quarta-feira, fevereiro 01, 2006

O paraíso é um tabefe na cara.

[Coluna mensal da Surf Portugal, 'Tempestade em copo d'água']


Paulo Moura serviu como escada para uma bela matéria do Rogis Resing no Esporte Espetacular, com direito a lágrimas que tanto comovem o espectador. O alegre e intrépido reportér no entanto não se incomodou em perguntar ao pai do Makua de onde sai o pão deles de cada dia- e assim, o surfe manteve sua imagem limpinha feito bum-bum de nenem depois do talquinho.


Nunca li o livro do Michener, nem me passou pela cabeça.
Havaí é lugar de sonhos, fica mesmo bom assim, na nossa fantasia.
Já contei a história da surra que o Rabbit levou em 76 e custou-lhe todos dentes, apenas por ter escrito que os australianos eram melhores surfistas, para encurtar a lenda.
James Cook tambem passou por maus bocados nas ilhas.
A atitude dos haoles com os locais mudou muito nos últimos 20 anos, passando da indignação dos que ali eram severamente punidos até a cumplicidade dos sádicos novos moradores.
Um dos nossos maiores surfistas, Picuruta Salazar, quando ainda no auge, envolveu-se numa enorme confusão que mobilizou meio North-shore para encestar os brasileiros.
100 Dólares por cabeça, pagavam os caçadores de haoles a quem batesse num Brazil nut.
A coisa ficou tão feia que foi preciso a polícia intervir antes que a situação ficasse fora de controle.

Agora mesmo, temporada 2005/06, Paulo Moura apanhou por ter competido em Pipe.
Mas espere! Ninguem apanha simplesmente por pegar a camiseta de lycra e entrar na água ?
No Havaí somos todos reféns dos pobres coitados que esperam oito meses pelas ondulações de inverno e tem sua varanda invadida pelo homem branco.
A ASP é hoje completamente impotente aos anseios e demandas dos locais havaianos e o resto do mundo venda os olhos fingindo nada ver.
No Pipe Masters do ano passado Sunny Garcia resolveu que o mar oferecia perigo aos competidores e mandou cancelar o evento - serei justo: isso foi escrito em mais de um dos nossos caros veículos de informação.
Poucos anos antes, um dos top 44, Jeff Booth, foi xingado e intimidado pelo Liam McNamara, um dos xerifes de Pipe na época. Liam vociferava tanto e tão alto que Booth gentilmente pediu-lhe que tirasse o capacete quando andavam lado a lado na areia em direção ao palanque para devolver as lycras e desferiu-lhe um murro no focinho.
Liam, ao invés de revidar, correu ao palanque e pediu punição para Booth (diga-se de passagem, um Lord).
Quando confrontados, na maioria das vezes, os havaianos fogem do pau ou juntam cinco malandros para surrar covardemente suas vítimas.
Nosso folclore acabou por assimilar esse lado negro do esporte.
Imaginem o circuito de fórmula 1 ou de Tênis encerrando suas atividades anuais com seus principais eventos decidindo o futuro da carreira dos competidores numa situação semelhante ao que acontece, ano após ano, no Havaí ?
Federer entra na quadra contra Nadal e um partidário do espanhol ameaça de quabrar os braços do suiço que, enquanto descansa no seu corner, tem todas suas raquetes quebradas.
A cena pode ser rearranjada se Nadal e Federer forem patrocinados pela mesma marca que apoia a associação local- as raquetes ficam intactas, o pau come.
Nosso herói, Paulo Moura, homem de poucas palavras, cometeu o ‘erro’ de disputar uma onda com Makua Rothman, filho do lendário ‘Fast’ Eddie, líder do movimento dos ‘black trunks’ e patente intermediária na hierarquia do tráfico havaiano.
Em 2001 vi Burle assustado depois de ter sido ‘chamado’ para uma conversa com o velho Eddie, muito chateado do brasileiro ter surfado em frente a sua casa sem sua autorização – uma das namoradas dele estava tomando sol na ‘sua’ praia e não queria ser incomodada.
Qualquer deslize nas ilhas vale um tapa.
O ‘aloha’ é discreto em relação ao clima tenso predominante e estrangeiros são sempre bem vindos quando estão indo embora – voltem sempre.
Verdade seja dita, os verdadeiros havaianos são pessoas adoráveis na grande maioria, quem estraga tudo são os pretensos locais, texanos como Ken Bradshaw que gostava de morder pranchas em Sunset ou californianos acostumados com a hostilidade que reina nos principais picos desde Dora em Malibu até Oxnard.
O pai do Makua e seus capangas já ajudaram os ‘amigos’ brasileiros a organizar um campeonato em Pipeline.
Sim senhor, voce leu exatamente isso: ajudou a organizar um campeonato de brasileiros em Pipeline.
O ano era 1988 (ou 87) e a inimizade dos havaianos com brasileiros era latente e corriqueira, mas alguns poucos aventureiros tinham trânsito livre com a cúpula do ‘movimento’ no North shore.
Numa das infindáveis noites desse fabulesco inverno, provavelmente depois de uma bela carreira, foi acertado o Brazilian Nuts invitational.
Até vídeo foi feito do histórico evento na esperança que fosse comprado pela Rede Globo (segundo boatos, a vênus platinada pagaria 50.000 Dólares! Naturalmente nunca concretizou-se a venda dos ‘direitos’.) e o dia ficou conhecido como o ‘Dia que os brasileiros alugaram Pipeline’.
Uma foto revela bem o espírito do evento, com um dos juízes, um ex-Pipe master, sorrindo de orelha à orelha, feliz com sua ‘amostra’ da pura boliviana.
Alguns dos competidores ostentavam profundas olheiras de quem não via sono fazia mais de um par de noites.
Makua é capaz de vir ao Brasil e ser muito bem tratado, como já o fez seu pai em feiras de surfe.
Enquanto a ASP não punir severamente o quinquagésimo primeiro estado americano por toda e qualquer covardia cometida durante a temporada dos campeonatos no Havaí, o esporte não pode ser considerado ainda profissional.
Mas, que diabos queremos nós com o profissionalismo ?
Isso deveria ser uma atividade espiritual, diria Nat Young – que sempre cantou de galo e foi brutalmente espancado, desfigurado, pelo pai do garoto que ele acabara de estapear, acreditem, por causa de uma onda…

PS – Nat escreveu um livro chamado ‘Surf Rage’ (Nymboida Press, Austrália, 2000) depois da surra onde expurgava suas décadas de culpa com textos reflexivos sobre a velha lenga-lenga ‘não podemos viver todos em paz ?’.
Querem saber a minha resposta ?
Não.

10 comentários:

  1. agora quando o makua for no brasil, quero ver o paulo moura contratar seguranças pra ele, tal qual o richard sills depois de ter sido espancado com um cano de aço pelo pessoal do 'wolf pack' fez quando o bruce irons foi à áfrica do sul. estão a atear a lenha com que se vão queimar, esses havaianos...

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  2. Anônimo5:05 PM

    asp pune neco ! vamos moralizar o esporte !!! Mande o Adrian perguntar ao Taj(, que posou de moralista em entrevista ao brilhante editor da biblia do surf nacional, depois de cheirar todas na frança )o que ele acha disso !!










    ´













    depois de cheirar todas na françca

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  3. Anônimo5:55 PM

    infelizmente a mídia tupiniqunho(!)é toda ela "paga pau" de gringo e com certeza nunca farão ou permitirão que algo aconteça a um gringo desses o que dirá a um havaiano...Minha turma já decidiu, esse ano nas etapas aqui do brasil, se encontrarmos um havaiano que seja, levará um "recado" e se caso, um desses otários havaianos vier a algum evento aqui, vão entrar no pau.


    pau-brasil

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  4. Aí Júlio, conta pra essa meninada sobre a dura que o Tod Holland levou em Ubatuba, certa feita. Um erro não justifica outro, mas que é bonito é...hehehe...

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  5. Anônimo8:56 AM

    A tal dura que o Tod Holland levou, foi uma excessão a regra e não alivia em nada a situação humilhante que os brasileiros enfrentam no Hawaii. O Julio colocou muito bem nesse texto o que é a "máfia" HAvaina....E acho tb que, aqui neste blog o que não tem, é "meninada".

    pau brasil

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  6. Anônimo12:14 PM

    conversando com non-surfers, todos estão desacreditados com as últimas notícias a esse respeito (ripa q um brasileiro levou na gold coast, reportagem da globo sobre localismo e violência nos picos de SC), não entendem como funciona, alguém se dizer dono de algo que não é de ninguém.
    A verdade q a situação só tende a descambar, já q a mídia e a industria bombam a sociedade atrás do seu pote de ouro. E pensar que 100 anos atrás, Duke vivia no perrengue.
    tamos fudidos

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  7. Anônimo1:59 PM

    Não precisamos ir nem até o Havaí, né. Basta tentar surfar em lugares como Arpoador, Quebra-Mar, Recreio e até mesmo Prainha.
    Falta de respeito impera, xingamentos pra lá e pra cá. Só se vê stress na água.

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  8. Anônimo8:30 PM

    Na verdade, o Havaí possui uma história de invasões haoles que os marca desde o início da sua história, começando com a entrada dos Europeus, passando por ataques a Pearl Harbor, e chegando aos dias atuais com o início do movimento de mercantilização do surfe. Não justifica o mal-caratismo, nem ameniza a situação, mas o fato é que uma atitude esportiva deve ser tomada com relação ao
    acontecimento. A lei do esporte deve prevalecer, até mesmo pra justificar o envolvimento profissional das pessoas que trabalham para este esporte. Uma instituição, como a ASP, deve mostrar o seu poder neste tipo de acontecimento, pois é o momento de tratar com força, aqueles que acham que tem força.

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  9. Anônimo9:42 PM

    Não os culpo.A temporada é curta ,o resto do ano não tem onda no North Shore e quando tem os picos são invadidos por surfistas de outros lugares e pior do que ter seu quintal infestado de haole é ter um quintal infestado de haole que nao respeita os locais.No Brasil aconteceria a mesma coisa se as ondas aqui fossem igual as do Hawaii, ''fast Eddie'' uma vez disse:esse é o preço que nós pagamos por ter ondas tão boas.

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  10. Anônimo11:52 AM

    Acho que seria até pior em termos de violência, mas como não temos ondas aqui, devemos nos concentrar em não aceitar este tipo de atitude.

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