segunda-feira, janeiro 14, 2008

Ao Vivo


E quem aguenta esperar pra ver J. Bay como em 2005 ?

A sensação era muito esquisita, um desconforto, uma desconfiança. Estava ali na praia, onde deveria estar, no calor do momento, vento sul gelado, alto falante gritando nos meus ouvidos, seguranças e estacionamento.
Me desacostumei.
Desde 2001, Jeffrey's Bay, que não visitava um WCT in loco e perdi completamente o hábito. Agora em Imbituba comecei a me dar conta de que talvez eu prefira assistir o Dream Tour pelo computador.
Cada onda testemunhada ao vivo na praia da Vila, ficava a sensação que faltava o replay, o outro ângulo, a câmera lenta...
Entrando nos detalhes dessa estranha escolha, de preferir ver na frieza do meu computador contra a vibrante praia, na Vila, por exemplo, a distância que as ondas quebravam era enorme, e no webcast, que eu espiava de vez em quando, o internauta tinha duas ou tres opções de câmeras, mais o replay.
Eu cresci com o costume de fazer qualquer sacrifício para assistir um campeonato ao vivo (mesmo porque não havia outra opção, senão esperar pelas fotos meses depois), foi assim em Saquarema no início dos anos 80, ou a partir de 86 uma anual peregrinação ao sul do Brasil, 18 horas do Rio de carro, para os Hang Loose.
Só o camarada que estava sentado estrategicamente na praia era capaz de assistir as baterias, e o Free surf ao lado, num espetáculo que era narrado na volta como uma experência invejável de vida aos pobre-coitados que ficaram presos em casa na rotina de escola-casa.


Andy ao vivo na França 2003

Hoje, ligando o computador em casa ou no trabalho, posso assistir todas baterias que quiser, escolhendo o que bebericar e beliscando um amendoim enquanto Nuno Jonet, ou Tom Carroll, ou mesmo Slater, comentam e narram o que acontece dentro d'água no Tahiti ou Bell's.
Depois de ver Fanning judiar duma onda, emendando uma manobra na outra sem dó nem piedade com uma precisão e velocidade impressionantes, resolvi ir até a sala de imprensa e tentar assistir um pouco do webcast.
Imaginem a situação: o sujeito lá na praia, dentro dum contêiner, sentado como estivesse no escritório, computador ligado na sua frente, conectado na página da ASP, janelinha aberta com as imagens ao vivo (verdade seja dita, com um delay de alguns minutos), revendo as ondas que acabara de presenciar.
Por alguns momentos tive vontade de voltar para o hotel e acompanhar tudo dali.
Logicamente não teria a companhia do Fabio Gouveia ou do Léo Neves para contar histórias do circuito, mas Nuno e Holly Beck não me deixariam na mão.


Ouvir o discurso no calor do momento não se compara ao editado e embrulhado para imprensa

A verdade é que para camaradas mais velhos e preguiçosos como eu ou para a molecada ansiosa por fazer 200 coisas ao mesmo tempo, é imbatível estar sentado em frente ao computador ouvindo sua musiquinha preferida, atualizando-se das notícias e respondendo imeios.
Habituei-me a ficar aqui, escolhendo quem ouvir e quando ouvir.
Corro o risco de ir contra tudo que prego e acredito, num típico exemplo de 'faça o que digo, mas não faça o que faço'.
A comodidade só é mesmo esquecida quando voce vence a preguiça, acorda antes do nascer do sol e vai para água surfar ao lado dos outros camaradas que deixaram as tentações da noite passada de lado e estão lá na primeira hora de luz do dia: Fanning, Slater, Taj e Parko.
Só então voce percebe que ficar em casa pode até ser melhor para acompanhar as baterias, mas o que acontece em volta, aquilo que a câmera não olha porque não está ligada, o antes e o depois, o durante ao lado, tão pertinho do seu campo de visão e atuação.
Em casa se voce se empolgar muito com uma bateria, o máximo que pode acontecer é ir correndo pr'água surfar na companhia de alguns amigos, o que não é mal, mas num WCT, voce pode ir surfar e dar de cara com Taylor Knox ou Bruce Irons esquentando para uma disputa próxima.
Eu costumava acreditar que nada superava essa experiência de estar ali. Não existia melhor maneira de evoluir do que surfar ao lado do surfista que admiramos todo resto do ano pela grande rede, pelas fotos, pelos vídeos.
Achava inclusive que se voce quisesse de verdade ser bom nisso (pegar onda), tinha que passar obrigatoriamente pela órbita de um grande campeonato - para se provar.
Afinal, se voce deseja mesmo competir num nível acima, deve aguentar a pressão de ser observado numa arena onde a atenção pode subitamente voltar-se para voce.
Lembro como se fosse hoje quando no Sundek de 1988, todos surfistas se preparavam para o campeonato que iria começar no dia seguinte, vem uma série espetacular em Itamambuca, lá no canto direito. Sabia que nenhuma sobraria pra mim, fiquei admirado olhando as ondas dos feras da época, Tinguinha, Barton Lynch, Richie Collins, o garoto Teco e eis que de repente sobra uma das ondas, limpa, sem ninguem remando...
Enchi o peito de coragem e no meio daquela multidão de celebridades eu tinha uma chance de mostrar o que sabia, Ricardo Bocão, diretor do programa de TV Realce e tambem competidor vinha remando de volta e deu seu grito de incentivo: uhu!
Fiz pose para cavar, apontei a prancha pra cima e fui.
Deu tudo errado, caí de maduro, frustrado.
Perdi minha oportunidade.


KS>Fiji>05>aspworldtour.com/live

O que restava fazer ? voltar e tentar novamente, ora bolas, mas o raio não cai duas vezes no mesmo lugar.
Fosse hoje em dia, me pergunto e tambem te pergunto, leitor, se aquele mesmo garoto esforçado ficaria em casa vendo o WCT pela telinha do seu computador, esperando pelo replay, enviando mensagens de apoio e outras menos nobres aos locutores do webcast ?
Mal posso esperar pelo Pipe Masters, com tres ângulos diferentes, com sorte teremos de novo Shaun Thomsom tecendo seus atentos comentários e espetando os garotos mal acostumados que o surfe produz com tanta destreza.
Acho que estou, aos 40 anos, me tornando um deles.
Posso estar rejuvenescendo ou eles envelhecendo rápido demais.
Ainda não sei se isso é bom ou ruim.

Um comentário:

  1. A grande naba de assistir na praia é não ter o espelho de bateria, as notas atualizadas e o heat situation sempre à disposição. Mas a transmissão online trava e aí haja saco.
    O ideal mesmo é assistir na praia com um laptop com conexão por celular... sentado e na sombra, claro.
    Se eu acertar os seis números banco uma temporada CT nesse arrego.
    abz

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