[Texto de Março de 2002 para o extinto jornal Nuts]
Fui a vida inteira estúpido o suficiente para sempre me sensibilizar com pequenas publicações, iniciativas isoladas, na maior parte das vezes até isenta.
Chamo pequena porque chega em séria desvantagem contra quem já lá estava primeiro.
Ela começa daquele tamaninho que nos dá uma vontade danada de pegar no colo, meio bêbada de ar fresco, de sonhos e do cheiro de dinheiro ?! Ninguem é bobo...
Dizia então que simpatizava demais com jornalzinho, fanzine, revista de dois números, publicações condenadas, tudo que tivesse alguma paixão ardendo envolvida com o processo.
Foi assim, em Dezembro de 1984, faz quase vinte anos, parece brincadeira, que recebi em minhas mãos, sempre salgadas na oportunidade, o primeiro número dum jornaleco chamado "Surf News".
Tinha um surfista na capa, terno e gravata, prancha debaixo do braço e um balãozinho, dizendo:
Um Jornal mensal de surf.
E quem fazia o danado não era um Zé das cuecas qualquer não, quem fazia era um dos melhores surfistas do Brasil na época, Fred D'Orey, junto de sua irmã, Verônica, e seu fiel escudeiro, Rosaldo Cavalcanti, não menos importante na evolução e, por que não? , sim senhores, tambem um excelente surfista.
Ainda na capa, numa diagramação (segundo consta nos créditos) de um malandro chamado Jorge Espírito Santo, - que, me assopram, é um bem sucedido televisor a cores.
Insistindo na mesma capa, uma foto pequena do Cauli, em pose típica do Bruce Lee, dando uma reta no olho da onda.
A dica de som do número 1 foi "The Hurting" dos 'New wave', diretamente da capa do Melody Maker (Deus o guarde...), Tears for fears.
Dizem que conselho é um tipo de nostalgia.
Concordo.
O que me fascina na imprensa nanica é esse ímpeto, aquele peito estufado de moleque abusado, cheio de si, desafiando o que está aí, estabelecido em berço esplêndido- leva cascudo e volta, provocando ainda mais.
Um jornal mensal de surf.
Naquele exato momento renascia uma forma romântica, ingênuamente de alto teor jornalístico, de descrever, ver e rever, o nosso brinquedo, orfão, desde o precoce falecimento da saudosa Brasil Surf.
Existia tambem a Visual Esportivo, do sempre injustiçado Nílton Barbosa, mas o sangue novo do Surf News tinha cheiro diferente, um charme de transgressão adolescente.
A promessa de receber em casa, sem ter que gastar um centavo, recem saído da prensa, enviado direto de uma estação dos Corrêios em Ipanema, era mais do que um privilégio, era um testemunho documentado de história, mês a mês.
Em pouquíssimo tempo, bem menos de um ano, despertaram olhares enciumados, tementes de que o poder do surfe se concentra-se demais no Rio de Janeiro, mal podiam esperar pela absoluta destruição do que uma vez foi conhecido como 'cultura surfe'.
Em Julho de 1985, durante um desses Quebra-mar concebidos para posteridade, lá atrás da pedra, no longínquo tempo que a água que saía do canal, no início da Barra da Tijuca, era ainda mais limpa do que a da Praia de Ramos (pré-piscinão), numa tarde amena de inverno, li de ponta a ponta, sentadinho na pedra, o Jornal Staff, na verdade o Surf News convertido por forças ocultas do direito autoral.
Inovaram mais uma vez: em vez de fotos, um texto em corpo grande estampado na capa, tentando justificar a mudança 'para crescer' segundo o editorial da capa.
Meros 8 meses depois de se lançarem à ingrata tarefa de 'cobrir' essa coisa indefinida, que nem é esporte, nem é estilo de vida, nem é cultura, nem é popular e é tudo isso ao mesmo tempo, menos popular, meros 8 meses e já mudavam de nome, avisando aos leitores que tinham crescido e amadurecido com toda aquela experiência acumulada nos 240 dias de aventura.
E vinha logo cheio de polêmica! Debates, opiniões contundentes, uma página dedicada à Dali!?!
Em particular uma entrevista muito bem conduzida com Valdir Vargas, presidente eleito da O.S.P. (Organização dos Surfistas Profissionais), falando sobre uma suposta organização do esporte com premiação mais justa, melhor espaço na grande imprensa, ritmo de competição adquirido em um mínimo de campeonatos e, pasmem!, auto-gestão. Dois anos antes da fundação da A.B.R.A.S.P.!!! iniciativa pioneira aqui na terra dos Tupinambás.
A atualização dos resultados do circuito mundial, acompanhados de pequenos comentários sobre a discreta participação brasileira, a preocupação com o vocabulário, a tal isencão citada no começo de texto, uma faxina na imagem que perseguia o surfista desde as dunas da Gal, tudo isso transpirava do trabalho, inocente, dos 3 idealistas.
O motivo dessas mal traçadas e confusas, no entanto, não é enaltecer fulano nem Beltrano. O que me move são essas pequenas publicações gratuitas, insisto no ênfase da pequeneza, pois quando maiorzinha já vai perdendo toda sua pureza, se é que já teve alguma, cedendo, curvando-se para o monstro chamado mercado, personagem até de manchetes, onde apresentado nos mais variados humores: abalado, atordoado, cansado, entusiasmado e desenganado, como disse o jornalista Augusto Nunes em recente palestra.
Como pequeno leitor, fui me formando com olhar mais crítico, mais afiado, de acordo com o que lia, os detalhes do papel jornal, tão importantes, foram se esvaindo nas páginas de papel Couche. O atenuante da gratuidade torna tudo mais fácil; é pegar e ler. Assim, uma geração inteira, reconheçam ou não, foi ficando cada vez mais atualizada com resultados que antes chegavam com 3 meses de atraso - e assinado por gente que poderia estar muito bem naqueles resultados.
Afirmo sem medo que não fosse o Staff, o surfe que conhecíamos demoraria mais meio século para amadurecer.
A sessão de cartas dava de 1000 em qualquer fórum de internet.
O fino.
Me comovo só de lembrar como ficava curioso de saber que diabos tinha de novo pra ler naquele jornalzinho todo dobradinho, parecia entregue por cachorro de desenho animado.
Perdi completamente essa curiosidade hoje - minto! permanece inabalada quando chega o Surfer's Journal.
Envelheço na cidade.
Fico do lado dos menores por vocação, por completa falta de afinidade com sucesso.
Eu tb sempre curti os meios alternativos de informação. Qdo comecei a surfar o Staff tinha virado o Now, que era muito fino mesmo... Publicações desse tipo, junto c/ a Chiclete com Banana, Geraldão & Animal, me instigaram a fazer zines nos anos 90. Hoje sou jornalista, mas escrevo só pro meu blog - posso não ganhar nada, mas tenho toda a liberdade que preciso.
ResponderExcluirMelhor assim, nas grandes publicações tudo soa artificial e as matérias sempre parecem feitas para não incomodar e parecer que a revista vai "morder a mão que a alimenta"... Falta de afinidade com o sucesso é comum, o Robert Crumb por exemplo fugiu do sucesso como o diabo da cruz e depois do êxito do Gato Fritz jurou nunca mais se meter com desenho animado...
ResponderExcluirA burguesia fede...
ResponderExcluirE o âmbito livre da internet também, né não?
Imagine só, sobrava tempo (?!?) para um pessoal escrever de grátis, colocar o endereço à mão (computa o que?) e ainda pedir ajuda aos amarelinhos?
Salve simpatia!
Salve, salve simpatia... como é??
ResponderExcluirAí eu pergunto, tirando os vídeos de surfe do Pepê e do Mellin e um bocado de textos do tio marreco, o que evoluiu na mídia especializada brasileira? Se somar a quantidade de besterias que publicam na Fluir+Hardcore+Sportv+Waves+Blackwater+AlmaSurf... fica difícil pra qualquer adolescente semi-analfabeto.
ResponderExcluirHá mais de dez anos atrás a gente ainda podia ler (ler mesmo) o Staff inteirinho, vibrar com o ineditismo das imagens e reportagens do Realce e guardar na estante as matérias na Fluir feitas na época do Dorey ou do Pepê.
Ou seja, tirando alguns Blogs que seguem a liberdade e criatividade dos Zines a Xerox dos anos 80, andamos que nem caranguejo.
Mas hoje é dia de esperança e, quem sabe esse ano, os fabulosos não se juntam aos mellindros pra criar e publicar?
Feliz 2007 e boas ondas
MR
Caracas....é isso, Julio!!!
ResponderExcluirA coisa anda,the people,tá ligado.Chega de enlatados, não é assim!!A humanidade caminha.Ainda curto um underground, pessoalmente falando.
A nânica da vez não é banana...
ResponderExcluirÉ Goiaba...dah!!!