Coluna Morou ou boiou
Jornal Nuts
28/08/2003
Uma lista, duas carreiras.
Dava pra escutar a porrada da areia. Os pés bem plantados na prancha já antecipavam a base do surfista mais influente de todos tempos, Curren. O ângulo dos pés fechado, quase invertido, distanciando-se da tradicional e antiquada maneira de postar-se na prancha, pés feito cáubói de faroeste americano – facilitando curvas mais justas e verticais do nunca.
Carlos Felipe Rodrigues da Veiga não será lembrado enquanto a história do surfe nacional for escrita em São Paulo.
Cauli foi referência de radicalidade em todo Brasil, durante quase uma década, se alguem batesse reto suficiente, ou rápido suficiente, imediatamente aparecia um camarada pra dizer: essa lembra até Cauli…
Picuruta batia como o Cauli. Dadá queria repetir os ‘pé-na-porta’ do Cauli desde sempre.
No final dos anos 70 e começo dos anos 80 se o cara levasse a sério o surfe e tivesse alguma aspiração com a carreira profissional ele teria o Cauli como modelo de desempenho em altíssimo nível, seriedade, profissionalismo e caráter.
Cauli sempre profetizou: enquanto a imprensa estiver toda em São Paulo, mandando e desmandando no surfe brasileiro, o mercado e a surfistada carioca não terá vez.
- Mas como Cauli, se a maioria dos editores são todos cariocas ? Pergunto eu.
- Cariocas trabalhando e obedecendo…destila a Véia, apelido carinhoso.
Numa época onde reinava a crocodilagem, como se dizia, Cauli dormia cedo, treinava e não dava bola para tentações da vida mundana do surfe profissional.
O sonho da turma era ir pro Havaí no final do ano, passar o máximo de tempo e pronto. Cauli, como escreveu numa crônica outro carioca digno de menção pela iniciativa de fundar o primeiro jornal independente e surfar com uma linha…bem, deixem pra lá. Como descreveu Fred D’orey, dizia eu, ainda no século passado, Cauli buscou Austrália ao invés de Havaí.
O que isso queria dizer ?
Significava que aquele camarada rabugento, sisudo e concentrado queria porque queria surfar no mesmo nível dos melhores do mundo em qualquer onda. O Havaí não lhe bastava, afinal no North Shore estávamos bem representados pelo Pepê, desde sua final no Pipe Masters com 17 anos, Bocão, Ratão, Otávio e cia – inclusive, um jovem demente que poderia ser facilmente hoje comparado ao Mike Healey, louco de dar com pau, dropando atrás de todo mundo nos maiores dias, Renan Pitanguy.
Cauli foi o primeiro a investir tudo na carreira de surfista competidor do recem criado circuito mundial I.P.S.. Testava pranchas de todos modelos, trazia quivers inteiros de suas viagens.
A quantidade de títulos nunca foi tão importante quanto a evolução da porrada de back-side que o deixou famoso no mundo inteiro. Nunca se rendeu ao pranchão.
Permaneceu fiel à uma quilha até quase 83/84, quando todos já estavam completamente inebriados com a triquilha.
Tinha convicções.
Sua missão era elevar o desempenho do surfista brasileiro até onde chegou hoje.
O que veio em seguida, foi obra sua.
Picuruta, Gouvêia, Neco, Mineirinho, por favor façam fila.
Desde Cauli, quem bate forte e de frente, deve um bocado ao Véio.
As coisas tem início, meio e fim.
Vivemos o meio, no início era o Cauli.
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