sexta-feira, julho 07, 2006

Bob

[Coluna Tempestade em copo d'água :: Revista Surf Portugal Junho 2006]



Num desses vídeos do Sarge, a cena em Huntingthon era assim: enquanto os australianos enchiam os cornos de líquido dourado uma caminhonete daquelas tipicamente americana vinha rebolando como uma nêga (nêga loura, Fergie) nos vídeos dos Black Eyed Peas.
De dentro do carro, Bobby Martinez acena aos comparsas de bagunça, que não perdem a oportunidade de dar uma sacaneada no americanozinho querido das revistas.
Bobby tinha menos de 18 anos, dirigia uma caranga zero, com pneus enormes, super baixo nos alto-falantes e nada parecia justificar seu recem fechado contrato de 6 dígitos.
Entendam, caros amigos, que a indústria americana reside quase toda na costa californiana, as maiores revistas estão logo ali, 5 minutinhos de Trestles, a gigante Quiksilver em Newport, Reef aqui dum lado da rua e Rip Curl no outro. O’Neiil em Santa Cruz e o mago das pranchas, Al Merrick, fica na pacata Santa Barbara.
Bobby M. tambem é de Santa Barbara.

Arrisco dizer que não há no mundo inteiro um lugar mais carente de heróis do que a Califórnia – e olhe que poucos lugares no planeta sabem fazer heróis como os californianos.
Quando apareceu no horizonte Curren, depois de tanto tempo do Joey Buran tentando alguma coisa que prestasse no circuito mundial, as publicações bradaram uníssonas: ninguem tasca, a nêga é nossa!
Os caras não aguentavam mais ser arroz de festa dos ‘Aggro Aussies’ (pronuncia-se ozies, mas escreve dessa forma. É incrível como tem gente que viaja até o outro lado do globo e não aprende coisas tão óbvias…santa ignorância, Batman) ou do galante cavaleiro Sul-africano.
A coisa sempre teve preta (afro-americana) pros lados da costa oeste.
Desde a criação da IPS (International Professional Surfing, antiga ASP) em 1976 californianos assistiam perplexos o absoluto domínio australiano e havaiano, cada um deles com 6 surfistas nos top 16, com os primos Shaun e Michael Thomsom e Johnatan Paarman carregando a bandeira sul-africana e um único americano do continente, imaginem, da Flórida, Jeff Crawford, ocupando o último lugar.
Foi assim em 77/78/79 quando finalmente Joey Buran fura o bloqueio e torna-se o primeiro californiano no exclusivo clube dos top 16 – um modesto 13º, diga-se…
Posso empurrar um pouquinho mais de números impressionantes para voces ?
No ano inicial, 76, um californiano ganhou um dos 14 eventos, Greg Mungall foi o felizardo e a turma na costa oeste teve que esperar até 1980 pro nosso querido Joey Buran levar para casa o troféu do Waimea 5000 daqui do Rio de janeiro (reza a lenda que ele teve que acomodar o exagerado troféu na poltrona ao lado, de tão grande).
Percebem a carência que a Califórnia tem de surfistas consagrados no circuito mundial ?
Pois bem, até o salvador da pátria, Curren, chegar botando banca, ganhando sem a menor cerimônia, os outros únicos americanos nos top 16 da ASP (agora sim) oriundos do ‘Mainland’, eram mais uma vez floridianos, Charlie Khun e Wes Laine.
Em seguida aparece Gerlach e Parsons, em 87 e Richie Collins em 88, Jeff Booth em 91 – nenhum em 92 – Machado e Beschen, O’Connel, Knox e olhe lá.



Entra ‘El Chicano’ Martinez.
Fogos.
Rollin’ wid d’ Hommies…

Vejam o que esse rapaz está causando à auto-estima dos californianos, tantos anos desenganados com o quase título do sempre injustiçado Beschen e do comedido Bob Machado – isso sem contar com a sombra do surfe espetacular dos irmãos Irons, Chirs Ward, até agora fogo de palha.
Na primeira etapa, Martinez fez uma das melhores, senão a melhor, bateria do campeonato com seu ídolo, Occy. Nem por isso deixou de esmagar o ogro com um surfe pra lá de encaixado nas paredes de Snapper, tubo longo de back-side como a cereja no topo do sundae.
E os escalpos que o rapaz tem deixado pelo caminho são de respeito: Damien Hobgood, Joel Parkinson, perdendo para, logo quem ?, El Rey, Slater.
Não foi tão feliz em Bells, terminou em nono, caindo numa disputa morna com, prestem atenção!, Andy Irons.
Acaba de ganhar a etapa do Tahiti e o respeito dos outros 43 definitivamente.
E seu caminho não foi moleza.
Fez mais de 16 pontos em todas baterias classificatórias até as oitavas, quando encontrou um dos melhores surfistas do mundo naquelas condições e irmão do camarada que ele tinha batido na perna australiana: C.J.
Tudo levava a crer numa revanche dos Hobgoods mas Bobby foi sublime, fez 19 pontos possíveis dos 20 contra incríveis 18 pontos do Cijêi – atentem, que essa pontuação do gêmeo era suficiente para vencer Kelly, Knox, Bruce ou Dingo (que eliminara Andy!) nessa fase.
Até a data de hoje, esse rapaz com cara de personagem dos filmes do Cheech and Chong é a mais perigosa ameaça ao El Rey, que tem dois primeiros e um terceiro – Martinez tem um terceiro, um nono e, voila!, um primeiro.
Aproxima-se Fiji, onda que, dizem as más línguas, deve favorecer Bobby, mas confesso, amigos, que temo mesmo é a etapa de Jeffrey’s Bay.
Explico: o garoto é de Santa Barbara, Rincon fica em Santa Barbara, assim como outros point breaks de direita e esse camarada tem uma facilidade fenomenal em surfar esse tipo de onda.
Poucos surfistas são capazes duma leitura correta nas paredes de J. Bay, principalmente de costas pra onda, mas ‘El Chicano’ Martinez sabe exatamente o como fazer para entubar na parte mais em cima da onda, como acontece em J. Bay e como fez em Snapper, isso sem falar no jeito que ele encaixa manobra por manobra em ondas alinhadas e compridas.
A Califórnia agora, em plena crise política e existencial, essa que reclama da invasão dos imigrantes latinos, vejam só, no meio de tantos loiros com a imagem perfeita para anúncio de pastas de dente (Knox, O’ Connel, Curren, Gerlach, Buran) vai torcer por um Martinez, com cara e atitude de latino dos becos de Los Angeles, bigodinho e tudo!
Desde Machado, a Surfer, Surfing e Transworld não tem tantos motivos para se empolgar e dessa vez a empolgação vai esmagar todos preconceitos.