um belo dia descobrimos uma fonte inesgotável de diversão - o mar.
[Eu poderia usar a bola no lugar do mar, funcionaria perfeitamente, mas isso é uma revista de surfe e eu preciso ganhar a vida.]

A ida para o mar nos arremessa novamente para um lugar perdido da infância, quando brincávamos sozinhos sem ninguem perceber e um dia inteiro se passava.

Queria fugir do discurso fácil e repetitivo de avisar que nossa vida hoje é intermitentemente conectada com telefones e computadores, já não temos a privacidade dos nossos pais.

Nossos filhos terão ainda menos.
Armados apenas com uma prancha, ou mesmo sem ela, vamos pro mar em busca da alegria, do nosso sorriso, da brincadeira.
Acho que essa seria a melhor herança que poderiamos deixar pros filhos, não o surfe, mas saber brincar.

Não há nada mais útil e permanente do que brincar.
E o resultado é sempre o mesmo, um sorriso.

Uma campanha publicitária da marca Instinct, que pertencia ao campeão mundial de 1977 Shaun Tomsom anunciava, Tudo bem esperar por uma onda, tem gente que espera a vida toda por nada...
O surfista, no auge da sua inércia, espera pelo sorriso da natureza e se basta.

O Poetinha com seu melhor amigo, Uísque (O Melhor amigo do Homem é o Uísque, o Cachorro engarrafado, dizia Vinícius)

3 comentários:

  1. Paulo Fernandes7:44 PM

    Muito bom! Goiabada de volta era tudo que eu queria. Valeu Julio Adler

    ResponderExcluir

Diga lá...