quinta-feira, maio 05, 2005

Coluna Vertebral

[Pronto, um dos textos que publiquei no saite waves, foi bom enquanto durou, segunda experência na grande rede. As hordas se ouriçaram, a paciência foi esgotando-se e partiu, desta para melhor.
Diante dos comentários cretinos da grande maioria dos leitores que se manifestavam no grupo de discussões criado com brilhantismo pelo mestre do mundo virtual Rafael Sobral, diante da diarréia verbal dos filisteus, preferi o exílio - numa caverna 'raitéqui' chamada blog.
Serviu como desculpa a negativa do aumento de 300 Reais para 600, uma verdadeira inflação, que me foi gentilmente oferecida pelo editor do saite, santista, mas boa gente - fã do Zappa, não poderia dar n'outra coisa.
A temida cartilha do politicamente correto já fiscalizava o fórum com frases aflitivas como: 'voce não pode dar sua opinião!'
Ou então:'Volta para escola e aprende a escrever', apontava um rapaz que acabara de passar justo pela lição que cuidava do meus erros de gramática e perdera logo em seguida, interpretação de texto.
Nunca respondi os zagueiros chutando a bola pra cima, sempre conferia os imeios e mandava mensagens diretamente ao caneleiro.
Na maioria das vezes, o cabra brabo feito satanás chupando manga, ficava manso feito mula manca quando confrontado pelo afrontado em pele e osso.
Era um tal de: 'sempre li seus textos e admiro muito...' e 'gostava muito da sua batida de back-side (EPA!) quando voce competia...', ou ainda, 'quando crescer, quero ter sua coragem...'.
Lendo revistas nacionais, estou aprendendo a ficar cada vez mais auto-referente, como voces devem ter percebido.
Aos poucos vou perdendo o pudor de me sentir ridículo, e assim cada vez mais ridículo, escrevendo sobre meu umbigo e adjacências - quem sabe não recebo convite para escrever coluna para uma grande de Zampa ?
O texto abaixo foi escrito logo na volta de uma linda viagem (Janeiro de 2004) pelas ilhas que ninguem se dá ao trabalho de visitar direito, fica aqui em cima, tem água límpida, índios, floresta tropical virgenzinha, feito Severino antes de casar.
Orlando Villas Boas era um Homem.]


Orlando, o Bom




“Nunca vimos dois índios discutirem, nem um casal se desentender. Entre os índios, o velho é o dono da história, o homem é o dono da aldeia, e a criança é a dona do mundo.”

Orlando Villas Boas, nascido 12 de Janeiro 1914; morto 12 Dezembro 2002


Essa frase do sertanista e indianista Orlando Villas Boas demonstra sua verdadeira vocação: de humanista.
E o que nos interessa, surfistas e adendos, o que fez e falou um senhor que lidava com índios no meio da selva ?
Absolutamente nada, embora o pessoal que trabalha nas redações Brasil afora adore nos tachar de tribo: a última tribo nômade, etc…
Rejeito o rótulo de tribo.
Precisamos ainda de mais 5000 anos para evoluirmos nossa comunidade em sentenças definitivas como a que acabamos de ler acima.
Leio que uma nova guerra invade o que supostamente seria nosso pacífico mundo de água salgada. Um camarada surfando sozinho em Todos Santos, num diazinho relaxado, meros 10 pés, foi atacado por um grupo de surfistas (??) de surfe rebocado (Sim, amiguinhos, tow-in) dentro d’água, em plena arrebentação.
Sem nomes, nem datas, o pobre coitado, vamos chama-lo de agora em diante de ‘Remador’, se meteu a surfar sozinho numa tarde qualquer naquele pedacinho de ilha no México e deu azar de encontrar um grupo de gladiadores dignos do velho filme “Rollerball”.
A horda vestia-se a caráter, com coletes salva-vidas, bombas de oxigênio e pranchas especiamente encomendadas para toda sorte de dificuldades.
O remador, solitário, diz surfar ali faz mais de década e não aguentou o fuzuê de jet-skis em ondas que ele considera apenas divertidas. Os hunos se esmeravam em treino exaustivo, preparando-se para um promissor inverno no hemisfério norte, rabiscando qualquer movimento de água que lembrasse uma onda.
O nosso herói, Remador solitário, com muito humor e ímpeto, resolveu soltar a âncora do bote dos tresloucados ‘rebocados’.
Imaginem agora, um sujeito sozinho, com a cara de pau de deixar um bando de gaiatos com o bote a deriva, sendo que os gaiatos tinham jet-skis e poderiam alcançar o pato a hora que quisessem.
Pois o alcançaram e deram uma bela surra no antiquado surfista.
Ora, que lição tiramos de um episódio desses ?
Não bastasse a pendenga de surfistas e bódi-bódi, a disputa dos pranchões e pranchinhas, a discussão dos que vôam e os que do chão, ou da onda, não passam, surge uma nova peleja, nem tão nova, de remadores e rebocados.
Definitivamente, não somos uma tribo.
O que seduz nessa nova febre de surfe que muitos insistem em atestar como um grande momento histórico, o que atrai, o que move as hordas para as praias, é a liberdade.
Sem pieguismo.
Plano de saúde, Banco, automóvel e refrigerante vendem o surfe aliado a uma suposta liberdade que apenas o surfista, de calção e prancha, é capaz de permitir-se.
Liberdade sugere felicidade e quando pensamos o quão deturpada a palavra liberdade encontra-se hoje em dia, principalmente com Baby Bush e sua cruzada pelo ‘mundo-livre’ (me perdoe 04), nos damos conta que, como diz Fausto Wolf, um povo que morre de fome não pode se considerar livre.
Os irmãos Villas-boas lutaram a vida inteira para que os índios tivessem sua cultura preservada, sua área de habitação respeitada e mantinham a máxima do desbravador Marechal Rondon, “Morrer se for preciso, matar nunca”. Conseguiram fundar, depois de muita luta, criar o Parque Indígena do Xingu, salvando do homem branco predador 16 nações, ou tribos, numa área que é maior de que muitos países europeus. Orlando, inclusive, foi indicado duas vezes, em 71 e 75 para o prêmio Nobel da Paz.
Dezembro é época de reflexão, de votos e promessas, tempo de saudades aqui no Rio de Janeiro do nosso querido irmão que se foi prematuramente, Smurf, campeão brasileiro mirim em cima do Neco em 88.
Smurf era exemplo de conduta no Arpoador.
Nunca o vi levantar a voz nem dentro, nem fora d’água, no entanto era respeitado, quase temido.
Surfava no Shore-break direto, entubando de back-side na onda que a turma diz que nem dá pra surfar direito.
Smurf foi pra junto de Orlando, véspera de Natal.
Esse entendeu que o surfe servia pra unir, melhor dizendo, compartilhar.
O surfe, como diz outro irmão, ensina a cair.
Tenham todos boas festas.
Que 2004 nos traga boas ondas.

A coluna vai em homenagem à mãe do nosso amigo Smurf, dona do quiosque mais simpático do Rio, no mirante do Leblon, com a vista mais linda de Ipanema, Tia Sônia.

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