quinta-feira, março 27, 2008

Os sinos


Bate o sino pequenino...

Snapper foi divertido, quase sem emoção. Um pouco pelas ondas e um pouco pelo clima solar do campeonato.
Bells é diferente.
Os sinos tem muitos humores e quase sempre temos dias medíocres. Bells precisa de uma bela ondulação para sorrir, como Mundaka ou J. Bay, mas o que Bells tem e que suas irmãs não tem é história.
Cada pedrinha ali já testemunhou coisas incríveis.
Por exemplo, a corrida dos fãs do Occy pelados pelas areia ou a incrível final entre Slater e Pottz em 94. Ou a vitória de Hackman sob efeito do LSD em 76. Richie Collins saindo de maca no meio da bateria final e vencendo.
A ainda inagualável e arrasadora estréia do menino Nicky Wood em 1987, batendo Curren no auge - no primeiro auge.
Bede apareceu pro mundo ali (ou melhor, Johanna), em 2005, quando bagunçou o coreto deixando Slater em 17 numa bateria de resultado duvidoso e que, segundo o próprio KS8 foi a motivação para a arrancada ao sétimo título mundial.
Quem lembraria disso ?
Slater, posso apostar.
O Bells de 2008 foi um dos eventos mais empolgantes em muitos anos. Toda sorte de condições testaram os 45, que na verdade se resumem em 5 ou 6.
A entidade Dane/Jordy se dissolveu e Dane, por mais que se esquive dos holofotes, brilhou intensamente e deixou claro que não será apenas um visitante deslumbrado.
Sempre impliquei com Dane Reynolds, seu filme é chato, suas ondas parecem sempre iguais com piruetas que o coroa aqui ainda não digeriu bem e toda histeria em torno dele me aborrecia profundamente. Isso sem falar no estilo um pouco espalhafatoso e uma base exageradamente aberta para voar melhor.
Como gosto de estar errado!
Em Snapper Dane já tinha surfado com abandono e segurança, duas de suas manobras estavam entre as mais vistosas de todo evento, faltava ritmo nas baterias.
Dane quase foi o surfista do evento em Bells.
Quase.



Contra Cêjota, Reynolds não surfou como nos filmes, nem nas revistas. Surfou mais.
Foi um desses momentos definitivos na história do surfe profissional quando um camarada mais jovem destrói a reputação de um mais velho e rompe com uma linha do tempo: aqui entro eu.
Dane surfou com linha, com força e com sua esperada criatividade. Não fosse por Kelly, Dane seria o surfista que mais empolgou em Bells.
Taj Burrow parecia realmente assustado com o resultado da sua quarta de final contra Dane.
Na sua melhor onda, locutores gritando como galinhas, TB disperdiçou toda parte boa e manobrou no rabinho para receber uma nota no mínimo estranha.
Dane aparentava pena do assombrado Taj.
Taj estava apavorado com a possibilidade de enfrentar Slater- ou Andy!
E quem não estava ?
Andy, supostamente não ?
15.34 x 2.80
Andy ainda não parece ter superado sua fase de mero top 6.
Andy venceu 5 eventos em 2003, 4 em 2002 e desde então todo ano vence ao menos 2, exceto por 2007, um ano escuro...
O fogo está lá, AI precisa de um campeonato para ressurgir (alguem disse Teahupoo ?).
Mick Fanning continua sua ridícula consistência iniciada na segunda metade de 2006 e não tem pinta de quem vai enfraquecer tão cedo.
Parko, ah Parko e seus quases...
Enquanto sucumbir diante de surfistas medianos e competitivos como Bede, Joel não pode querer nada alem do top 5.
Durbo é uma incógnita pra mim, ou pior: um enigma.
Na minha opinião, Bede resvala num Glen Winton (sem a coragem ou a colocação de tubos), ou um Macaulay, talvez um Rob Bain, na falta de um regular para comparar.
Ou seja, falando mais claro com a turma abaixo dos 30, Bede é um sujeito limitado com uma enorme força de vontade, pronto.
Nota - Bede teve um 2007 excepcional e coincidentemente foi o pior ano de ondas em quase 30 anos de circuito. Vejamos o que acontece com Bede em Fiji e Teahupoo se as ondas estiverem, bem... vejamos.
Slater fica perturbado com Bede, confessou - um dos poucos que o perturba (ai 2005...).
Que campeonato foi Bells!
Ondas volumosas e grandes, ondas cheias e médias, ondas pequenas e divertidas, ondas mexidas, ondas perfeitas.
'Pra ser sincero, prefiro Bells com maral', disse Slater quando saiu da Semi.
Fica mais fácil de atacar o lipe.
Foi assim em 94, 14 aninhos antes.
A brasileirada não foi mal. Neco teve atuação destacada até cair diante dum Parko insolente (quisera Parko ter essa insolência contra Bede...), mas teve uma excelente bateria contra T. Knox.
Pedra teve a falta de sorte de encontrar A.I....
Jihad teve toda sorte do seu lado contra Léo Neves e posso apostar que se competirem novamente naquela mesma condição 30 vezes, Léo vence 29.
Mineiro começou 2008 com muita vontade, cada vez mais me lembra um Sérgio Noronha modernizado. A mesma energia nas manobras, a mesma dramaticidade e o mesmo ânimo para passar baterias.
Falta borda, volume na onda e definitivamente falta estilo, elegância.
Nada disso parece o impedir de tirar excelentes notas.
Pode surpreender nas esquerdas se não relaxar.
Jimmy Slade resolveu voltar ao jogo.
E seu domínio de todos detalhes da cancha é surpreendente.
Na entrevista depois da bateria contra Damien H., Slater falou com tanta propriedade do julgamento, das suas ondas e das do Hobgood. 'Eu e Damien falávamos sobre as notas lá fora, acho que meu 6 foi muito próximo do meu 8 e Damien achou que sua última onda foi mal julgada em relação à outra...'.
Pô! digo eu, quem mais é capaz dessa frieza para analisar cada minuto passado competindo ?
Slater estava atento aos seus adversários tambem.
'Dane é o melhor surfista do mundo hoje. Seu repertório é melhor e mais completo do que qualquer outro surfista no WCT. Ele nos faz querer surfar melhor.'
E ele surfou.


Por que ?


Ninguem surfou como Slater em Bells, nem Winkipop.
Toda bateria era uma chance de mostrar o quão distante ele está de todo resto (exceto, talvez, Dane ?!).
Contra Jihad, Kelly parecia um novato empolgado e Jihad um veterano cansado.
Num ano em que toda imprensa tinha novos alvos e toda certeza do mundo que chegara a hora da renovação, Slater se reinventa e aponta pra frente.
16 anos depois do seu primeiro título mundial, 20 anos depois da sua estréia no circuito, Slater nunca esteve tão na frente da fila quanto em 2008.