[texto de 2004, iniciado em 2000, sem pé, mas com cabeça]
-- Tudo é onda.
Ele dava uma baforada no charuto e um gole no Santa Helena olhando firme pra mim, como quem dissesse: qualquer imbecil sabe disso, não é verdade? Dudu celebrava nesse dia, 6 de Julho de 2000, 29 anos da morte de Louis Armstrong, o camarada que popularizou o jazz e o deixou, digamos, mais palatável para o chamado ‘grande público’. Uma banda improvisada, mas muito bem sintonizada, tocava “When the Saints Go Marchin’ In”. Dudu no banjo – é pai do surfista de Ubatuba Tadeu Pereira – e seus irmãos tocavam o resto dos instrumentos: guitarra, baixo, bateria e até um pandeiro. Na platéia, dançando animadamente, Binho Nunes e Paloma. Dudu celebra nascimento e morte do seu ídolo – Sachtmo vive.
-- Tudo é onda: música é onda, tempo é onda, a vida – por que não? -- vem em ondas, cantava o poetinha.
Papa Du sabe do que assunta. Três dias mais tarde, deitado nas areias de Itamambuca, assistiu o filho mais velho levar, varrendo tudo, com uma tremenda onda, a etapa do Super Surf em Ubatuba – Francisca Pereira, baixista da banda, terminou em 3º.
Nascido em 24 de Agosto de 1890, portanto 11 anos mais velho do que Armstrong (4 de Agosto de 1901), Duke Paoa Kahinu Mokoe Hulikohola Kahanamoku veio como uma vaga gigantesca para mudar o jeito da gente olhar pro mar. O que Louis Armstrong fez pelo jazz, Duke fez pelo surfe: até então era o esporte dos Deuses e, a partir dali, dele, o Duke, ficou ao alcance de qualquer maluco que tivesse ousadia e saúde pra carregar aqueles pranchões de madeira (olo = redwood = pau-brasil) terrivelmente pesados, principalmente depois de ensopados.
Um grande surfista deve, por probabilidade e excelência, ser um exímio nadador. Imagino uma regra como essa num manual de grandes surfistas. O Duke não era apenas um exímio nadador, não senhores! O Duke era o maior de todos, o revolucionário do estilo, o melhor do planeta – suas 5 medalhas olímpicas não me deixam mentir… Um pé enorme, calçando lá pelos 45, era responsável pela velocidade anormal que ele alcançava -- ele já usava o pé para direcionar a prancha quando surfava, na técnica tradicional havaiana (de onde mais?) do período pré-quilha, pré-Blake.
E mãos enormes também!
Quando, no dia 12 de Agosto de 1911, o jornal Honolulu Advertiser estampou a notícia de que um jovem havaiano quebrara o recorde mundial dos 100 metros numa competição de final de semana, o comitê da associação americana amadora prontamente se levantou contra o fato e concluiu que, “como foi realizado em água salgada, sujeita a correntes, não vale.” Afinal, não se tratavam de meros centésimos ou mesmo décimos de segundo, eram 4.6 segundos de diferença pelamordedeus!!! Na verdade, era um século inteiro à frente do recorde mundial do campeão olímpico, Charles M. Daniels, nadados num ancoradouro, entre um pier e outro, numa manhã qualquer em Waikiki.
O impacto que teve a meteórica carreira de Kahanamoku na imprensa ajudou o surfe a se popularizar em todo mundo, começando com dois pés direito na Olimpíada de 1912 em Estocolmo, Suécia: duas medalhas, uma de ouro nos 100 metros livre, quebrando mais uma vez o recorde mundial – a lenda reza que ele estava tão à frente dos outros que se deu ao trabalho de olhar pra trás e, mesmo com essa pequena pausa, ainda terminou dois metros adiante do segundo colocado – e outra de prata no revezamento 4 x 200. O próprio Rei Gustaf da Suécia fez questão de entregar a medalha a Duke. Majestoso momento: um rei honrando o rei do esporte dos reis.
Atropelado pela fama, Duke acabou virando um embaixador do Havaí e do esporte que ressurgia após anos na obscuridade, por ser considerado pagão, estimulador da vadiagem e obsceno. Sim, esse mesmo que hoje vende refrigerantes e planos de saúde, o tal do surfe.
Em 1916 não houve Jogos Olímpicos por causa da Primeira Grande Guerra e Duke teve que esperar até 1920 para defender o seu título.
Bélgica, Antuérpia. O tempo passara tão rápido quanto sua velocidade dentro d’água. Duke, com 30 anos de idade, considerado muito velho para uma Olimpíada, não fez por menos: igualou seu recorde na semi-final e o quebrou na prova final, repetindo o ouro e a prata de ‘12.
Tudo é onda…
Um dado curioso é que, nesse tempo, as Olimpíadas eram exclusivamente para atletas amadores e, portanto, outro grande surfista pioneiro, George Freeth, apesar de estar entre os melhores nadadores dos EUA, não pôde participar das seletivas por ser salva-vidas profissional no estado da Califórnia.
“Precisou do Tarzan em pessoa para me parar.” Foi o que Duke disse à imprensa quando, aos 34 anos de idade, foi derrotado na final dos 100 metros livres na Olimpíada de 1924, em Paris. Duke fora batido pelo jovem ator Johnny Weismuller que, anos mais tarde, tornaria-se o primeiro e mais popular Tarzan da história do cinema.
Não pensem que o Duke desistiu de sua carreira olímpica depois da sua prata em ’24. Ele ainda teve disposição para disputar mais uma, em Los Angeles, 1932, como integrante do time de pólo aquático – com 42 anos!
“Eu precisava saber se ainda era capaz de nadar…”, disse ele. “Não fui muito bem… acho que a gente começa a ficar mais devagar quando se aproxima dos 40.”
Enquanto isso, de volta a 2004, Occy, com 37 anos, continua no top 16…
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