[Coluna Tempestade em copo d'água, Revista Surf Portugal, #148, Maio de 2005]
Maio me lembra La Libertad.
Chuvas, estradas esburacadas, fuzis, direitas, esquerdas, pedras e bocas de rio.
Reparem como nos esforçamos para justificar esse êxodo rotineiro que nos acomete mais vezes do que merecemos e menos do que desejamos.
Somos conduzidos pelos nossos ilusionistas prediletos.
Atraídos sutilmente nos acordes do tema de Endless summer e a narração sincera de Bruce Brown para o Senegal, seduzidos com cada vírgula dos textos do Kevin Naughton, pontuado pelas magníficas fotos do Craig Petersen no Sahara, deixando-nos levar por Gonçalo Cadilhe como uma testemunha invisível de cada passo de sua volta ao mundo, desta vez em Chicama para o swell da década.
Chega um determinado momento que nada mais faz sentido e o super-herói irresponsável em que todos nos transformamos urge por liberdade, pé descalço e sono salgado. E não importa sua idade ou disponibilidade para surfar diariamente: esse temível momento chega para voce tambem.
Contumazes mentirosos que somos, bolamos um plano mirabolante para explicar a tal compulsão, a lista é imensa!
Somos tão desonestos que talvez capazes de jurar morte inevitável, caso ausentes do ambiente quase metafórico dessa fuga da realidade.
Tudo motivado por outra obsessão nossa: compartilhar.
Alguem, sem motivo aparente, resolveu documentar, seja com fotografia ou texto, uma onda perdida em algum ponto remoto do planeta, a revista chega à banca e assim começa o ciclo.
Não há diferença entre duas horas dirigindo ou dois dias de voo, o que conta é a fuga e a onda.
Kevin Naughton no documentário obrigatório ‘The far shore’ diz que olha para as imagens antigas e mal se reconhece naquele aventureiro destemido e descompromissado dos anos 70, ‘é como se eu olhasse para outra pessoa’, conclue reflexivo.
A viagem tem no seu princípio fundamental justamente isso que Naughton revela: distanciamento.
Uma urgência pelo afastamento da nossa mediocridade ou grandiosidade, variando no tamanho do ego, de tudo que pode nos identificar ou rotular, nem surfistas, nem nômades.
Um desvio de caráter que a maioria dos surfistas carregam como uma sina, mas que somente faz sentido com a volta.
A mais piegas das citações do imaginário do surfe, ‘Nesse mundo lotado, o surfista ainda pode procurar e achar seu dia clássico, sua onda perfeita, e ficar sozinho com seus pensamentos’, soa absurdamente atual 45 anos depois de escrita no editorial da primeira Surfer.
Toda fantasia parte da imagem do Skip Frye remando ajoelhado num mar lindo, deserto de gente e profuso em ondas, foto do mais enlouquecido de todos fotógrafos, Ron Stoner.
Nessa revista que voce segura agora, o efeito duma foto ou frase irá interferir na vida dum surfista, deixando claro que a paixão é hereditária na nobre linhagem dos descendentes do Duke e não há nada que possamos fazer.
Fica claro, desde o começo, que a viagem é para dentro, a fuga é nescessária e a volta, indispensável.
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