Coluna Tempestade em copo d'água>Revista Surf Portugal>Abril 2008
- George! Pode me ouvir George ?
Por 23 intermináveis minutos tudo que George ouvia, ou via, era água.
George sabia que os filmes de surfe nunca mais seriam os mesmos, tudo que se percebia ao redor do surfe mudaria para sempre.
O filme chamava-se Crystal Voyager e seria um mero documentário sobre um cara esquisito e seus estranhos hábitos não fosse pelos 23 minutos finais.
O cara esquisito era o George, George Greenough, um personagem tão rico e complexo que merece parágrafo de apresentação.
Hoje George beira os setenta, com 21 revolucionou o design das pranchas, inspirado pelo não menos excêntrico Bob Simmons, criando pranchas capazes de atingir velocidades assustadoras devido à flexibilidade que Greenough conseguia com o deck cavado em forma duma colher.
George deixou de surfar em pé ainda no início dos anos 60 e dedicava-se a correr ondas de joelhos e deitado.
Auto-didata, criou em 1965 um modelo que batizou de Velo, provavelmente uma das cinco pranchas mais influentes em toda história do surfe. A Velo é responsável pelo título mundial do Nat Young em 66, pela troca brusca de direção de Slater, pelo arco da cavada do Lopez, pela voadinha do Clay Marzo, pelos tubos do Rasta, por voce e por mim.
Logo que a década de 70 começa, George reiventa nosso olhar e leva uma câmera para dentro d'água, quero dizer: Pra dentro do tubo.
Greenough rompe com a tradicional imagem do surfista na terceira pessoa e passa a filmar na primeira pessoa, quem está na onda não é mais o surfista, é voce.
A imagem que voce vê não é mais do ponto de vista de quem olha da praia ou dentro do mar em cima duma prancha olhando do canal, desta vez a onda é a protagonista e o surfista um detalhe superfluo.
Em 1970, Innermost Limmits of Pure Fun, primeiro filme que George realizou, trazia um segmento chamado The Coming of the dawn, todo filmado com uma câmera fixada ora no bico, ora na rabeta da sua prancha, anunciando mudança no comportamento de toda contracultura onde o surfe se confundia.
Mas é em 75, come esses benditos 23 minutos, que George transcende o gueto do surfe e alça voô para um público maior.
David Elfick e Albie Falzon (produtor e diretor de Morning of the earth) se reúnem para realizar um documentário sobre o inusitado estilo de vida de Greenough: George planejando e construindo um barco, George desmontando câmeras, George sendo apenas George.
Os primeiros 50 minutos de Crystal Voyager são somente isso: dia a dia de Greenough com sua narração seca e direta.
E então acontece...
Do escuro da tela aproxima-se a palavra Echoes.
O ruído de pingos d'água parecem familiares, é uma canção do Pink Floyd!
Vemos as mais incríveis cenas aquáticas jamais vistas, uma explosão de cores e texturas que nos deixam zonzos com tamanha beleza.
Suave, a voz canta:
Overhead the albatross
Hangs motionless upon the air
And deep beneath the rolling waves
In labyrinths of coral caves
An echo of a distant time
Comes willowing across the sand
And everything is green and submarine
Não estamos mais diante de um filme de surfe, aquilo é arte delirante, é uma instalação, uma performance.
Todo tempo a câmera se mantem submersa, admirando aquele universo que começa e acaba numa onda, raramente conseguimos ver alguma cena em cima d'água.
Somos peixes, somos água, somos surfistas como nunca antes fomos.
George cria uma grande angular para nos emprestar o verdadeiro olhar do peixe, em quase 180 graus, uma visão fabulosa da terra vista do mar, debaixo d'água, atrás duma onda.
Nos perguntamos seguidamente por que não nos mantemos debaixo d'água para ver tudo aquilo rotineiramente.
A resposta pode vir simples: porque é bonito demais e tanta beleza assim pode enlouquecer.
A música cresce e a câmera de Greenough resolve emergir.
Gilmour martela sua guitarra e Waters (vejam só que coincidencia!) batuca o baixo enquanto o tapete mágico de Greenough começa sua viagem pelas destorcidas paredes de ondas completamente absurdas.
Originalmente Echoes deveria falar sobre a imensidão do espaço, supostamente inspirada pelo filme 2001 de Kubrick (inclusive há uma lenda que diz que todo final do 2001 pode ser sincronizado com a canção do Floyd), algo mudou para o infinito do oceano e casou perfeito com as imagens de Greenough.
Ou seja: Greenough fazia com as imagens a mesma coisa que Pink Floyd fazia com seu som.
Estamos dentro do tubo, em câmera lenta, a realidade vira uma gota na lente, espatifa-se e espalha pela tela.
O tempo já não é mais tempo, é movimento, e o tubo arremessa tudo que tem para frente e para os lados.
Não somos mais nada.
George finalmente responde:
'Voce pode estar ali apenas por alguns segundos, de verdade, mas sua mente pode ficar ali por horas...
Muitas vezes voce fica tão dentro do tubo que não há saída.
Voce cai terrivelmente.
O que interessa é que quando voce está lá dentro. É o tempo que voce passa ali dentro.
O tempo entra numa dimensão própria.
A única realidade é a que acontece ali dentro.'
O cara tomou um doce forte pra fazer esse filme.
ResponderExcluirBruno - RJ
Julio,
ResponderExcluirBeta e eu vimos este filme há pouco tempo e foi a maior viagem. Ondas incríveis surfadas pelo Nat e outras "surfadas" pelo George com sua boia! A coisa mais incrível que pude ver, e isso na decada de 70! Echoes é sem comentários, como uma grande fã do Pink Floyd, quando começou o tilintar do sonar...
Grande beijo em Stelinha e no baby, foi ter encontrado vocês no sabado!
Beijos
Fred/Beta
texto maravilhoso. a erva cidreira do julin é tão boa quanto a câmera do George
ResponderExcluirPPU
Valeu Goibada.....
ResponderExcluirEu estava procurando umas informações sobre o cinegrafista "George" e acabei achando tudo aqui. valeu por tirar minhas dúvidas.
Hip Hip HURRA!
ResponderExcluirMeu bom...
ResponderExcluirLia as materias do George Greenough
nao lembro se na SURFING ou SURFER na segunda metade da decada de 70
A mais marcante, com fotos lindas tinha o titulo de "SOMEWHERE IN THE SOUTH PACIFIC NEAR".... Na época a SURFING e a SURFER mostravam fotos de ondas maravilhosas fornecendo apenas LATITUDE E LONGITUDE... Penei e vi que o cara estava nas ilhas SAMOA.... Viajei (literalmente)... Acompanhei outros artigos do George... Quase ele me vira a cabeça... Deus, não fosse a pressao da familia por algo sólido na vida, e uma namorada... Eu teria sumido no mapa...