sexta-feira, setembro 21, 2012

Ninguem e feliz sozinho

1º Campeonato Gaúcho de Surf, em 1968, na Praia da Guarita, em Torres.
Foto: Acervo Maneca Tostes


Ninguem é feliz sozinho, diz o título do CD dum grande amigo, Pedro Borges.
O surfe no Rio Grande do sul foi sempre uma coisa familiar, no sentido de ser feito em família.
Reconhecemos os pioneiros do surfe no extremo sul pelo sobrenome, Sefton, Johannpeter... Jamais um ato solitário e isolado como em quase todo resto do país.
Porto Alegre, assim como São Paulo e Curitiba, tem a imensa vantagem de ser distante da praia. Mickey Dora dizia que jamais moraria em frente a praia por banalizar a coisa que ele considerava mais sagrada.
O surfista que vive longe da praia nutre uma paixão pelo surfe que o camarada da beira-mar não pode sequer conceber. 
A distância atiça os sentidos e empresta uma saudade diária que é incompreensível pro Santista ou Carioca.
Quando estive no grande congraçamento do surfe gaúcho em Março deste ano na praia da Guarita, me deparei com algumas noções básicas de convivência que andavam esquecidas.
O Madeirite Trópico não quer ser campeonato, não quer intimidar nem afugentar a turma que ali frequenta há décadas, muito pelo contrário, quer apenas integrar gerações ao provocar um final de semana na praia como tantos outros antes dele.
O que se celebra é o reencontro.
Seja o reencontro dos velhos amigos, o reencontro com o mar ou o simples reencontro com um pedaço perdido da infância que nunca saiu daquela praia.
Paulo Sefton é um perfeito exemplo da vida dedicada ao mar, tem ainda o mesmo entusiasmo que vi pela primeira vez ainda nos anos 80 em Garopaba, o mesmo das páginas da Brasil Surf nos anos 70, o mesmo que o levava a enfrentar mais de 10 horas dentro do Fusca em direção ao então desconhecido litoral de Santa Catarina nos anos 60.
E os Sefton sempre estiveram ali, dentro d'água, se divertindo, explorando e descobrindo, como diz Mark Twain - em frase usada numa recente campanha de lançamento de canal pago.
A descoberta é uma sensação recorrente para a turma do extremo sul. 
Antes da previsão pontual, dos aparelhos celulares e das estradas bem sinalizadas e pavimentadas, cada viagem de Porto Alegre para praia era uma absoluta aventura às cegas.
A praia da Guarita era o ponto de encontro das primeiras gerações e qualquer desculpa pra passar o verão na praia no dolce far niente valia a pena. Como fez o primeiro campeão gaúcho de surfe, vendendo cachorro quente na praia pra conseguir uma graninha e uma maneira de estar na praia.
O problema, voces sabem, era driblar o sempre presente preconceito, barra pesada, num tempo que é até conhecido como os anos de chumbo.

Primeiro Campeonato Gaúcho de Surf em 1968 - Acervo Histórico Caldas Júnior


A liberdade do calção de banho e prancha de surfe não tinha igual.
E se hoje fica a impressão que o tempo de antes era melhor do que o de hoje, uma mensagem encaminhada por outro grande amigo e mestre cervejeiro, Dado Bier, apaga completamente. 
Maneca, apelido do Manoel Tostes, que tanto e tão bem viveu os dias de ouro do surfe gaúcho descreveu num imeio, de forma sublime, a causa de tudo isso.
Reproduzo aqui a mensagem do Maneca:

Vou dar uma filosofada: o surf, este de sábado e domingo, foi o esporte que contaminou os jovens dos anos 60 e 70 imprimindo um novo conceito de vida, uma nova atitude social...um reflexo de busca de uma nova visão depois da guerrra do Vietnam - aquilo foi uma demência - e movimento hippie. Muitos dos meus contemporâneos assumiram esta nova postura de enfrentar a vida e partiram para todos os cantos do mundo experimentando e alargando limites.
A vida naquela visão era para ser resumida a coisas simples: uma praia, boas ondas, gastos mínimos, boa companhia e amigos para curtir. E curtir muito...
A Natureza e Liberdade no seu auge como motor da sociedade.
Este foi o clima que a Guarita nasceu - pois ela nasceu em razão do surf - e este foi o clima que resgatamos com sucesso.
Vocês que não viveram a primeira versão da Guarita sentiram agora exatamente o que aconteceu conosco! Essa era a energia! 

O surf ao crescer e sair deste grupo restrito-  como deveria ser como esporte-  se inseriu na sociedade se adequando aos parâmetros comerciais vigentes: campeonatos, patrocinadores, atletas profissinais, roupas, instituições, fiscalização, burocracia....e esta, por incrível que possa parecer para nós os pioneiros, é a imagem que o esporte hoje possui! Passamos a ser iguais aos outros esportes!
Aquela vibração - que é milhares de vezes mais importante e significativa - parece ter perdido força; ou então não causa mais furor na juventude atual.

Mas ao ler os comentários de vocês, acho que causa sim, somente tinham perdido a fonte!
Sejam agentes da mudança conceitual deste esporte, interfiram na sua volta para transmitir que o objetivo do esporte não são os títulos de um superatleta e sim uma postura de vida onde as emoções são mais o valioso dos bens. 

A turma reunida em 2012 - Foto do saite Nas ondas com Banana


Ao pisar na areia da Guarita e ser recebido pelos velhos amigos com o mesmo abraço d'outros tempos, percebi que a relação que temos com o surfe não é apenas uma coisa egoísta e solitária como querem nos fazer crer. Ficou o desejo de poder ver a mesma iniciativa repetida em todos outros grandes centros do surfe brasileiro, do Ceará ao Rio, pais, filhos e netos unidos pelo simples prazer de estar próximo das pessoas queridas. 
E o melhor de tudo, na praia...

Capa do CD que deu título à coluna - a venda aqui

7 comentários:

  1. Bah Marreco, arrebentô! Mas ó, tu é parte da história do Rio Grande

    ResponderExcluir
  2. Julius, putz que soul hem!

    ResponderExcluir
  3. Eduardo8:40 PM

    Obrigado Julio, pelo texto e pelo sentimento proporcionado. Sou gaúcho, curti muito o litoral do RS e depois fui subindo (pra mim a Guarda-do-Embaú devera ser APA e protegida, enfim)- hoje moro fora do RS. O surf teve grande espaço na minha formação, mas de um modo muitas vezes individual. Sou esquizofrênico e uma das formas de conseguir viver era entrar no mar e ficar o dia inteiro ali, entre um balanço e outro... e ficava solitário numa daquelas praias com faixa de areia extensa, entrando em mar de bandeira preta, que acredite é tipo um faixa preta turbinado, achando tudo tão normal. Hoje em dia com o pessoal tendo acesso a internet e vídeos e tal eu me pergunto se ainda há a gurizada que entra nos mares de ressaca... bons tempos e questões que me acompanham. Abração, boas ondas e linhas em geral.

    ResponderExcluir
  4. Julio. Perfeita. Gauchada deve estar se achando e com toda a razão. Parte muito importante no surfe brasileiro, ainda que um pouco esquecida em vários momentos. Merecem nosso respeito pela identidade que enraizaram em suas vidas através da enorme ligação com surfe. Grande Abraço
    Eduardo Rosa

    ResponderExcluir
  5. Surf é um esporte popular no Brasil. Há praias muito boas para o surf. Eu gosto de ir surfar, mas o problema é que, com a água, ruínas alisamento meu com pranchas.

    ResponderExcluir
  6. Anônimo5:39 PM


    po marreco,
    ve se publica mais alguma coisa.
    sou gaucho e fiquei honrado de ler a materia sobre o surfe aqui do sul, apesar de nao ser de torres e surfar regularmente no cassino, que tem normalmente ondas ruins mesmo para os padroes do estado.
    mas agora faz tempo que entro no blog e aparece sempra a mesma coisa.
    parece ha um tempo atras que por meses a ultima publicacao dizia "meu big rider e uma moca" e eu e espero que muita gente tambem nao aguentavamos mais.
    tem que dar outra sacudida no series fecham tambem.
    tudo isso pela elevacao do nivel de intelectualidade do nosso surfe.
    um grande abraco

    ResponderExcluir

Diga lá...