sexta-feira, agosto 04, 2006

15 aninhos

[Texto de 2002, Revista Surf Portugal, coluna Tempestade em copo d'água]


Essa arte é do John Severson.


O bichinho me mordeu aos 15 anos.
Tudo se passou no século passado, 1982, ano que o Brasil perdeu uma Copa do mundo ganha, ganha…
O Flamengo era o maior time do planeta e Zico, o Pelé da hora.
Minha vida comia, bebia, respirava e, principalmente, torcia futebol.
Morando no Rio de janeiro, poucos metros do clube mais querido do Brasil, Mengão, com um pai vascaíno roxo, não podia ser outra coisa.
Mas algo mudava…
Dois anos antes, meio que sem querer, depois de muita insistência do futuro cunhado, começava, assim devagarinho, o interesse pelo surfe.
Sabia ficar de pé, ir no corte, tinha uma prancha em sociedade com um primo e já tinha comprado minha primeira Surfing.
O namorado da minha irmã, Ronald, fazia de tudo para que eu não atrapalhasse os amassos, então logo me ofereceu a coleção de revistas de surfe que ficava no seu quarto – me debruçava e só saía se fosse para andar de skate na ladeira em frente, Rua Cedro.
Me deu tambem uma pequena discoteca, quase igual àquela do filme “Quase famosos”, com Black Sabath 4 , Robin Trower “Bridge of sighs”, Neil Young “Comes a time”, Santana “Abraxas”, Jethro Tull “Aqualung”, Triumvirat “Spartacus”, Led Zeppelin IV, Bob Dylan “Blood on the tracks”, Wishbone Ash “There’s a rub”, Yes “Fragile” e dois do Bad Company.
Sem falar no LP do Pink Floyd, “Umagumma”, que só uns 200 anos depois eu iria entender…
Bem provável que meu interesse pelo futebol tenha se esvaído com as esperanças do título mundial da Copa da Espanha e a ‘Tragédia de Sarriá’.
No meu prédio, aqui na Gávea, zona-sul do Rio, moravam uns 10 surfistas, sendo que dois deles seriam determinantes no jeito que o surfe entraria de sola na minha vida de futuro ponta direita do Mengão.
Um chamava-se Sérgio, conhecido como Parrá, outro era Paulinho, apelidado de Zulu, por causa da cabeleira afro que ostentava na época. Eram inseparáveis, o primeiro tinha uma Brasília branca e o segundo um faro raro para tubos.
Me adotaram como mascote e no banco de trás da Brasília, todo santo dia, eu ia para o Quebra-mar, na Barra da Tijuca, alguma coisa equivalente à capital do surfe carioca de então, junto do Arpoador, ou pelo menos parecia assim pr'um moleque de 15 anos.
Quando não tinha carona, esperava o 554 - ônibus de trajeto curioso, saía do Leblon e rodava a orla inteira, pela avenida Niemeyer, costeando até o final da praia da Barra, íamos assim checando todas possibilidades de surfe nos mais de 20 kilometros do trajeto.
Se me perguntarem quando resolvi ser surfista pro resto da vida, a resposta deve resvalar nos meus 15 anos.
E foi por aí que, num belo dia de marolas lindas, água quentinha, canalzinho ao lado das pedras e umas direitinhas atípicas no Quebra-mar, resolvi me atirar de rosto contra o bico da minha prancha.
O resultado foram 35 pontos e quase fico sem um olho, feito o David Bowie e o Derek Hynd.
No primeiro hospital, público, o médico de plantão examinou o corte e exigiu internação: - vamos ter que operar. Disse o jaleco branco.
- vai operar a sua mãe! Emendei de voleio.
Acabei numa clínica de cirurgia plástica. Calma, nada disso que voces pensam, apenas fui me custurar, pois um amigo do meu pai atendia lá.
Nunca mais esqueço a cara da minha irmã quando entrou na sala onde iam começar a sutura…desmaiou na hora. E eu rindo.
Foram 3 meses sem encostar na água salgada.
Toda família dizendo que aquele esporte era muito perigoso, um menino tinha morrido com a garganta cortada no Recreio, avisava preocupada uma tia.
No dia em que pude voltar a surfar, era um Domingo, chamei minha mãe pra aparecer na praia assistir o filho surfando, afinal os vizinhos diziam que ele levava jeito.
Peguei o primeiro 554, ás 5.15 da madrugada, entrei no Mar 6 horas, minha mãe deve ter chegado umas 9, saí pra dar um beijinho, voltei e só me desaguei 6 da tarde, 12 horas dentro d’água, com dois pequenos intervalos para ‘Olá’ e ‘Até mais tarde’, na bochecha da mamãe.
A prancha era uma Russo, 6’ 1’’, amarela, biquilha, comprada de um surfista semi-profissional, Carlinhos, irmão do Heitor Fernandes, famoso Shaper brasileiro que morava no Havaí.
Esse ano completa 20 anos daquela caída.
Era recomendado que não ficasse muito tempo no sol para a cicatriz não ficar muito saliente.
Ostento uma cicatriz discreta na face direita, a outra, bem maior, até hoje não fechou, eu carrego pra sempre nos olhos, no jeito de olhar pro Mar.

9 comentários:

  1. Anônimo8:17 AM

    muito bom.

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  2. Anônimo11:03 AM

    DEU NO 2º CADERNO DO GLOBO HOJE, 5/08/2006... CAUÃ RAYMOND NAS ONDAS ENORMES DO LEBLON>>>DA AREIA O CAMPEÂO JULIO ADLER DIZIA:"É, O CARA É BOM." MATOU.....

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  3. Anônimo11:07 PM

    obina maravilha faz mais um pra gente ver !!!

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  4. Anônimo10:31 AM

    Julio,

    Comecei a surfar na mesma época em que você. Zico, a tragédia do Sarriá e outras (belas) marcas deixadas pelo começo dos anos 80 também estão em minha mente. Por isso vibrei com seu relato sensível e sincero. (E que pena que, ao contrário de você, fiquei mais de 15 anos longe da água e só voltei - e mesmo assim, de leve - há uns poucos anos)
    Aliás, há tempos que estou para elogiar o Goiabada, lhe dizer o quanto curto, volta e meia, entrar e dar uma checada no que rola. Opinião, memória, projeção, diversão. Tudo junto e um pouco mais. Textos sobre surf que passam longe da mesmice das revistas especializadas. E seus comentários sobre o circuito mundial me conquistaram e me fizeram voltar a acompanhar o tour com grande interesse (pela internet, obviamente).
    E a recente dica do site do Steve Wilkings, mago das lentes (acredita que tenho até hoje "Surfer Anual Photography", de 1976, que comprei, ainda molequíssimo-íssimo?)foi maravilhosa. Consumi algumas horas (e espero gastar outras tantas ainda) vendo (e revendo) fotos memoráveis de todos os tempos (usei a opção Searcha para pescar alguns anos prediletos).
    É isso aí, Julio! Bola pra frente. Parabéns pelo espaço.

    Abraço,
    Péricles

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  5. Anônimo11:00 AM

    Julio , Cauã Raimundo foi foda !!!
    vamos refletir .....
    daqui a pouco vc vai me dizer que o Obina é melhor que o Eto'o !

    FORZA ITALIA

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  6. fala Marreco, fracassado ou nao, voltei. saudaçoes + queridas e explica esse negocio ai d´Globo'.

    aquele,

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  7. Anônimo1:00 PM

    www.blackwater.com.br

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  8. Anônimo10:53 AM

    Olá Júlio!
    Li seu post e me lembrei de muitas coisas... Sou um pouco mais velha que você e confesso que minha paixão pelo surf foi precoce, imensa e platônica. Paulista, transplantada no Rio, nunca fui boa na água, digamos assim: era míope e usava lente, não podia abrir o olho. Dá-lhe vaca! Troquei pelo bodyboarding e ficou aquela sensação de que não era a mesma coisa. Minha salvação era o vôo. Outra paixão avassaladora, mas pelo menos dava para ficar com o olho aberto. Éramos poucas, naquele tempo. Claro que os crashes estavam presentes. O Miguelê Tavares dizia que "quem não se quebra é porque não voa". E a minha fratura de úmero me deixou o registro de uma fase feliz da vida. Lendo você, me lembrei da cara da minha mãe no PS achando que eu tinha morrido do "acidente de asa"... Mãe é tudo igual... eu sou mãe também... Bom, deixo um beijo pra você. Gosto do seu blog, me resgata tantas boas sensações. Boas ondas!

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  9. Anônimo5:35 AM

    Julio? Marreco? Ja nao sei mas como te chamar, mas de qualquer forma e bom ver este teu blog. Conheco bem esta tua historia de surfista da Gavea e fico feliz de ver que passados 20+ anos voce continua com agua salgada correndo nas veias. Keep surfing!! Hildson

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